Entre 11 e 12 mil famílias integram as fileiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no estado de São Paulo. Com base em alimentos saudáveis, diversificados e livres de agrotóxicos, assentados e acampados protagonizam uma linha de produção com leite, mandioca, grãos, mel, hortaliças e frutas, entre outros alimentos. Por este motivo, a Câmara Municipal de São Paulo concede ao movimento a mais alta honraria da Casa: a Salva de Prata. A entrega está marcada para esta sexta-feira (18), às 17h, em uma Sessão Solene no Plenário 1º de Maio do Palácio Anchieta.
“Quando se produz uma alimentação saudável, você trabalha com toda sua família e comunidade, mas vai além disso, fazendo esse debate também com a sociedade. E isso é uma forma de resistir no campo”, ressalta Joice Aparecida Lopes, dirigente do setor estadual de produção e assentada no município paulista de Promissão.
Presidenta da Cooperativa dos Produtores Campesinos (COPROCAM), Lopes integra o assentamento Dandara, que conta com 203 lotes destinados a famílias sem-terra. Ela argumenta que comer tem o sentido tanto de alimentar o corpo quanto a consciência, já que a agricultura camponesa não produz mercadoria, mas alimento, em sistemas cada vez mais complexos, sustentáveis e agroecológicos.
“Em alguns lugares está virando moda a questão de se vender um produto mais caro e, para nós, não é só vender a alimentação. É mostrar para a sociedade nosso trabalho, como a gente se organiza e, também, que produzir uma alimentação saudável não é difícil, muito menos impossível, mas de fácil acesso”, explica.
Lourival Plácido de Paula, do assentamento Cafeeira, no município de Castilho (SP), fala sobre as diferenças entre o modelo de produção camponês e o do agronegócio – este último baseado no monocultivo e no uso ostensivo de agrotóxicos. “Os assentamentos são um espaço de vida. É um espaço onde as pessoas se misturam com a terra, convivem com a natureza e, então por isso, o assentamento também começa a produzir cada vez mais vida”.
“Já o agronegócio só se preocupa com o lucro e, então, é uma produção em que a vida não tem importância nenhuma. É devastação, destruição e criação de desertos por conta da ignorância humana que só pensa no lucro em detrimento da vida e da natureza”, compara de Paula, que também integra o setor de produção estadual e a coordenação nacional do movimento.
Assentamentos em São Paulo
As regiões de Andradina e do Pontal do Paranapanema concentram a maior parte dos camponeses sem-terra no estado, com 5 mil e 4 mil famílias, respectivamente. Leite, grãos e hortaliças compõem o grosso da produção dentro das fronteiras paulistas.
Na Cooperativa dos Agricultores da Reforma Agrária de Andradina (COAPAR), o leite produzido pelos camponeses é beneficiado e transformado em manteiga, queijo, iogurte e leite em pó.
O assentamento Cafeeira fica a 14 quilômetros de Andradina, regional que conta com 4.700 famílias do MST. De Paula conta que ali se produzem 70 mil litros de leite todos os dias. Além disso, os camponeses também cultivam milho, feijão de corda, mandioca, abóbora, manga, abacaxi, urucum e quiabo.
O assentamento Dandara existe desde 2004, mas a área já havia sido ocupada pelos sem-terra sete anos antes, em 1997. Lá se cultiva alface, almeirão, espinafre, couve, repolho, cebola, cenoura, beterraba, berinjela, quiabo, jiló e tomate.
Mas não só, no Dandara também se produz temperos (como alecrim e manjericão), frutas (como acerola, tamarindo e mamão) e, agora, os assentados avançam no sentido da agroindústria, com mandioca e abóboras descascadas e embaladas à vácuo para comercialização.
Nesta quarta-feira (16) os alunos das duas escolas do assentamento aproveitaram a celebração do Dia Mundial da Alimentação e fizeram uma visita à COPROCAM, responsável por processar parte da produção local. Os alimentos são escoados para diversos municípios do estado e feiras da reforma agrária, além de alimentar os alunos das escolas Tietê e Central.
O assentamento Pirituba, na região de Itapeva, sudoeste do estado, é um dos mais antigos de São Paulo: foi ocupado em 1984, logo antes da criação do MST, ao qual se incorporaria um ano depois. Ali, as cerca de 400 famílias se dividem em seis agrovilas.
Diferentemente do modelo clássico de reforma agrária, que prevê a criação de lotes geométricos e separados entre si, as agrovilas permitem a proximidade das casas e o compartilhamento das tarefas na colheita. Dessa forma, a convivência entre os camponeses e a construção da infraestrutura necessária ao funcionamento do assentamento também fica mais fácil.
Além disso, no Pirituba funcionam três escolas rurais (do infantil ao ensino médio), três postos de saúde, uma estação de rádio e várias estruturas de beneficiamento de grãos. “Desde o início, nosso assentamento é bastante produtivo. Ele é historicamente conhecido pela produção de grãos: feijão, milho, trigo e, mais recentemente, soja”, conta Delwek Mateus, morador da agrovila nº 1 e também integrante da direção estadual do MST.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Delwek explica a organização do assentamento: “São três cooperativas distintas: a COPAVA, que é menor e desenvolve a produção coletiva da agrovila 3, beneficiando os grãos produzidos ali; a COAPRI, que é maior e abrange toda a região de Itapeva, incluindo agricultores familiares não-assentados; e, por último, a AgroVida, que estimula a produção orgânica e agroecológica de legumes, verduras e frutas”.
Transição agroecológica
Assim como no restante do país, em São Paulo o MST opera um modelo de transição agroecológica de produção, como conta de Paula. “Essa é uma realidade que vem crescendo nos assentamentos. Várias famílias optando pela produção agroecológica a partir de todo um debate que o MST vem fazendo no Brasil inteiro – e aqui na região não é diferente – em relação ao nosso modo de produção camponês, negando o pacote tecnológico do capital e optando por diversidade de alimentos e formas produtivas que levem em consideração o bem-estar dos camponeses e a produção de alimentos saudáveis para a sociedade brasileira”.
E é esse modelo de produção agroecológica o motivo para o MST receber mais um prêmio, desta vez na Câmara de Vereadores de São Paulo, como explica o vereador Jair Tatto (PT), autor da proposta que homenageia o movimento. “Sou de família caipira, eu e meus irmãos crescemos na roça, tirávamos nosso sustento da agricultura familiar, da produção orgânica, que é fruto do processo de reforma agrária em nosso país. Há razões para acreditarmos e estou grato por isso”, afirmou.
A honraria ao MST ocorre logo após o Dia Mundial da Alimentação, celebrado neste 16 de outubro, que também marca o aniversário de fundação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Com o slogan “Nossas ações representam o nosso futuro: dietas saudáveis para um mundo fome zero”, a campanha deste ano visa o fomento de políticas públicas em prol da alimentação mais diversificada e nutritiva.
Por Brasil de Fato