Por determinação do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), o processo contra Jair Bolsonaro por incitação ao crime de estupro contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS) será retomado pela Justiça do Distrito Federal. Toffoli acolheu segunda, 19 de junho, pedido da vice-procuradora geral da República, Lindôra Araújo. Ela argumentou que, como Bolsonaro não é mais presidente e já não tem foro privilegiado, o caso deveria seguir na primeira instância, não cabendo mais atuação do Supremo.
O processo se refere a falas sobre Maria do Rosário em 2014, quando era deputado. Na Câmara e em entrevista ao jornal Zero Hora, o ex-presidente afirmou que a deputada não merecia ser estuprada, porque ele a considerava “muito feia” e porque ela “não faz” seu “tipo”. Esta é a segunda ação do caso que vai à 1ª instância. Na semana passada, Toffoli enviou outra que trata de injúria e calúnia. A decisão recente envolve incitação pública à prática do crime de estupro. Em ambos os casos estão faltando o interrogatório de Bolsonaro e as alegações finais das defesas no processo antes da sentença.
“Na espécie, ainda pendem de realização o interrogatório do querelado, o eventual requerimento de diligências e a publicação do despacho de intimação das partes para oferecer alegações finais, como apontou a Procuradoria-Geral da República”, escreveu Toffoli.
Todas as ações foram suspensas em 2019 após Bolsonaro se tornar presidente, pois a Constituição prevê imunidade no exercício do mandato e impede processos por atos anteriores. Mas antes disso, em 2016, Bolsonaro se tornou réu nas ações penais por decisão da Primeira Turma do STF. O placar de quatro votos a um legitimou o entendimento de que, além de incitar a prática do estupro, Bolsonaro ofendeu a honra de Maria do Rosário, que é ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos. Na denúncia, a PGR disse à época que Bolsonaro “abalou a sensação coletiva de segurança e tranquilidade, garantida pela ordem jurídica a todas as mulheres, de que não serão vítimas de estupro porque tal prática é coibida pela legislação penal”.
Relembre os casos
As ofensas de Bolsonaro à Maria do Rosário começaram há 20 anos. Em novembro de 2003, ele a agrediu diante das câmeras da RedeTV! durante entrevista no Congresso Nacional. Ela havia acusado Bolsonaro de promover a violência, inclusive sexual: “O senhor promove sim”, disse a deputada. “Grava aí que agora eu sou estuprador”, retrucou ele. “Jamais iria estuprar você, porque você não merece”, acrescentou e, na sequência, a empurrou, chamou de “vagabunda” e precisou ser contido pelos seguranças da Câmara.
Anos depois, em 2014, em discurso no plenário, Bolsonaro disse que só não cometeria estupro contra a deputada “porque ela não merece”. Os ataques aconteceram depois de Maria do Rosário usar a tribuna da Câmara para discurso em comemoração ao Dia Internacional dos Direitos Humanos e sobre a entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ela defendeu a punição de torturadores que agiram durante a ditadura militar.
Enquanto Maria do Rosário deixava o plenário da Câmara, Bolsonaro subiu à tribuna e gritou: “Não saia, não, fique aí. Fique aí. Há poucos dias você me chamou de estuprador no Salão Verde e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir. Vamos aproveitar e falar um pouquinho sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, é o dia internacional da vagabundagem. Os direitos humanos no Brasil só defendem bandidos, estupradores, marginais, sequestradores e até corruptos. E isso está na boca do povo na rua.”
As declarações motivaram ação penal movida pela deputada e em junho de 2016 Bolsonaro virou réu no STF por suposta prática de apologia ao crime de estupro e injúria.
Em agosto de 2017 o STJ condenou Bolsonaro a se retratar e a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais a Maria do Rosário. “A utilização daquelas palavras em um país onde a cada 11 minutos uma mulher é estuprada acaba construindo, no imaginário cultural e social, a ideia de que as vítimas são responsáveis”, declarou a deputada à época.
Bolsonaro recorreu mas perdeu em 2019 quando o ministro do STF Marco Aurélio Melo declarou que “a imagem do estupro recupera o julgamento social frequente de como as mulheres são retratadas com base em estereótipos e status de gênero. Esse fato causa eventos potencialmente dramáticos em qualquer mulher. No caso, entretanto, de uma ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos, o discurso gera efeitos devastadores em razão do ativismo da vítima, exatamente no respeito aos direitos fundamentais.”
A confirmação da condenação de Bolsonaro significou “simbolicamente derrotar cada agressor de mulheres e dizer: não ficarão impunes. Considero a decisão mais uma vitória de todas as mulheres do Brasil, que junto comigo tem travado uma batalha diária por respeito e por justiça”, declarou Maria do Rosário que doou dinheiro da multa ao Instituto Maria da Penha, no Ceará.
Da Redação