“O golpe vem em etapas. É um processo”, analisa a presidenta Dilma Rousseff cinco anos depois do impeachment fraudulento que a tirou da Presidência. “E o processo continua”, completa, apara alertar que a luta contra os golpistas permanece a mais importante para o futuro do Brasil. Afinal, a cada dia, mais riquezas nacionais são entregues aos interesses estrangeiros, mais direitos são perdidos, mais vidas são exterminadas. E mais gente passa fome.
A volta da fome é a mais cruel das consequências do golpe de 31 de agosto de 2016. Em 2014, ano em que Dilma foi reeleita, o Brasil realizava uma conquista civilizatória: saía do Mapa da Fome, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Um ano antes, o percentual de pessoas com segurança alimentar era o mais alto da história: 77,1%. Apenas dois anos mais tarde, o golpe revelaria sua verdadeira face, fazendo com que o índice caísse para 63,3%, uma situação pior que a observada no início do governo Lula (veja gráfico abaixo).
Esses números ressaltam algo que não pode ser perdido de vista: a fome que hoje assola milhões de brasileiros não é resultado apenas da pandemia de Covid-19, como gosta de dizer Jair Bolsonaro, o continuador do golpe de 16, após Michel Temer. Dois anos antes de o novo coronavírus se espalhar pelo planeta, o retrocesso já havia sido iniciado e era imenso.
O que a pandemia fez foi tornar ainda mais nefastos os efeitos de um governo desumano como o atual, que permitiu, em 2020, que as pessoas em insegurança alimentar representassem mais da metade da população. Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil, em dezembro passado, 116,8 milhões de brasileiros estavam nessa situação, sendo que, desses, 19,1 milhões estavam em insegurança alimentar grave, ou seja, com fome.
Porcentagem de pessoas em segurança e insegurança alimentar no Brasil:
A volta da fome, além de consequência do golpe, é também a mais clara evidência de que o processo iniciado em 2016 sempre teve como um de seus objetivos interromper o maior movimento de inclusão social já realizado no país, a partir de 2003. Nesse ano, ao tomar posse, o presidente Lula anunciou a meta de garantir a todos os brasileiros café da manhã, almoço e janta, todos os dias.
A elite econômica, no entanto, tinha outros planos. Não aceitava uma divisão mais igualitária dos recursos do país, ou como costuma dizer Lula, não aceitava “a inclusão do pobre no orçamento”. Menos de quatro meses depois de derrubar Dilma, os golpistas realizaram o primeiro ataque, aprovando o Teto de Gastos, que alterou a Constituição para limitar os investimentos em programas sociais, mas não os recursos que acabam na mão dos bancos e do sistema financeiro.
Com o orçamento sequestrado pelos mais ricos, iniciou-se o desmonte de todas as ações que haviam permitido a superação da fome. E eram muitas. O Bolsa Família, talvez o mais conhecido programa criado nos governos do PT, hoje copiado no mundo todo, foi um deles, mas ao mesmo tempo várias outras ações garantiam vida digna aos mais pobres: aumento sistemático e anual do salário mínimo (que subiu 74% nos governos Lula e Dilma); apoio ao pequeno e médio agricultor, garantindo a produção de alimentos em todas as regiões do país; reforço das merendas escolares; abertura de restaurantes populares; estímulo ao pré-natal e combate à desnutrição infantil; construção de cisternas para garantir água potável no campo; Luz Para Todos; Minha Casa Minha Vida…
Uma a um, todos esses programas foram sabotados, ora sendo extintos, ora tendo seus recursos drasticamente reduzidos. Como resultado, a pobreza voltou a crescer. Enquanto entre 2002 e 2015 a renda dos 20% mais pobres foi a que mais cresceu (84%), após o golpe a situação se inverteu. Entre 2015 e 2019, os 20% mais ricos foram os que mais tiveram aumento de renda no Brasil, enquanto os 20% mais pobres viram sua renda real cair mais de 10% (gráfico abaixo).
Variação percentual da renda real no Brasil antes e depois do golpe de 2016:
Como nos alerta Dilma, esse processo ainda não terminou. Com Jair Bolsonaro, as etapas seguintes previstas pelos golpistas foram implementadas: retirada de direitos trabalhistas, ataque à Previdência Social, venda de estatais cruciais para a soberania nacional, como a Petrobras e a Eletrobras. E o abandono do povo também prosseguiu.
A primeira medida de Bolsonaro ao assumir a Presidência foi extinguir o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Com isso, ele desorganizou as políticas de combate à fome, justamente às vésperas de o país ser varrido pela pandemia e pelo desemprego. Não satisfeito, agora cria um programa fake chamado Auxílio Brasil, com o qual tenta acabar de vez com o Bolsa Família, que sofreu sucessivos ataques desde o golpe de 2016.
No ano do impeachment, o Bolsa Família atendia 13,9 milhões de famílias e permitia manter 36 milhões de brasileiros fora da extrema pobreza. No ano seguinte, o governo de Michel Temer retirou do programa 1 milhão de beneficiários e dificultou a entrada de novas pessoas que teriam direito. Assim, atualmente, a situação atual é de 14,6 milhões de beneficiários e mais de 2 milhões na fila de espera.
Com o Auxílio Brasil, Bolsonaro destrói toda a rede de proteção criada em torno do Bolsa Família (leia mais aqui) e o reduz a um auxílio que ninguém garante que será mantido. Bolsonaro não criou um novo Bolsa Família, como gosta de dizer. Na verdade, acabou com o programa e, de quebra, reduzirá o número de brasileiros que recebem o auxílio emergencial, dos atuais 39 milhões para, no máximo, 16 milhões ou 17 milhões (o projeto de orçamento de 2022 indica um número ainda mais baixo). Não é de espantar, portanto, que a fome tenha voltado.
Da Redação