Os povos originários conquistaram importante vitória nesta quinta-feira (21). Com o placar de 9 votos a 2, o STF anulou a tese do Marco Temporal, defendida por ruralistas. Ela foi considerada inconstitucional pela maioria dos ministros que entenderam que o direito dos povos originários aos territórios tradicionalmente ocupados independe da presença deles antes de 1988. Votaram pela rejeição do Marco Temporal os ministros Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
“Muito bom! STF derruba tese do Marco Temporal garantindo à comunidade indígena o direito à terra. Agora, é atenção no Senado pra evitar o retrocesso de invasores, desmatadores e garimpeiros. Viva os povos originários!”, celebrou a presidente do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR).
“Com a resistência dos povos indígenas e o trabalho incansável do nosso ministério, conseguimos mostrar o quão absurda e inconstitucional é essa tese”, afirmou a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em suas redes sociais, logo após a confirmação da decisão do STF. “É um resultado que define o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil”, declarou.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) avaliou que o Judiciário brasileiro demonstra que o Brasil não pode e não vai retroceder e violentar, ainda mais, os povos que são a origem da nossa história. “A demarcação é o reconhecimento estatal do direito à posse dos territórios ocupados tradicionalmente pelos povos originários”, comemorou o senador em postagem no Twitter.
“Ganha o Brasil e o meio ambiente”, festejou o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PT-PR).
“Uma grande vitória para os povos indígenas e para nós como sociedade”, destacou a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) em suas redes, ao apontar que a derrubada do Marco Temporal é a reafirmação do respeito aos povos originários. “Vamos seguir na luta para proteger quem sempre esteve aqui!”, afirmou.
“Caiu o Marco Temporal. Essa história não fazia muito sentido, né?”, questionou a deputada federal Camila Jara (PT-MS) no Instagram. “Vitória histórica dos povos indígenas: STF anula tese ruralista do marco temporal”, comemorou, ainda, a deputada, em sua conta no Twitter.
“Mesmo com a tentativa antidemocrática de alguns senadores pautarem às pressas o projeto do Marco Temporal, ele acaba de ser derrubado. Vitória! Caso fosse aprovado seria a legalização do genocídio e da degradação ambiental”, escreveu em sua conta no Twitter o deputado Rogério Correia (PT-MG).
Indicados por Bolsonaro, os ministros Kássio Marques e André Mendonça votaram a favor do Marco, que beneficiaria gigantes do agronegócio, ameaçaria ainda mais o meio ambiente e inviabilizaria 90% das terras indígenas em processo de demarcação, segundo o site Brasil de Fato.
Nas datas de votação do Marco temporal, os povos originários fizeram intensas mobilizações em Brasília para pressionar STF. “Se aprovarem irão derrubar mais florestas e teremos mais problemas naturais. Fortes ventos, mais calor na terra. Eu como pajé vejo isso. Por isso sou contra Marco Temporal. Eu não concordo”, disse o cacique Raoni dia 31 de agosto, segundo dia de julgamento.
Entidades de defesa dos povos originários temiam a perda de reservas e alertavam para o fato de que muitas comunidades indígenas fizeram deslocamentos forçados no período da ditadura militar e, assim, permaneceram fora de suas regiões tradicionalmente reconhecidas.
Ministros reconheceram direitos indígenas
Iniciado em 2021, o julgamento do Marco Temporal foi retomado este ano. Na sessão, a ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator Edson Fachin e Gilmar Mendes declarou não ter dificuldades para rejeitar o Marco Temporal.
Em seu voto, Fux se baseou em trecho da Constituição que fala da garantia dos direitos dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas. “Ainda que não tenham sido demarcadas, essas terras ocupadas devem ter a proteção do Estado”, declarou.
Ao citar que a Constituição não permite retrocesso de direitos, Cármen Lúcia salientou que “os direitos às terras tradicionalmente ocupadas haveriam de ser reconhecidos a qualquer tempo em que se comprove objetivamente essa posse (dos indígenas sobre suas terras)”.
Na quarta (20), durante a retomada do julgamento, Dias Toffoli também acompanhou o voto do relator. “A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do remitente esbulho”, disse Toffoli.
O ministro Luiz Roberto Barroso na sessão de 31 de agosto sustentou que extraiu da decisão da Raposa Serra do Sol a visão de que não existe um marco temporal fixo e inexorável e que a ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área por mecanismos diversos.
Cristiano Zanin, em voto contrário ao Marco também dia 31 de agosto, afirmou que “verifica-se a impossibilidade de se impor qualquer Marco temporal em desfavor dos povos indígenas que possuem a proteção da posse exclusiva desde o império”.
Para o relator Edson Fachin, a proteção constitucional aos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não depende da existência de um marco. “No caso das terras indígenas, a função econômica da terra se liga, visceralmente, à conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, mas não funciona como mercadoria para essas comunidades”, ressaltou em seu voto dia 9 de setembro.
Alexandre de Moraes votou dia 7 de junho contra o Marco Temporal, mas defendeu o ressarcimento dos proprietários afetados pelas demarcações. “Não há um modelo global de reparação aos povos originários pela ocupação de suas terras pelas nações colonizadoras, e essa é uma das questões históricas mais difíceis a serem enfrentadas no Brasil e no resto do mundo. “É uma questão que vem afetando a paz social por séculos”, observou.
Apesar de formar maioria contra a tese, o STF ainda tentará um consenso sobre as indenizações e o tema deve voltar à pauta.
PT fez defesa enfática dos direitos dos povos originários
“O PT, sob a liderança de Lula, mantém seu compromisso inabalável de lutar pelos direitos das populações originárias e pela preservação ambiental. O respeito aos povos indígenas e a conservação de nossos recursos naturais são fundamentais para um futuro mais justo e sustentável”, escreveu em seu Instagram o deputado federal Vicentinho (PT-SP).
Em resolução divulgada no final de agosto, o Diretório Nacional do PT pediu que o STF reafirmasse os direitos dos povos indígenas, como ocorreu em decisões anteriores. “Esta expectativa de uma atuação em defesa da civilização é reforçada por recentes decisões e avanços do STF neste sentido”, diz a resolução.
Contrária ao Marco Temporal e a favor da demarcação das terras indígenas, a bancada do PT votou contra a tese na Câmara dos Deputados. Dia 31/05/23, a Secretaria de Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT (Smad) divulgou nota lamentando do texto base do projeto de lei na Cãmara pela demarcação de terras indígenas ocupadas até a promulgação da Constituição Federal de 1988.
“A Smad é contra esse retrocesso e fará campanha para que no Senado possamos conter essa barbárie. As terras indígenas são ocupadas muito além da Constituição de 1988 e temos que entender que as terras indígenas são fundamentais para a conservação da biodiversidade brasileira”, disse a nota.
No final de abril o presidente Lula assinou a demarcação de seis Terras Indígenas (TI) e anunciou a liberação de 12,3 milhões para a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para ajudar as comunidades Yanomami.
O Marco Temporal é uma tese jurídica construída jurisprudencialmente no julgamento do caso Raposa Serra do Sol pelo STF em 2009. O tema de fundo foi a reintegração de posse requerida pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma) de área que é parte da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, ocupada pelos indígenas Xokleng e disputada por agricultores, localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC).
Segundo a BBC, a tese vinha sendo adotada desde a gestão Michel Temer que paralisou novas demarcações já que grande parte dos processos pendentes trata de casos em que as comunidades dizem ter sido expulsas dos territórios antes de 1988. Bolsonaro e seus aliados ruralistas defenderam a validação do conceito pelo STF.