A tirania do governo de Bolsonaro em seguir com a asfixia de recursos para a ciência e tecnologia vai prejudicar pelo menos 52 projetos em curso no país. Com o bloqueio de 44% de verba do maior fundo de financiamento da Ciência no Brasil, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), estudos sobre áreas estratégicas e sobre a Amazônia, por exemplo, podem não ser concluídos até o fim do ano.
Conforme nota da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em maio, o governo federal oficializou um bloqueio de R$ 1,8 bilhão no orçamento da Ciência, Tecnologia e Inovação. Pouco tempo depois, anunciou que esse valor subiria para R$ 2,5 bi, o que deve ser decretado em julho.
“O corte em si é ultrajante e coloca em risco todo o sistema de pesquisa científica e tecnológica do País. Mas além disso, revela que a ciência se tornou alvo preferencial do governo federal, impondo ao setor uma restrição orçamentária sem paralelo no Poder Executivo. De acordo com os dados divulgados pela equipe econômica, todas as pastas afetadas pelo bloqueio tiveram seus cortes orçamentários reduzidos, transferindo a carga para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação”, diz a nota.
Para o deputado federal e integrante da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, Nilto Tatto (PT-SP), o novo ataque à ciência e tecnologia é um desastre, mas haverá resistência e debate por parte da comissão.
“Esse bloqueio afeta muitos dos projetos que são fundamentais para enfrentarmos a crise climática e o desafio de gerar emprego, combater a fome e a miséria que o país enfrenta. Vamos resistir”, enfatiza.
Ouça, na íntegra, o deputado Tatto:
Segundo a SBPC, fundos setoriais, que compõe o FNDCT, como o CT-Mineral, o CT-Transportes, CT-Biotecnologia, CTInfo, CT-Amazônia e CT-Aquaviário podem ficar completamente sem verbas, impedindo a realização de qualquer projeto de pesquisa e desenvolvimento nestas áreas no segundo semestre de 2022.
O Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) aponta que pelo menos 52 projetos serão altamente prejudicados com esses bloqueios: Programas Ciência no Mar e Ciência Antártica, além de pesquisas em bioinformática; mitigação de mudanças climáticas; nutrição e defensivos agrícolas sustentáveis; Covid-19; hidrogênio verde; e até em nióbio, mineral que tem toda a atenção do presidente Bolsonaro.
Estrangulamento
Na avaliação de especialistas, outras fontes de financiamento têm sido estranguladas pelo governo federal. Um levantamento do Confies mostra que tem ganhado corpo entre as fundações o interesse em fundos patrimoniais. Criada no Brasil em 2016, essa é uma modalidade muito difundida nos EUA e consiste no recebimento de doações em que apenas o rendimento é utilizado para financiar projetos de pesquisa.
Nesse modelo, uma fundação ou associação civil faz o papel de recepcionar os recursos doados, gerir com regras caprichadas e aportar por convênio na universidade apoiada. E o doador tem a possibilidade de apontar como ele deve ser utilizado”, afirma Fernando Peregrino, presidente do Confies.
Até agora já foram criados 10 fundos patrimoniais no país, de acordo com a pesquisa do Confies. Além disso, 76% de 50 fundações ouvidas pelo levantamento já iniciaram o processo para criar os seus. No entanto, a falta de incentivos fiscais dificulta a arrecadação. Por isso, na avaliação do estudo, somente 5% dos fundos receberam doação de recursos privados.
“O governo não dá o dinheiro e não deixa a gente captar. O cálculo que se faz é que o ganho é de seis vezes o valor que não foi arrecadado pelo incentivo fiscal”.
Uma pesquisa do Observatório do Conhecimento com a Frente Parlamentar Mista da Educação mostrou que os seguidos cortes, desde 2014, no orçamento na Ciência e Tecnologia já tiraram da área quase R$ 100 bilhões até este ano.
Petróleo e gás natural
Além dos bloqueios e das dificuldades de arrecadação em fundos patrimoniais, o setor luta para manter os recursos que as empresas de exploração e produção de petróleo e gás natural são obrigadas por lei a destinar a pesquisa de desenvolvimento e de inovação. Este ano, com o aumento no preço das commodities, esses recursos são da ordem de R$ 3 bilhões, segundo estimam fontes da comunidade científica.
Apagão científico
O apagão científico promovido por Bolsonaro desde que assumiu a presidência da República, em 2019, não tem fim. Em janeiro, apenas no Ministério da Educação, ao qual a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é vinculada, a diminuição do orçamento chegou a R$ 802,6 milhões. No Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, a tesourada foi de R$ 73 milhões.
O orçamento para projetos de pesquisa e desenvolvimento científico nacional por meio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) teve veto de R$ 859 mil. O órgão sofreu ainda o corte de R$ 8,6 milhões em programas voltados para formação, capacitação. No fomento às ações de graduação, pós-graduação, ensino, pesquisa e extensão, em âmbito nacional, o desinvestimento foi de R$ 4,2 milhões. A Fiocruz, instituição de pesquisa biomédica que foi fundamental para a imunização da população no cenário pandêmico, também foi afetada com a redução de R$ 11 milhões em seu orçamento.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que as gestões de Michel Temer e de Bolsonaro derrubaram o orçamento dedicado a ciência e tecnologia em 73,4% em relação à 2015.
Maiores orçamentos nos governos do PT
Os governos Lula e Dilma foram os que mais investiram em medidas institucionais e programas voltados ao fortalecimento da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) brasileiras e sua crescente integração à política de desenvolvimento.
Os investimentos nos fundos de apoio à pesquisa científica e tecnológica mais do que triplicaram: recursos direcionados para Cnpq, Capes e Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) passaram de R$ 4,5 bilhões em 2002 para R$ 13,97 bilhões em 2015. Também nesse ano, o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia foi de R$ 6,55 bilhões. No ano de 2021, com Bolsonaro, o investimento foi de míseros R$ 4,4 bilhões direcionados a fundos de apoio à pesquisa e R$ 2,73 bilhões para a pasta, quedas de 69% e 28,33%, respectivamente, em valores nominais.
Antes de ter seu fim decretado pelo governo golpista, o programa Ciência Sem Fronteira concedeu quase 104 mil bolsas no exterior , com investimento de R$ 13,2 bilhões desde 2011.
Em 2014, a presidenta Dilma Rousseff lançou o Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento, a fim de incentivar a pesquisa em 20 áreas, reunindo, em torno de cada plataforma, lideranças científicas para desenvolver produtos com apoio de empresas e lançá-los no mercado. Os desembolsos da Finep, a agência financeira para a área de desenvolvimento tecnológico e inovação, cresceram 66% no período 2007-2015, coerentemente com a prioridade dada às parcerias com empresas e instituições de pesquisa.
Da Redação, com informações de O Globo e Instituto Lula