Após inflação, juros chegam a dois dígitos e comprometem produção

Oitava alta seguida da Selic faz Brasil retomar a maior taxa de juros reais do mundo. “BC mostra compromisso com capital financeiro e não com povo”, diz Paulo Teixeira

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BC independente dá veneno para curar doença

Quase um ano após a sanção da Lei Complementar 179/2021 (autonomia do Banco Central), a única coisa que a autoridade monetária fez foi elevar a taxa básica de juros. Nesta quarta-feira (2), o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC aumentou a Selic pela oitava vez seguida, em 1,5 ponto percentual. A taxa alcançou a casa dos dois dígitos (10,75%), o que não ocorria desde julho de 2017, quando era de 10,25% ao ano.

A decisão do Copom, unânime, devolve o Brasil ao topo do ranking de países com a maior taxa mundial de juros reais, compilado pelo MoneYou e pela Infinity Asset Management. O país havia perdido a liderança para a Turquia em dezembro do ano passado. A nova Selic fez os juros reais (descontada a inflação) atingirem 6,41% ao ano.

A sequência de altas se iniciou em março de 2021, quando a Selic estava em 2%. Segundo o relatório Focus do Banco Central “independente”, analistas do mercado financeiro preveem que a taxa chegue a 11,75% ao ano em março, para conter a inflação descontrolada. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2021 em 10,06%, maior índice desde 2015, após sete altas consecutivas da Selic.

“A inflação ao consumidor seguiu surpreendendo negativamente”, afirmou o Copom em comunicado divulgado após a reunião. O Comitê do BC acredita que a taxa básica pode chegar a 12% neste semestre, em um esforço para manter o “ciclo de aperto monetário”. Mas ponderou que tende a elevar a taxa mais suavemente daqui para frente. A previsão pode mudar se até a próxima reunião, em 16 e 17 de março, a inflação escalar para além do esperado.

Neste ano, a meta de inflação é de 3,50% e, pela regra vigente, será considerada oficialmente cumprida se o índice oscilar de 2% a 5%. As projeções do mercado financeiro, por enquanto, estão em torno de 5,5%, acima do teto da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 5%.

“Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação”, continua o Copom na nota. “No cenário externo, o ambiente segue menos favorável.”

“A maior persistência inflacionária aumenta o risco de um aperto monetário mais célere nos EUA, tornando as condições financeiras mais desafiadoras para economias emergentes”, enumera o documento. “Além disso, a nova onda da Covid-19 adiciona incerteza quanto ao ritmo da atividade, ao mesmo tempo que pode postergar a normalização das cadeias globais de produção.”

Bohn Gass: “Governo é um desastre!”

“Usura: Banco Central aumenta os juros em 1,5 %. Com o desemprego alto, precisando de instrumentos de incentivo ao crescimento, o BC mostra o compromisso com o capital financeiro e não com o povo”, criticou o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) em postagem em seu perfil no Twitter.

“Taxa de juros acima de 10. Inflação acima de 10. Desemprego (bem) acima de 10. Gasolina a quase 10. Esse governo é um desastre!”, respondeu o colega de bancada Bohn Gass (PT-RS) na mesma rede social.

Além de não conter a inflação, a Selic mais alta resulta em empréstimos bancários mais caros – em 2021, no rastro dos seguidos reajustes da taxa básica, o juro bancário sofreu o maior aumento em seis anos. Encarecendo o crédito, é imediato o impacto negativo sobre o consumo da população, os investimentos produtivos e a atividade econômica.

Outro problema são as despesas maiores com os juros da dívida pública. O crescimento da Selic em um ponto percentual gera aumento R$ 30,8 bilhões na dívida bruta e de R$ 31,9 bilhões na dívida líquida.

“Não podemos esquecer que esse movimento de alta da Selic prejudica a dívida e gera um grande problema para o país. Mas o papel do BC é controlar a inflação”, ponderou a chefe de Economia da Rico Investimentos, Rachel de Sá, ao Metrópoles. “Se a dívida está alta, isso não é culpa do BC, mas do governo. As políticas devem ser coordenadas”, concluiu a economista, cobrando a responsabilidade do ministro-banqueiro Paulo Guedes sobre a derrocada do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Desde janeiro do ano passado, três milhões de famílias deixaram de ter acesso ao financiamento imobiliário por conta do maior custo do crédito para compra do imóvel próprio. Os cálculos foram feitos pelo coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Alberto Ajzental, para o G1.

O professor estima que a cada variação de 2,5% da Selic, há o aumento de um ponto percentual no Custo Efetivo Total (CET) da contratação de um financiamento. E a cada um ponto de aumento do CET, um milhão de famílias perdem a condição financeira de comprar um imóvel.

Os dados não consideram a inflação e o desemprego, que causam uma corrosão ainda maior no poder de compra da população e também pesam negativamente para a demanda no setor. “Com os juros em dois dígitos, o mercado ficará menor, terá menos demanda. O imóvel vai se tornar um produto menos acessível, se comparado com o início de 2021”, conclui Ajzental.

Para os bancos, o aumento da Selic já estava “precificado”. Os cinco principais (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander e Caixa Econômica Federal) promoveram ajustes tarifários em suas linhas de financiamento imobiliário no fim do ano. E já anunciaram que novos reajustes serão adotados, caso prossiga a alta da Selic.

Setor produtivo reclama do aumento

A elevação da taxa Selic continuará a encarecer o crédito e as prestações, projeta a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). A entidade estima que o juro médio para pessoa física passa de 110,17% para 113,03% ao ano. Para pessoa jurídica, a taxa média sai de 50,93% para 53,05% ao ano.

As entidades da indústria avaliam que o retorno dos juros a dois dígitos não combate corretamente as causas da inflação e prejudica a recuperação econômica, após a pior fase da pandemia de covid-19. Em nota, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) chamou de excessiva e equivocada a alta da Selic.

Isso inibe a atividade econômica e deve continuar a desacelerar a inflação nos próximos meses. Essa intensificação do ritmo de aperto da política monetária aumenta o risco de recessão em 2022, com efeitos negativos sobre a produção, o consumo e o emprego”, destacou no comunicado o presidente da CNI, Robson de Andrade, alertando que indicadores preliminares mostram estagnação da atividade econômica.

“O novo patamar da Selic incomoda, e muito, já que a inflação que visa combater não apresenta um perfil condizente para um tratamento exclusivo via aumento dos juros”, criticou a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “A expansão da renda e a geração de empregos de qualidade são características da indústria de transformação, com impactos positivos generalizados, do agronegócio aos serviços. Por isso, a Fiesp afirma: é preciso pensar para além do Copom.”

Ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes afirmou que, para evitar um novo constrangimento de ter que redigir carta pública explicando o descumprimento da meta pelo segundo ano seguido, “é bem razoável, devido à pandemia, que o banco proponha uma mudança na meta atual”. “O BC vai continuar subindo a Selic, mas não pode deixá-la chegar a 12%, porque estará contratando uma recessão com os juros nesse patamar”, alertou.

Em 2019, quando tramitou no Congresso o Projeto de Lei Complementar (PLP) 19, que previa a autonomia do BC, a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), organização formada por associações como a dos Juízes Federais e dos Procuradores da Fazenda Nacional, alertou que a medida iria aprofundar a entrega das riquezas do país às instituições financeiras, que se acelerou a partir de Michel Temer e chega ao pico com Jair Bolsonaro.

“Tornar o Banco Central ‘autônomo’, imune à interferência de qualquer ministério ou órgão público, amplia e torna definitiva a captura da política monetária do país pelo setor financeiro privado, colocando em grave risco a soberania financeira e monetária do país, com sérios danos às finanças públicas, à economia e a toda a sociedade”, afirmou na ocasião Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da entidade.

Da Redação

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