Quando Jair Bolsonaro (PSL) completou 100 dias como presidente da República, os números já eram alarmantes: cortes em direitos sociais e trabalhistas, falta de políticas claras de geração de emprego e renda, fim de programas antes considerados prioritários e incontáveis crises.
Agora, quando encerra o seu décimo mês à frente do cargo máximo da nação, a gestão de extrema-direita sugere futuro ainda pior diante de uma trajetória deplorável até aqui. A tragédia é tão grande que qualquer um que se disponha a enumerar os problemas nestes primeiros 10 meses deve, via de regra, delimitar a análise e ainda assim abrir mão de muitos erros cometidos desde, literalmente, o dia 1º de janeiro.
Nesta lista que segue, o recorte leva em conta “apenas” os escândalos que envolvem não só o presidente como sua equipe e família. Aos que têm conseguido ânimo para acompanhar em tempo real os desdobramentos políticos do país, pode parecer pouco. Aos olhos da história, no entanto, este governo (só pelo que você verá abaixo) já pode, sim, ser considerado um completo fracasso.
1. O ministério dos criminosos e investigados
Sem apresentar uma proposta sequer e ausente de todos os debates, Jair Bolsonaro construiu sua candidatura à Presidência à base de notícias falsas e promessas que, antes mesmo de assumir o cargo, já começam a ser descumpridas. A principal delas era o combate à corrupção, conforme destacou reportagem da revista Carta Capital.
Sem dar a mínima para os seus próprios eleitores, o militar não só ampliou o número de ministérios prometidos como formou um time repleto de nomes com problemas na Justiça. Ao menos nove dos futuros ministros anunciados até agora são investigados ou réus em ações judiciais. A lista vai do caixa 2 confesso por Onyx Lorenzoni (DEM) ao calote no INSS do desconhecido deputado Marcelo Álvaro (PSL), que veio a ser seu ministro do Turismo.
2. A rachadinha e os funcionários fantasmas
Embora tenha acontecido antes de assumir o cargo como presidente, a revelação de que Jair Bolsonaro manteve funcionários fantasmas em seu gabinete enquanto era deputado federal só veio à tona em abril deste ano. Bárbara de Oliveira Ferraz, Denise Marques Felix, Patrícia Cristina Faustino de Paula, Dulcineia Pimenta Peixoto e Mirian Melo Lessa Glycério de Castro recebiam entre R$ 1.023 e R$ 4.188 para assessorá-lo como parlamentar. O problema é que nenhuma delas apareceu uma única vez para trabalhar – as cinco secretárias sequer tinham crachá, item obrigatório para entrar no Congresso.
As funcionárias fantasmas, denunciadas em reportagem publicada pela Agência Pública nesta segunda (29), engordam a lista de casos que contrariam todo o discurso de combate à corrupção que Jair usou durante a campanha eleitoral, marcada ainda pelo escândalos das fakes news.
3. As declarações machistas, misóginas, racistas…
Quem ainda se lembra do bizarro caso do “Golden Shower” hoje avalia a declaração do presidente durante como um prenúncio das aberrações que viriam em seguida. Aliás, foram tantas as declarações racistas, machistas, misóginas, preconceituosas e desinformadas que fica até difícil de listar.
Teve dia em que, logo no café da manhã, Bolsonaro declarou a jornalistas de veículos estrangeiros que no Brasil “passa-se mal, não come bem. Agora passar fome, não”. Teve também ataque ao Nordeste (algo que sempre fez como parlamentar): no dia 19 de julho, ao criticar os governadores da região, usou a expressão “paraíba” – termo ultrajante usado em tom pejorativo para desqualificar os nordestinos.
No mesmo mês, voltou a evocar a memória da ditadura militar numa provocação ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Bolsonaro disse saber detalhes sobre a forma como Fernando Santa Cruz, pai de Felipe, morreu. O atestado de óbito, contudo, diz que Santa Cruz foi morto por agentes da ditadura.
Também teve desdém às políticas ambientais (“questão ambiental só importa aos veganos que comem só vegetais”) e o ataque medonho, infantil, misógino à primeira-dama francesa Brigitte Macron.
4. As candidaturas laranjas
Entre os nove ministros com problemas na Justiça, o do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi o que viu o cerco se fechar de maneira mais aguda. Ele foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais no âmbito do inquérito da Operação Sufrágio Ostentação, que investiga um suposto esquema de desvio de recursos por meio de candidaturas femininas laranjas do PSL de Minas Gerais nas eleições de 2018 – com suspeitas de que ao menos parte da verba tenha sido usada para impulsionar a campanha presidencial de Bolsonaro.
Os investigadores atribuem ao ministro, que foi eleito deputado federal como o mais votado em Minas, a articulação do esquema. O Ministério Público Eleitoral de Minas Gerais o denunciou por três crimes envolvendo candidaturas laranja do partido em 2018 – falsidade ideológica, apropriação indébita eleitoral, pela qual o candidato se apropria de recursos destinados ao financiamento eleitoral, e associação criminosa.
5. A cocaína no avião da Presidência
Com imagem internacional já em completa falência, isso ainda no mês de julho, mais uma bomba atingiu em cheio o governo federal quando um militar da Aeronáutica foi preso por porte de drogas em uma aeronave militar no aeroporto da cidade espanhola de Sevilha, onde o presidente Jair Bolsonaro faria escala na viagem rumo ao Japão . O militar era tripulante do voo que transportava a equipe avançada do presidente da República.
Embora não haja qualquer indício de envolvimento de Jair com o caso, a família do mandatário da nação tratou de reavivar a história com mais, digamos, problemas: o acusado de tráfico, sargento Manoel Silva Rodrigues, entrou com processo em setembro contra o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL)por ter sido impedido de se defender até o momento.
6. O desmoronamento do PSL
A pecha de “partido salvador da pátria” durou pouco e o PSL, como se sabe, já é o partido mais odiado do país. Isso porque o descontrolado presidente tratou de explodir a própria legenda internamente a partir de uma declaração surreal a um apoiador: Jair disse ao dito-cujo para esquecer o PSL e que o presidente da sigla, o deputado Luciano Bivar (PE), “está queimado pra caramba”.
Em questão de horas o racha no PSL estava decretado e a briga ainda está muito longe de acabar. Com mudanças na liderança do partido e a troca de acusações públicas entre a família Bolsonaro e os apoiadores de Bivar gerou um dos capítulos mais nefastos da política brasileira recente.
7. Encontraram o Queiroz, mas nada aconteceu até agora
A recente divulgação de áudios de Fabrício Queiroz, ex-assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro e amigo há três décadas do presidente Jair Bolsonaro, fez ressurgir o escândalo que se arrasta desde 2018.
Queiroz passou a ser investigado depois que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou diversas transações suspeitas feitas por ele, uma delas envolvendo um cheque de R$ 24 mil depositado na conta da hoje primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Esses dados financeiros levaram à abertura de uma investigação pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que suspeita da existência de um esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. De lá para cá, o caso ganhou diversos desdobramentos: suspensão das investigações pelo STF, tentativa de blindar Flávio junto à Polícia Federal a mudanças na direção do Coaf.
Para um governo que se dizia contra corrupção, o caso só evidencia as incoerências no discurso da família Bolsonaro. Para piorar, o futuro da investigação sobre Queiroz – que ainda tem influência direta nas decisões políticas da família – depende de o Supremo Tribunal Federal decidir se informações do antigo Coaf podem ou não ser compartilhadas com órgãos de controle e de investigação sem autorização judicial.
8. Estudantes “idiotas”, Amazônia em chamas e o óleo no NE
O levante popular contra os cortes na Educação pública foi a maior manifestação contra o desgoverno de Jair Bolsonaro até agora. E, como não poderia deixar de ser, a mobilização de maio ganhou contornos ainda maiores quando o presidente chamou os estudantes de “idiotas úteis”. Isso bastou para que milhões de brasileiros e brasileiras saíssem às ruas para protestar contra a gestão retrógrada em curso.
Pouco tempo depois, em outubro, veio a crise da Amazônia – a mais “internacional” de todas até agora. Nem mesmo a insistência em tirar a própria responsabilidade pelo problema conseguiu evitar o estrago. O fato é que, dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram que, de janeiro a 22 de agosto de 2019, os satélites registraram o maior número de focos de queimadas no Brasil desde 2013. Se comparado com o mesmo período do ano passado, o aumento foi de 82%.
Mais recentemente, as manchas de óleo que chegaram em todo o litoral do Nordeste colocaram em xeque (pela enésima vez) a gestão bolsonarista – sobretudo seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Para variar, a cúpula bolsonarista tentou de tudo para se esquivar do problema acusando a Venezuela, os governos estaduais e até o Greenpeace. Infelizmente, o óleo ainda permanece nas praias e escancara o descaso federal com as questões ambientais.
9. A ligação ao caso Marielle
Quando o nome de Jair Bolsonaro surgiu nas investigações sobre a morte de Marielle Franco o mundo todo ficou em choque. De acordo com o Jornal Nacional, da TV Globo, o porteiro do condomínio de luxo do presidente no RJ afirmou, em depoimento à polícia, que um dos principais acusados de matar a vereadora, o ex-PM Elcio Queiroz, buscou a casa de Bolsonaro no dia do crime, em 14 de março de 2018.
Ainda que Jair de fato estivesse em Brasília e o MP do Rio de Janeiro tenha dito que a declaração do porteiro é falsa, há muitas pontas soltas a serem amarradas. A principal delas é o fato de a promotora Carmen Carvalho, membro da equipe que investiga a morte da vereadora, ter feito campanha pela eleição de Bolsonaro – ela pediu afastamento nesta sexta (1) após enorme pressão.
Outra questão é a suposta falha a da Promotoria ao não examinar a possibilidade de que os arquivos de áudio que tratam da entrada de visitantes no condomínio do presidente Jair Bolsonaro e de Lessa tenham sido alterados antes de enviados às autoridades.
O que se sabe é que a relação da família Bolsonaro com as milícias já vem de longa data, com direito a condecorações, fotos e homenagens em declarações públicas – inclusive em defesa de milicianos presos posteriormente.
10. O AI-5 e o criminoso ataque à democracia
Ao melhor estilo “cortina de fumaça”, dias depois de o pai ver seu nome envolvido ao caso Marielle, o deputado Eduardo Bolsonaro conseguiu desviar totalmente o foco ao defender medidas drásticas, como “um novo AI-5”, para conter uma eventual “radicalização” da esquerda, puxada por protestos contra o governo, a exemplo das manifestações ocorridas no Chile.
A menção ao Ato Institucional n.º 5, o mais duro conjunto de leis instituído pela ditadura militar, em 1968, causou forte reação nos três Poderes, além de – pela enésima vez – manchar a imagem do Brasil no exterior. A declaração criminosa repercutiu nos principais jornais do mundo e pode gerar a cassação do deputado radical.
Da Redação da Agência PT de Notícias