Seria o maior caso de perda de memória de um personagem da vida pública nacional se não fosse uma sucessão de contradições e mentiras. Assim foi o depoimento de José Ricardo Santana, ex-secretário-Executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) à CPI da Covid, nesta quinta-feira (26). Amigo de Roberto Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde envolvido em um esquema de corrupção na compra de vacinas, Santana foi apontado pela CPI como o operador de uma quadrilha que atuou para fraudar licitações na pasta e beneficiar a empresa Precisa em contratos para a venda de testes rápidos de Covid à pasta.
Após análise de mensagens obtidas a partir da quebra de sigilo de Santana, os senadores mapearam uma espécie de “caminho do crime” no Ministério da Saúde, inclusive com instruções de Santana para Dias garantir que a Precisa vencesse a licitação de testes rápidos. Além de Dias, a CPI identificou troca de mensagens entre Santana e Francisco Maximiano, diretor da Precisa. Ele também estava na comitiva que foi até a Índia em viagem bancada pela empresa para tratar de vacinas da Covaxin.
Santana saiu da Anvisa no dia 30 de março de 2020 para integrar a pasta a convite de Roberto Dias, chamado por ele em mensagens de ‘Bob’. Mas o próprio Dias informara à comissão que se lembrava do ex-servidor apenas de quando estava na agência. Santana, no entanto, afirmou que trabalhou no ministério sem nomeação ou salário, mesmo após perder vencimentos de mais de R$ 30 mil mensais na Anvisa.
Em um das poucas respostas que deu à comissão, ele apenas informou que saiu da agência por conta própria. Ao que indica, o ex-gestor deixou a Anvisa mas a agência não o deixou: ele foi identificado como secretário da Anvisa em registro na portaria do Ministério da Saúde dois meses depois de sua saída, como lembrou a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Lobby e happy hour
Para os senadores, Santana apostou em uma carreira como lobista após vislubrar um cenário de grandes oportunidades de lucro fácil no Ministério da Saúde.
Santana estava no famoso happy hour em Brasília, em fevereiro, no qual Dias teria pedido ao cabo Dominguetti uma propina de U$ 1 por dose de vacina na famigerada oferta de 400 milhões de doses feita pela Davati, outra empresa atravessadora que atuava na pasta. Para blindar Dias, Santana negou ter ouvido o pedido de propina.
Também presente no encontro, o coronel Marcelo Blanco aparece em trocas de mensagens com Santana, ainda em junho de 2020. Em uma delas, os dois falam sobre uma reunião com um senador no Ministério da Saúde. “Quem é esse senador”, questionou o senador Humberto Costa (PT-PE).
Pelas mentiras, e o silêncio amparado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Santana passou da condição de testemunha para investigado pela CPI.
Da Redação