Acima dos dois dígitos desde setembro de 2021, a inflação descontrolada de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes multiplica prejuízos por toda economia. Empobrecidos e endividados, consumidores reduzem compras a artigos de primeira necessidade e evitam “luxos” como pedir refeições prontas via aplicativos.
O hábito de utilizar os serviços de entrega de refeições, que se multiplicou no auge do isolamento pela pandemia, agora encolhe. Uma pesquisa do Google Trends divulgada pelo jornal Valor Econômico aponta queda de 45% nas buscas pela palavra “delivery” de janeiro a junho, em relação ao mesmo período de 2020, no início da pandemia.
Outra pesquisa do Google, feita em março, revela que 21,8% dos brasileiros reduziram a frequência de pedidos de entrega de comida ou bebida em relação a fevereiro. Outros 29,2% diminuíram as visitas a restaurantes e lanchonetes. A carestia dos alimentos está na origem dessa redução: levantamento do Procon demonstrou que comer fora de casa ficou até 27% mais caro nos últimos dois anos na cidade de São Paulo.
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Pressionadas, as operadoras de aplicativos reinventam seus serviços. Apps como iFood, Rappi e Aiqfome (do Magazine Luiza) ampliam ofertas e parceiros em categorias como supermercados e farmácias. Gás, água, produtos para animais de estimação e itens de mercadinhos de bairro entraram no cardápio do Aiqfome neste ano.
“Como a entrega de comida teve queda, apostamos em outras categorias essenciais que o cliente vai demandar de qualquer forma”, explica Igor Remigio, CEO do Aiqfome, ao Valor. Desde janeiro, a participação de outras categorias dobrou para 5%.
O Rappi ampliou parcerias com supermercados, farmácias, lojas e atacados. “Em 2021, quase triplicamos o número de parceiros na comparação com 2020”, afirma Luiz Tavares, diretor de supermercados e farmácias do Rappi Brasil. De janeiro a julho houve aumento de 167% no volume de parceiros que não são restaurantes em relação a 2020.
“A entrega de supermercados amplia o sortimento e dá acesso a muitas categorias, o que ajuda sustentar crescimento no longo prazo”, diz o vice-presidente de logística e restaurantes do iFood, Roberto Gandolfo. No mês passado, o volume de lojas ativas no app cresceu 54,1% em relação a julho de 2021.
Restaurantes não conseguem repassar a inflação na íntegra para os preços
Enquanto os apps buscam novas fontes de receita, restaurantes procuram reduzir a dependência das plataformas oferecendo entrega direta. Dos 1.689 estabelecimentos pesquisados em maio pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 29% tiveram prejuízo, 36% ficaram em equilíbrio e 35% geraram lucro. “A inflação pega todo mundo, do estabelecimento ao consumidor”, diz Paulo Solmucci, presidente da Abrasel.
Segundo ele, a inflação do setor está em torno de 16% nos últimos 12 meses, acima da inflação do país (IPCA/IBGE), quase em 12%. “Os estabelecimentos só conseguiram repassar 6,3% deste custo”, revela. Mas as taxas que os restaurantes precisam pagar às plataformas de “delivery” são repassadas no cardápio ou no serviço de entrega.
Solmucci diz que o “delivery” chegou a um momento de estabilidade. Após ter representado mais de 80% do faturamento de restaurantes e bares no auge do isolamento social, a fatia de participação caiu para 20%, o dobro do que tinha em 2019.
“Passado o foco em sobreviver, os restaurantes estão começando a entender as oportunidades e riscos dos apps, bem como a necessidade de formar uma clientela própria”, afirma o presidente da Abrasel.
Essa necessidade atraiu a empresa suíça Menu Technologies, que em maio abriu a subsidiária brasileira. A fornecedora de tecnologia para gestão integrada de diferentes plataformas de vendas de restaurantes quer ampliar os canais diretos de vendas para grandes redes de restaurantes no país, a começar por clientes globais como Burger King, Domino’s e Pizza Hut.
“A maior dependência das empresas de ‘delivery’ é uma grande dor do mercado, que se intensificou na pandemia”, diz Gabriela Conrado Alves, gerente global de contas da Menu Technologies. A empresa conversa com a Abrasel para adaptar seu sistema ao padrão aberto de programação Open Delivery para facilitar o uso de plataformas e apps de vendas.
Em junho, Rappi e Americanas Delivery anunciaram a adesão ao padrão Open Delivery. Segundo a Abrasel, coordenadora do projeto, mais de 200 empresas estão testando o padrão em operações de logística, pedidos, cardápios e conciliação de pagamentos.
Trabalhadores se viram com lanche “robusto”
“Antes da pandemia, o critério para um restaurante ser bem-sucedido era a localização, mas depois passou a ser a oferta em múltiplos canais”, afirma Ingrid Devisate, diretora do Instituto Food Service Brasil (IFB).
Uma pesquisa do IFB com 72 mil consumidores mostra que a fatia de fast-food cresceu de 24% para 25% no total de pedidos de “delivery” entre o primeiro trimestre de 2021 e os três primeiros meses deste ano. O volume de pedidos em sites diretos das redes cresceu de 15% para 17% no mesmo período.
Até porque os consumidores têm evitado as refeições completas, que ficaram 21% mais caras, e procurado petiscos (“snacks”), que estão “apenas” 11% mais caros. A frequência de refeições caiu 25%, enquanto a categoria “snacks” sofreu queda menor (9,8%).
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Outra pesquisa, da consultoria Kantar, revela que as refeições fora de casa caíram 25% na comparação entre o primeiro trimestre de 2022 e o mesmo período em 2020. Além disso, aumentou o consumo de lanches (3,9%) e caiu o consumo de refeições completas (-3,3%). O principal motivo é a alta generalizada dos preços da comida.
“O brasileiro sempre comeu lanche para economizar, só que agora está difícil para todo mundo”, diz no portal UOL Solange Maria, proprietária da barraca Bem Lanches, em frente ao shopping SP Market, na capital paulista. A maioria dos clientes dela são homens em busca de sanduíches robustos, para sustentar o dia inteiro.
Da Redação