De 3,1% a inéditos 11%. Este pode ser o tamanho da retração do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2020, em três cenários possíveis avaliados no estudo “Impactos macroecômicos e setoriais da Covid-19 no Brasil”, do Grupo Indústria e Competitividade (GIC) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A pesquisa projeta a perda, no cenário mais pessimista, de até 14,7 milhões de postos de trabalho formais e informais no país – incluindo 2,08 milhões especificamente na indústria de transformação. Os economistas estimaram o impacto da pandemia do coronavírus sobre a economia nacional com base em informações de 123 produtos e serviços, distribuídos por 67 atividades econômicas.
“As presentes simulações apontam para um forte impacto econômico da crise sanitária e evidenciam a relevância e a urgência de medidas para atenuar os efeitos sociais e econômicos da C19”, apontaram os pesquisadores no estudo. “A profundidade do impacto depende fundamentalmente da forma de retomada da economia após a contenção da pandemia e de como os componentes da demanda agregada reagirão às políticas domésticas e à evolução da economia internacional”, analisam.
Aumento da desigualdade
Os economistas avaliam que as exportações brasileiras deverão sofrer redução significativa e mudar em sua composição, com ganho de importância do setor agrícola. A redução das exportações em todos os cenários elaborados seria maior do que a redução das importações, com possíveis efeitos negativos sobre a balança comercial.
“No que se refere ao emprego, o fato de a maior parte das ocupações ameaçadas provirem de setores cujos empregos são tradicionalmente de menor qualidade e remuneração, com baixa proteção social, sugere que os impactos sociais da crise não serão desprezíveis e tendem a aumentar a desigualdade”, concluem os pesquisadores.
Nos três cenários desenhados pelo GIC (pessimista, de referência e otimista), apenas a administração pública apresenta expansão no número de ocupações. Exatamente pela necessidade de ampliação da oferta de infraestrutura e de serviços de saúde durante a pandemia. Quadro dificultado pela perda de receita tributária que deverá ocorrer.
Coordenadora do estudo, Esther Dweck acredita que a ação do Estado será fundamental para a recuperação econômica do país em curto e médio prazos na fase pós-pandemia. “O governo pode atuar por meio da transferência de renda e do investimento público”, aponta ela ao jornal ‘Valor Econômico’.
Produção industrial caiu 9%
Os números apontam na mesma direção da projeção dos economistas da UFRJ. O tombo de 9,1% na produção industrial de março, divulgado nesta terça, 5, pelo IBGE, ficou acima da média. A queda é a mais profunda desde maio de 2018, quando a greve dos caminhoneiros causou a falta de insumos e paralisou muitas fábricas, levando a uma queda de 11%. Como o IBGE transforma a variação da atividade em pontos, constatou que o nível atual voltou ao mesmo patamar de 2003, recuo de 17 anos em um mês.
Os números da indústria são os primeiros dados concretos do impacto do coronavírus na economia. Na próxima semana, o IBGE vai informar os resultados dos setores de serviço e comércio. O quadro das perdas ficará mais completo, mas os analistas econômicos consideram que o sinal vindo da produção fabril já condicionará projeções de queda mais forte no PIB de 2020.
Nesta terça também foi anunciado o resultado da Sondagem Indústria da Construção, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Medido em pontos, ficou em 28, em uma escala de zero a cem. Segundo Marcelo Azevedo, economista da entidade, o nível é o mais baixo da série histórica, com queda em volume e disseminação (em todos os subsegmentos) “jamais registrados”.
Derrubar o “teto de gastos”
Em artigo publicado recentemente para a Jacobin Brasil, a professora Esther Dweck relembra que as reformas liberais, como o “teto dos gastos”, não entregaram o resultado prometido e sucatearam ainda mais os serviços públicos voltados à saúde, ciência e educação. “Para reverter esse cenário de desmonte e enfrentar a pandemia precisamos derrubá-las”, defendeu.
“Desde o golpe do impeachment, que apeou a presidenta Dilma Rousseff do poder, a mídia hegemônica e os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro sustentam uma agenda ultra-liberal apoiados em um discurso de que a ‘próxima’ reforma irá consolidar a retomada da atividade econômica”, avalia Esther, que entre 2011 e 2016 atuou no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão como Chefe da Assessoria Econômica e como Secretária de Orçamento. Para ela, “o governo Bolsonaro, desde seu início, acentuou o receituário liberal, o que apenas agravou o quadro econômico e social.”
A economista aponta que esse desmonte do Estado mina a recuperação econômica e amplia as desigualdades sociais. “O mais absurdo é que, mesmo diante das evidências concretas, Guedes continua com o discurso medíocre de que as reformas liberais irão nos ‘salvar’. Mas as reformas já aprovadas nos deixaram ainda mais vulneráveis para enfrentar os desafios permanentes do desenvolvimento com melhoria do bem-estar social ou emergências como a que estamos vivendo agora com pandemia COV-19. Seu aprofundamento tenderá a agravar um quadro que já é crítico”, lamentou a cientista.
Embora a equipe econômica ainda mantenha oficialmente a estimativa de avanço de 0,02% no PIB, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, já prevê que as contas públicas poderão encerrar o ano com rombo de R$ 600 bilhões. Nesta terça, ele admitiu que o resultado do PIB em 2020 trará uma forte queda na atividade econômica. “O mundo está caminhando para uma recessão. O Brasil não será diferente: Teremos forte queda do PIB. -3%, -4%, -5%, ninguém sabe, mas será uma queda forte”, disse, em debate virtual com Fernando Nakagawa, diretor do CNN Brasil Business, e Murillo de Aragão, CEO da Arko Advice.
No começo de abril, o Banco Itaú já estimava que o PIB brasileiro poderá cair até 6,4% este ano. Em meados do mês, o Banco Mundial previu queda de 5%, enquanto o Fundo Monetário Mundial (FMI) projetou retração de 5,3%. Num cenário de elevado déficit primário e forte queda do PIB, a dívida pública também não sairá da casa dos 90% do PIB pelo menos até 2023, segundo projeções do Ministério da Economia.