Guedes alivia bancos, mas sobe impostos para serviços em 12%

Proposta apresentada ao Congresso Nacional reduz pela metade alíquota a ser paga por entidades financeiras como bancos, planos de saúde e seguradoras. Carga tributária sobre essas instituições, as mais privilegiadas na crise do coronavírus, não é explicitada pelo governo

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Governo aprofunda desigualdade no país

Na aparentemente desimportante primeira parte da reforma tributária fatiada que o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou ao Congresso Nacional nesta terça (21), havia uma pegadinha. A proposta de unificação de PIS e Cofins em uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) estabelece alíquota geral de 12%, mas traz cobrança de apenas 5,8% para entidades financeiras – incluindo bancos, planos de saúde e seguradoras – e preserva parte dos regimes diferenciados existentes, como as isenções fiscais para as combativas instituições religiosas que formam a base de apoio do desgoverno Bolsonaro.

Em 2018, o PIS-Pasep e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) arrecadaram R$ 310 bilhões, de um total de R$ 1,54 trilhão de todos os tributos federais no período, segundo dados da Receita Federal.
Ex-secretário-adjunto da Receita, Paulo Ricardo Cardoso disse que não vê fundamentação técnica para tributar os bancos em 5,8% e as demais empresas em 12%. Com as deduções, ressaltou, não se sabe ao claro qual o tamanho da carga tributária dos bancos.

Na linha de transparência zero adotada desde a posse, o Planalto alega que posteriormente daria prosseguimento à unificação de IPI, IOF e outros impostos, seguida do Imposto de Renda e, por fim, no “imposto sobre transações digitais”, que seria a “nova” CPMF. Mas essa proposta nem está clara, nem será apresentada tão cedo.

“Primeiro, precisamos ver se o governo vai mandar a proposta mesmo, porque ele promete a reforma há tempos, sempre para ‘a terça que vem’”, disse o economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), à ‘Rede Brasil Atual’. “Mas nenhuma dessas ideias é nova no discurso do governo. Desde que Paulo Guedes assumiu, ele fala as mesmas coisas.”

Na opinião do economista, a proposta de congregar os impostos não mexe na principal distorção do sistema tributário brasileiro, o ICMS, que produz a guerra fiscal entre estados e é cumulativo. “Paulo Guedes já vinha desde a campanha falando que o IR ia ter uma alíquota só, de 20% para todo mundo. É o sonho liberal dele, que vem do (economista liberal) Milton Friedman, e volta ao manual da década de 70, totalmente superado”, avalia Mello.

O que Guedes quer, em sua opinião, “é trocar seis por meia dúzia”: reduzir isenção e reduzir alíquota. “Arrecada mais tirando as isenções, mas arrecada menos reduzindo alíquotas.” Para o economista, o caminho deveria ser justamente o contrário: aumentar as alíquotas máximas para incidir sobre rendas muito altas.

“O desenho que ele propõe, pelo menos no papel, porque não temos a proposta concreta, é concentrador de renda”, acusa Mello. “No fundo, ele não quer aumentar a arrecadação e taxa ainda menos os mais ricos.”

O Brasil tem uma das menores alíquotas máximas (27,5%) entre os países mais ricos, lembra o economista. A Dinamarca cobra imposto sobre a renda de pessoas que ganham US$ 1,5 milhão em mais da metade de sua renda: 53,2%. A Alemanha, com sistema progressivo, tem alíquota máxima de 47,5%. A China, de 45%.

“O caminho possível seria usar a proposta da oposição (a Reforma Tributária Justa, Solidária e Sustentável“) como base e adequá-la na negociação política. Mas, vindo Guedes com sua proposta, ele trava o debate. Talvez ele esteja fazendo isso exatamente para não mudar nada”, disse Guilherme Mello, para quem a maioria das propostas do governo não será aprovada. “Guedes pode gritar e vai usar isso como trunfo eterno: ‘se tivessem me dado a CMPF seria tudo melhor’. Mas talvez seja um balão de ensaio para se proteger posteriormente.”

Em sua coluna no jornal ‘Folha de São Paulo’, o jornalista Vinicius Torres Freire também desvenda as intenções ocultas do ministro-banqueiro. “A julgar pela sua atuação política, Guedes parece mais preocupado em fazer uma reforma trabalhista terminal, uma desregulamentação ‘ampla’ das leis do trabalho e a desoneração geral, se possível (não é), dos impostos sobre a folha”, escreveu o colunista, para quem, em cada discussão importante, Guedes embute o tema da desoneração da folha e da reforma trabalhista. “Para dar outro exemplo, o plano desse Renda Brasil é acoplado a uma mudança na lei do trabalho”, aponta.

Na apresentação da proposta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que está nas mãos do Congresso fazer ou não mudanças tributárias para Estados e municípios. “Não posso invadir território de prefeitos e governadores falando de ISS e ICMS”, disse ele. Estados e municípios, no entanto, não querem a aprovação separada.

Bancos recebem tratamento de cliente VIP

A generosidade de Paulo Guedes para com os bancos só não é maior que a avidez dessas instituições financeiras. Enquanto a economia despencava a partir de 2015, em meio a uma crise fabricada para fustigar o reeleito governo de Dilma Rousseff, o lucro anual dos quatro principais bancos do país listados na Bolsa de Valores (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander) cresceu 38,7% até 2019, passando de R$ 62,7 bilhões para R$ 87 bilhões até 2019.

No ano passado, quando o fracasso de Paulo Guedes já era inexorável, o lucro dos bancos teve alta de 20%. Antes mesmo da entrada em vigor do estado de calamidade devido à crise do coronavírus, o Banco Central já havia divulgado, em 20 de fevereiro, mudanças nas regras dos pagamentos compulsórios que previam aumento da liquidez em R$ 135 bilhões, e anunciado a compra de títulos de dívida externa, colocando US$ 3 bilhões (R$ 15,3 bilhões) no mercado.

Em 23 de março, outro pacote de medidas foi editado para aumentar a liquidez da economia brasileira em até R$ 1,2 trilhão. Entre as ações, a redução da taxa de depósitos compulsórios de 25% para 17%, com previsão de mais R$ 68 bilhões para os bancos. Também foi anunciada uma linha temporária de empréstimos para os bancos, tendo como garantia debêntures – mais R$ 91 bilhões para as instituições bancárias.

A maior parte do segundo pacote de bondades do ministro-banqueiro amigo dos banqueiros consistia em um empréstimo para os bancos tendo como lastro letras financeiras garantidas por operações de crédito. Essa operação pode chegar a R$ 650 bilhões. Em 12 de maio, o BC aprovou os primeiros empréstimos com lastro em letras financeiras garantidas (LFG) a instituições financeiras. De uma só vez, mais R$ 17,5 bilhões foram distribuídos a 27 instituições diferentes dos mais diversos portes.

Os empréstimos feitos pelo BC com lastro em LFG foram uma das primeiras medidas adotadas pela autoridade monetária para combater os impactos econômicas da pandemia.

O objetivo anunciado, que era “oferecer a liquidez necessária para que o Sistema Financeiro Nacional (SFN) possa atender ao aumento da demanda observada no mercado de crédito”, até hoje não foi cumprido. Que o digam as micro, pequenas e medidas empresas barradas na festa do dinheiro farto de Guedes.

“A próxima tranche será avaliada no fim do mês”, anunciou o BC na ocasião. “As tranches subsequentes irão até o fim do ano, podendo chegar, de forma agregada, a até 100% do Patrimônio de Referência (PR) das instituições.”

Na outra ponta, a dos clientes pessoas físicas e jurídicas, o que se vê são empréstimos represados, juros aumentados e prazos de pagamento reduzidos, mesmo após os grandes bancos lançarem uma ação conjunta que supostamente reduziria o impacto da pandemia de coronavírus na economia produtiva.

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