O velório de José Bernardo da Silva (conhecido como Orlando) aconteceu na capela do assentamento Zumbi dos Palmares na cidade de Mari. Após as 14h, entre cânticos de luta, poesias e palavras de ordem, várias autoridades e militantes fizeram uso da palavra. O velório de Rodrigo Celestino aconteceu em João Pessoa e também recebeu centenas de pessoas para a sua despedida.
José Bernardo da Silva e Rodrigo Celestino foram assassinados na noite deste sábado (08) por volta das 19h. Os dois eram militantes do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Sem Terra (MST) da Paraíba e estavam no acampamento Dom José Maria Pires, localizado no município de Alhandra, quando um grupo de 4 homens armados entraram na área e atiraram neles enquanto jantavam.
O acampamento Dom José Maria Pires, antiga Fazenda Garapu, pertence ao Grupo Santa Tereza e completou um ano de resistência em julho deste ano. “Vamos comparecer ao velório e fazer um ato político”, disse a deputada estadual eleita, Cida Ramos, através de nota.
Abaixo, alguns trechos de falas de autoridades e militantes na despedida dos companheiros assassinados
Jackson Macedo – Presidente estadual do PT – PB
A preocupação é grande, não só pelo que aconteceu mas o que pode acontecer na nova conjuntura da politica nacional. Nós temos uma preocupação muito grande com o governo Bolsonaro. A polícia em João Pessoa bateu na juventude do hip hop gritando agora é Bolsonaro, então a luta da esquerda é muito grande, nós temos que criar uma grande frente de mobilização de defesa dos trabalhadores pois temos um futuro muito incerto para os militantes.
Trecho de poesia lida por um militante no velório:
Se a guerra está declarada, nós temos um lado. Não serão as armas e a violência que irá parar a nossa luta., seguimos o exemplo de Margarida Maria Alves: decidimos temer mais a fome do que a morte! Queremos e faremos justiça, ocuparemos a terra, plantaremos comida e daremos vida aos sonhos do companheiro. Alertamos: também sabemos atirar, a foice e o facão são ferramentas de trabalho mas não exitaremos em nos defender a terra repartida, se a morte for o preço da transformação desse país, não haverá munição capaz de nos parar. Nosso luto é verbo conjugado no presente, na primeira pessoa do plural: nós lutamos, nós lutaremos!
Paulo Marcelo – presidente da CUT – PB
É um momento de extrema tristeza para um dos importantes movimentos do Brasil e para todos os movimentos; o movimento sindical está de luto, o MST está de luto e daqui a um pouco mais de vinte dias se aproxima um novo brasil muito preocupante. O que nós vimos com esses dois bárbaros assassinatos é apenas o reflexo daquilo que se aproxima dos brasileiros que lutam por reforma agrária, por direitos. E o Brasil e o mundo já sabem que esse governo vem para tratorar os movimentos e fica aqui o nosso repúdio, em nome de todos os trabalhadores. E temos que reagir não ter medo, temos que continuar a luta e colocar todos os meios possíveis para defender a classe trabalhadora.
Gleisi Hoffman – senadora e Presidenta do PT nacional
Como dói que seja assim, saber que não serão os primeiros nem serão os últimos… por que que tem que ser assim? Por que tem que morrer pra poder ter um pedaço de terra pra produzir, pra poder sustentar sua família. Como é triste ver uma criança com fome. E os companheiros que enfrentam essa situação pagam com a vida. Um pais de exclusão onde a maioria luta para sobreviver, literalmente. Um país de 500 anos, que começou dizimando os índios, explorou os negros, colocando-os pra fazer serviços sem remuneração, excluindo os pobres… como um país como esse pode falar em desenvolvimento? Não tem desenvolvimento enquanto alguns tiverem que morrer para ter acesso a comida. E então a elite vem falar de paz social, dentro de carpetes e ar-condicionado. Paz social se discute aqui na lida, tendo que lutar pela comida e lutar para não ser assassinado. Na história desse país o único momento, um soluço de justiça social foi quando Lula assumiu. Pode ver na história. Queremos justiça, mas a maior justiça que podemos fazer é continuar na luta!
Ricardo Coutinho – governador da PB
Há nove anos atrás o José Bernardo teve um irmão executado da mesma forma. Eu fico me perguntando qual será o futuro desse país. Temos aqui uma perda afetiva, familiar, mas temos também a perda de algo que demora dez anos para se formar, que é a perda de um quadro, uma liderança. Não se forma liderança a três por quatro. Uma liderança, para se constituir, leva tempo, provações, legitimidade. Estamos passando pelo pior momento que é o da criminalização da sociedade que quer se organizar. Precisamos estar atentos porque a serpente saiu do ovo, já está espalhada na cabeça de muita gente que sonha em poder resolver tudo na base da bala. O brasil involuiu, está andando pra trás e vai andar cada vez mais para trás à medida que a gente aceita esse jogo e não se organiza. E enquanto governador iremos às ultimas consequências: desde ontem estamos buscando todo tipo de informação. Para que a gente possa punir, não apenas o executor, mas quem manda matar. Porque, do contrário, isso voltará a ser uma rotina no estado
José Godoy – Procurador da República – PB
É uma tristeza muito grande presenciar e ver isso acontecer na véspera dos 50 anos da declaração dos direitos humanos, 30 anos da constituição de 88 que colocou como direito básico o acesso à reforma agrária. Meus sentimentos a todos da família. Como disse o governador, será necessário muita luta para mudar isso, e nos últimos anos tem sido muito forte essa questão contra quem luta. Eu costumo dizer que não existe democracia sem eleições livres, e não existe eleições livres sem partidos e movimentos sociais. Então vocês são o cerne da democracia e quando acontece isso é a democracia que está sendo atacada.
Cida Ramos – professora e recém eleita deputada estadual pelo PSB
Muito difícil ver Orlando nesta situação. E com ele e com Rodrigo vai um pedacinho da gente. Vai um pedaço daquilo que nós acreditamos de valores, do sentimento, da necessidade desse país ser democrático, e não tratar as diferenças com esta truculência, o que morre hoje aqui é a tentativa de nos tornar mais fracos. A tentativa de dizer que a luta por justiça e igualdade não vale a pena. Estive no assentamento logo cedo. E vi o brilho no olhar que existia em Orlando. E agora, mais do que nunca, estaremos na linha de frente com vocês para mostrar que a bandidagem e a truculência não representam o Brasil.
Sandra Marrocos, vereadora de João Pessoa pelo PSB
Super difícil, encontrei companheiros de longas datas, da luta pela terra, do urbano e o rural. Tempos difíceis. O estado democrático de direito sendo atacado traz uma memoria antiga que a gente não queria que acontecesse mais que é a de companheiros lutando pelo direito a terra, o direito a vida. E teve o assassinato desse tipo na minha família. E a gente precisa estar muito atentos e fortes, resistindo, e esse é o momento que precisamos fazer enfrentamento muito forte.
Marcos Henriques – vereador de João Pessoa pelo PT
O sentimento é de revolta porque a luta de Orlando era por dignidade, por terra para o seu povo e um momento tão triste para o Brasil prestes a entrar um governo contrário à classe trabalhadora, ao MST, conforme ele mesmo relatou. Estive muito com Orlando e aprendi muito com ele: um militante que tem o amor e o orgulho daqueles que ele representa. Eu acho que essa morte tem que ser punida. O que ele deixou para a gente muitos ensinamentos. E isso vai se tornar em muita luta.
Wilton Maia do STIUPB – Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias Urbanas da Paraíba
Essa morte não sera em vão, vamos permanecer na luta, empunhando a bandeira da luta de classe pela reforma agrária. Sabemos que são tempos difíceis que iremos enfrentar, mas não iremos nos acovardar e vamos permanecer firmes em defesa da democracia. E orlando e Marielle são exemplos de luta.
Dilei Schiochet – direção nacional do MST
A luta pela terra no Brasil sempre foi muito tensa, porque a concentração da terra é histórica, não vem de agora, e a terra e um bem da natureza e não poderia ser comprada nem vendida, como o sole o ar que respiramos, e o Brasil é o pais que mais concentra terra no mundo, e as elites não permitem que democratize a terra: elas sempre vão tentar nos parar.
Por Brasil de Fato