A ADI (ação direta de inconstitucionalidade) 7.385, proposta recentemente pela Advocacia-Geral da União no Supremo Tribunal Federal, não é uma tentativa de reestatização da Eletrobrás. Também não pretende a declaração de inconstitucionalidade de nenhum dispositivo legal relativo à desestatização da empresa.
O que se quer, de fato, é a preservação do patrimônio da União por meio do afastamento de uma interpretação equivocada da previsão contida no art. 3º, III, “a” e “b” da lei 14.182/2021 (Lei de Desestatização da Eletrobrás). Essa compreensão quer a aplicabilidade imediata da vedação do exercício, por qualquer acionista ou grupo de acionistas, de votos em número superior a 10% do capital votante da empresa.
Embora limitações desse porte sejam prática ordinária no mercado de companhias abertas, no caso da Eletrobrás o mecanismo atingiu apenas os direitos políticos da União, detidos antes de iniciado o processo de desestatização. E a limitação foi imposta sem que nenhuma forma de indenização fosse concedida à União pela perda de controle ou mesmo pela limitação de seus direitos políticos na empresa.
Nessas condições, a restrição não foi capaz de promover a finalidade pretendida com a desestatização: impedir a tomada do controle da empresa por determinado grupo. Em verdade, a incidência da regra fez apenas uma imitação de uma “true corporation” com benefício explícito de acionistas minoritários que têm exercido, de fato, o controle da companhia, com o isolamento das posições da União nas últimas assembleias realizadas.
O benefício, como mencionado, ocorre exclusivamente em favor de acionistas que, embora minoritários, detêm posições relevantes que os levam a manter o controle efetivo da companhia. Controle que, aliás, é financiado pelo investimento público ainda existente na empresa, hoje em torno de 43% do capital social. Ou seja, a União detém capital expressivo investido, mas é impedida, por manobras de minoritários, de manifestar sua posição nas deliberações da Eletrobrás.
A ADI denuncia o mecanismo perverso criado por essa forma de interpretação da lei. Não há incentivo para que minoritários —controladores de fato— promovam novas rodadas de vendas de ações ordinárias que seriam capazes de diluir a posição hoje preponderante da União no capital social. A contingência de um arremedo de “corporation” favorece prontamente esses minoritários.
Ao denunciar tais circunstâncias, a ação proposta apresenta solução razoável ao impasse. Uma compreensão prospectiva da limitação do direito de voto, a ser aplicada a partir da efetiva diluição do capital social investido pelos contribuintes brasileiros na companhia, mediante novos investimentos privados. É apenas isso o que de fato se quer por meio da ADI ajuizada.
A ação não representa embaraço ao processo de desestatização. Trata-se de aprimoramento da modelagem e de mecanismo que permite a conclusão efetiva do processo de privatização, eliminando subsídios cruzados.
Por fim, é preciso afastar ideias preconcebidas que impedem o debate público sobre propostas de grande impacto e interesse sociais, especialmente aquelas suscitadas por quem tem a legitimidade das urnas.
Jorge Messias é Advogado-geral da União
Publicado na Folha de S. Paulo