Havia pelo menos três décadas que São Bernardo do Campo não sentia pulsação semelhante. Era dia 5 de abril de 2018 e o Sindicado dos Metalúrgicos do ABC revivia os tempos da luta sindical, com o seu entorno tomado por brasileiros e brasileiras vindos de todas as partes para retribuir o apoio dedicado no passado por um deles – um metalúrgico retirante que ousou ser o maior presidente da história do país.
Todos eles sabiam dos perigos de estar ali, mas ninguém parecia disposto a abandonar o local. Dois dias depois daquela data – no agora histórico e triste 7 de abril -, Luiz Inácio Lula da Silva era carregado pelo povo antes de ser levado às pressas a Curitiba e se tornar o primeiro e único preso político desde a abertura democrática.
Conforme a imagem de Lula desaparecia aos olhos daqueles milhares de cidadãos indignados, uma nova mobilização se iniciara imediatamente. Estava claro que o ex-presidente, que deixou o governo com 84% de aprovação, não iria sozinho para a capital paranaense. Seu novo endereço, imposto por uma condenação sem provas, seria também a nova residência de todos aqueles que tiveram seus sonhos encarcerados pela Justiça. Antes mesmo de Lula chegar, Curitiba já estava tomada.
Enquanto jornais do mundo todo tentavam explicar (ou legitimar) aquela arbitrariedade, o povo atendia ao chamado do seu maior líder, proferido horas antes de a prisão política ser colocada em prática: “Minhas ideias já estão pairando no ar e não tem como prendê-las. Agora vocês são milhões de Lulas”.
Nascia a Vigília Lula Livre.
Entre bombas e esperança
Voltemos, no entanto, a São Bernardo do Campo. Lá estava Pauliana Silva Gonçalves, do movimento de moradias do Espírito Santo. A militante, que gosta de ser chamada de Poliana, tentava encontrar otimismo e esperança em meio à tamanha desilusão. Decidiu, com outros companheiros de luta, que iria para Curitiba na mesma hora em que Lula era levado pelo helicóptero da Polícia Federal.
Partiram rumo ao Sul sem fazer planos e, ainda no caminho, encontraram os primeiros percalços. “A gente tinha muito pouco dinheiro para comer. Quando paramos no pedágio, tivemos de usar tudo pra seguir viagem. Mas não desistimos”, relembra.
A viagem seguiu e, já em frente à Superintendência da PF, ainda teve de enfrentar os excessos policiais que tentavam impedir demonstração de lealdade sem precedentes. Foram atacados com bombas de gás, bombas de efeito moral, e acuados pela PM que parecia preparada para um cenário de guerra, mesmo que ali só houvesse esperança.
“Ali mesmo, no meio daquela bagunça toda, a gente decidiu que só sairia de lá com o Lula Livre e não fomos mais embora. Pode demorar o tempo que for, a gente estará aqui ao lado dele. Ele precisa de nós e a gente precisa dele”, reitera Poliana, agora fazendo jus à alcunha que decidiu carregar para si mesma.
Ao lado de dezenas de outros militantes que representavam os mais variados seguimentos, Poliana ajudou a erguer a maior trincheira democrática do país. Entre idas e vindas, incontáveis tentativas de impedir a permanência do povo no local, a Vigília segue firme e forte por 365 dias, tardes e noites. 365 dias de um livro escrito a muitas mãos, com personagens a perder de vista e histórias de superação, solidariedade, amor, companheirismo, resistência.
A prisão política de Lula jamais deveria ter acontecido. Ironicamente, foi a partir dela que o Brasil ganhou um novo lar. Um lar que só fechará as suas portas (sempre abertas) quando o ex-presidente estiver livre. Como bem definiu o escritor Ariano Suassuna, nordestino como Lula, “bom mesmo é ser um realista esperançoso”. E o que não falta na Vigília Lula Livre são pessoas realistas e esperançosas.
Viva a Vigília Lula Livre.
Por Henrique Nunes da Agência PT de Notícias