A paralisia da equipe econômica do governo Bolsonaro está levando o país à desorganização de cadeias produtivas, da força de trabalho e do abastecimento de alimentos. Na área financeira, no entanto, a inação parece estar sendo utilizada como ferramenta de uma combinada ação política. É o que sugerem as operações com títulos públicos realizadas pelas autoridades monetárias do governo.
De acordo com especialistas, pode haver uma ação/inação coordenada entre o Tesouro Nacional e o Banco Central que favorece o mercado com ganhos imediatos e futuros e fortalece o discurso do “terror fiscal” em defesa do teto de gastos.
De um lado, o Tesouro Nacional ampliou a oferta de títulos, ratificando juros maiores cobrados pelo mercado financeiro. A opção não veio acompanhada das razões pelas quais o Tesouro fez a oferta de títulos diante da piora do cenário externo e da possibilidade de resgatar tais títulos, com base nos R$ 325 bilhões repassados pelo BC, oriundos dos lucros das reservas.
Assim, estamos no pior dos mundos: não se utiliza o recurso para financiar o enfrentamento à pandemia, conforme defende o PT, especialmente a manutenção do auxílio em R$ 600,00, o que requereria mera alteração legislativa, nem o Tesouro usa o recurso para evitar se refinanciar a taxas maiores.
De outro lado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, descarta a intervenção “monetária” no mercado secundário de títulos, possibilidade aberta pela EC 106 e adotada por bancos centrais de todo o mundo, visando ao achatamento da curva de juros e, especialmente, redução de juros de longo prazo.
“O que entendemos agora é que não é esse o processo que está em curso. O que está em curso é um processo em que o mercado está pedindo mais prêmio para rolar a dívida do governo”, admitiu Campos, em entrevista ao jornal Valor.
Na entrevista, Campos destacou recente manifestação do secretário do Tesouro, Bruno Funchal, relacionando o aumento dos juros com o medo de um possível desequilíbrio fiscal. Para Funchal, o “risco fiscal” é a causa do aumento do “prêmio” cobrado pelos investidores.
Diante de tantas incertezas, algumas questões chamam a atenção.
Os juros de curto prazo no Brasil seguem em patamar baixíssimo e, diante do cenário externo, há uma janela de oportunidade para financiar o gasto público com aumento da dívida, desde que o teto seja removido, retomando a economia, gerando empregos e financiando serviços públicos, o que implicará aumento da arrecadação e do PIB.
Diante disso, o governo poderia ter contido o aumento de juros longos, com os instrumentos legais disponíveis, mas não o fez. Também, com a pandemia e o regime fiscal extraordinário, o gasto público aumentou em R$ 600 bilhões e os juros seguiram baixos, desmistificando que há uma relação linear entre juro e gasto.
Então, questionam especialistas, é preciso perguntar a quem serve a subida de juros em setembro dos títulos públicos mais longos e se ela seria evitável. Haveria a intenção de criar uma sensação de que eventual flexibilização ou revogação do teto de gasto geraria aumento de juro, fomentando certo “terrorismo fiscal”?, perguntam.
Ou, ainda, a atual política praticada pela equipe de Guedes traduz a vontade, ou decisão do mercado de seguir controlando o regime fiscal, congelando despesas das políticas públicas por até vinte anos?
Se for este o caminho, cabe às autoridades que respondem pelo setor responsabilizar aqueles que, no exercício das funções públicas, não atendem ao interesse popular, mas ao mercado.
Da Redação