Ao mesmo tempo em que destrói o orçamento dos investimentos sociais, o desgoverno Bolsonaro preserva os ganhos do rentismo, reservando trilhões para o serviço da dívida pública federal. Por decisão política, faz a balança pender para o lado do sistema financeiro e interdita as chances de recuperação econômica do país, afirma Marcio Pochmann, professor da Universidade Federal de Campinas (Unicamp).
“A economia nacional dispõe de enorme liquidez de capital estocada em plataformas de uma fictícia valorização financeira, internas e externas. Somente pendurado em títulos públicos, há cerca de R$ 7 trilhões, o que equivale a 80% do Produto Interno Bruto. Recursos que poderiam ser direcionados à atividade produtiva geradora de riqueza, emprego e renda”, afirma o diretor do Instituto Lula em artigo publicado nesta segunda-feira (11) no site Terapia Política.
“O problema no Brasil não é econômico. Existe capital disponível, pessoas em busca de trabalho, terras sem utilização e infraestrutura a construir. O problema central da nação é de natureza política”, prossegue o economista, lembrando que, em 2022, o Brasil deve completar nove anos sem crescimento econômico, “algo desconhecido em todo o período republicano”.
No mesmo dia em que o artigo começou a circular, Pochmann postou em seu perfil no Twitter um gráfico da organização Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) que retrata a execução orçamentária em 2021. A figura produzida pela entidade, em formato de pizza, aponta que os gastos com a dívida pública federal consumiram mais da metade (50,78%) dos R$ 3,861 trilhões executados no ano passado. O economista considera que esse modelo de gasto governamental “cancela o futuro da nação”.
“Em 2021, o governo federal gastou R$ 1,96 trilhão com juros e amortizações da dívida pública, o que representa um aumento de 42% em relação ao valor gasto em 2020, que por sua vez já tinha sido 33% superior a 2019. Portanto, nos últimos dois anos, os gastos financeiros com a dívida federal quase dobraram”, afirma texto da ACD que detalha o gráfico. “Apesar dos vultosos pagamentos, em 2021 a Dívida Pública Federal aumentou R$ 708 bilhões, tendo crescido de R$ 6,935 trilhões para R$ 7,643 trilhões.”
Independência afastou ainda mais o BC da população
Em entrevista ao Portal do PT, Pochmann diz que a tecnocracia à frente da política monetária no Brasil se mantém consistente com a visão ortodoxa de como funciona a moeda numa sociedade. “A independência do Banco Central (BC) retirou seus compromissos mais diretos com a vontade popular”, avalia o economista. “Tornou-se a gestão da moeda, da dívida, muito mais associada aos interesses de poucos, que se consideram donos do Brasil”. E com isso, a autoridade monetária deixou de ser “uma instituição que, além de defender a moeda nacional, deveria estar compenetrada com o nível de atividade econômica e com o emprego”, conclui.
Pochmann afirma que a reforma administrativa conduzida pelo desgoverno Bolsonaro concentrou um poder “inimaginável” numa pessoa – o ministro da Economia, Paulo Guedes. “O Brasil perdeu sua capacidade de planejar, de olhar o horizonte de longo prazo e está prisioneiro da gestão das emergências”, critica.
“A forma como vem sendo conduzido o sistema orçamentário no país fez ressurgirem características que se imaginava vinculadas ao passado, como mandonismo, clientelismo e coronelismo”, prossegue Pochmann.
“Parte importante das vagas na administração pública federal estão sendo preenchidas por interesse de quem manda”, descreve o diretor do Instituto Lula. “Ao mesmo tempo, a desconstrução de políticas públicas faz com que o critério orçamentário seja conduzido pela formação de clientelas, descontinuando políticas de Estado e adotando critérios vinculados diretamente à obtenção de voto, em termos eleitorais.”
Por fim, diz Pochmann, está “o coronelismo relacionado a figuras do parlamento brasileiro que conduzem essas chamadas emendas impositivas, até mesmo orçamento secreto, retirando de certa forma o interesse público e o papel da República de ser transparente, para que aqueles que geram o orçamento, os contribuintes, possam de fato acompanhar e saber o que é feito com os recursos públicos”.
A solução, aponta o economista, será a completa reestruturação do Governo Federal, com base no reconhecimento de que a política é que determina o rumo da economia, e não o contrário. Ao mesmo tempo, as atuais dificuldades impostas pela pandemia e, agora, pelo conflito no leste europeu, se fragilizaram as cadeias globais de valor e criaram dificuldades de atender oferta e demanda, proporcionaram a oportunidade de, nesse quadro internacional desfavorável, o Brasil construir uma politica própria de desenvolvimento da indústria, substituindo o produto importado pelo nacional.
“Isso é o que gera emprego, renda e permite o avanço tecnológico”, aponta Pochmann, lembrando que “não há experiência histórica internacional de país que tenha se desenvolvido sem uma base industrial consistente”.
Sistema da dívida transfere renda dos mais pobres para os mais ricos
Em live promovida no canal da Auditoria Cidadã da Dívida no Youtube para apresentar o gráfico compartilhado por Márcio Pochmann, a coordenadora nacional da entidade, Maria Luiza Fattorelli, ao lado do economista Rodrigo Ávila, explicou como o serviço da dívida se tornou o maior gasto público do Governo Federal, beneficiando principalmente bancos e grandes rentistas.
“O Tribunal de Contas da União já declarou, em audiência pública no Senado, que a dívida interna federal não tem contrapartida em investimentos”, afirmou a economista. “Se a dívida não tem servido para investimentos, para quem tem servido? E quem paga a conta?”
“Quem paga a conta é o trabalhador, que nasceu em um dos países mais ricos do planeta e está aí vivendo essa escassez”, prosseguiu Fattorelli. “Paga através de um modelo tributário injusto, onde os mais pobres e a classe trabalhadora pagam mais. Paga com a subtração de direitos – quantas contrarreformas nós temos tido para reduzir direitos da sociedade? E paga com a perda de patrimônio público em privatizações levianas.”
Os recursos públicos não são empregados em investimentos porque estes foram congelados por 20 anos pela emenda constitucional 95, de Michel Temer. A medida, adotada a partir de 2017, impôs um teto de gastos para despesas com direitos sociais constitucionais representados nas funções finalísticas de políticas públicas de saúde e educação e nos elementos de despesas como pessoal e custeio da máquina. Mas os juros da dívida, também considerados gastos correntes, foram poupados desse corte.
Fattorelli, que há mais de 20 anos comanda a entidade, defende que a explosão do crescimento da Dívida Pública Federal em 2021 foi causada por quatro elementos: juros elevados, emissão excessiva de títulos da dívida pública federal, a ação de mecanismos do sistema da dívida pública e a “falácia da rolagem da dívida”.
“Quando o governo toma um empréstimo, ele está fazendo uma opção política sobre o que fazer com o dinheiro: investir na sociedade ou pagar uma dívida repleta de ilegitimidades, que jamais foi auditada com a participação da sociedade”, afirma documento da ACD assinado por Maria Lucia Fattorelli e Rodrigo Ávila.
“A centralidade da dívida pública é inegável, pois essa dívida está por trás de todas as contrarreformas, teto e corte de gastos, insanas privatizações, funcionando como um dos principais pilares do modelo econômico produtor de escassez em nosso rico Brasil”, conclui o relatório da entidade.
Da Redação