Na CPI, coronel reforça suspeita de quadrilha agindo dentro da Saúde

Marcelo Blanco não convence ao dizer que tratou de vacina ao setor privado. “Essa operação foi uma tentativa grotesca de dar um golpe na administração pública”, denunciou o senador Rogério Carvalho (PT-SE)

O tumultuado depoimento do ex-assessor do Ministério da Saúde Marcelo Blanco à CPI da Covid, nesta quarta-feira (4), reforçou as suspeitas dos senadores de que o Ministério da Saúde foi transformado em um balcão de negociatas e golpes, enquanto milhares de brasileiros morriam por falta de vacinas. Blanco é um dos personagens centrais da operação para uma suposta aquisição de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, que seriam compradas pelo governo da empresa Davati Medical Supply. Foi Blanco quem apresentou o cabo da PM Luiz Dominguetti, representante da empresa, ao ex-coordenador de Logística da pasta, Roberto Dias, em um happy hour em Brasília no dia 24 de fevereiro.

Blanco não convenceu os parlamentares de que tratava com Dominguetti de vacinas ao setor privado. Ele disse que “prospectou”, na figura de Dominguetti, uma oportunidade comercial. À época, a comercialização de vacinas ao setor privado nem estava em debate no Congresso Nacional. Não havia, portanto, autorização para vendas. Apesar disso, ele ligou 64 vezes para o cabo da PM.

O coronel, que era subornado de Dias, foi exonerado da pasta em janeiro e decidiu abrir uma empresa para oferecer educação financeira, às vésperas do encontro entre os três. Curiosamente, a empresa de Blanco não tratava de vacinas. Mas, em março, após o encontro, a nova empresa passou a incluir atividades ligadas ao mercado de saúde.

O senador Humberto Costa (PT-PE) questionou a participação do militar nas negociações com Dominguetti e com Roberto Dias, apesar de já não fazer mais parte do corpo técnico do Ministério da Saúde. Blanco alegou que só apresentou o cabo da PM a Dias para que os dois tratassem da venda dos imunizantes ao Ministério da Saúde, sem a participação dele.

“Vossa Senhoria não pode dizer que se limitou a abrir um contato para que fosse feita a reunião”, argumentou Costa. “São inúmeras ligações entre Vossa Senhoria e Dominguetti”, disse o senador, em referência aos diálogos obtidos a partir da quebra de sigilo do cabo da PM.

A atuação do militar na negociata foi duramente criticada pelo senador, para quem Blanco se equivocou ao participar de tratativas e “levar um lobista de última categoria para se encontrar com um agente público da relevância do diretor de Logística da Saúde”.

Ricardo Barros

O senador questionou o coronel se ele sabia o motivo pelo qual Dias foi o único gestor que não havia sido exonerado no início do ano. Ao ouvir que Blanco não sabia dizer, Costa afirmou: “eu acho que ele ficou [na pasta] por causa do senhor Ricardo Barros [líder do governo na Câmara]”. Barros foi acusado pelo deputado Ricardo Miranda de ser o operador do esquema de corrupção na Saúde.

Costa classificou a operação envolvendo a empresa Davati e o Ministério da Saúde como tragicômica. “Centenas de milhares de pessoas mortas e uma meia dúzia de oportunistas querendo se locupletar, de um lado e outro do balcão”, condenou o senador.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) acusou Blanco de agir na ilegalidade quanto à venda de vacinas privadas e de utilizar-se de informações privilegiadas para fazer negócios. “O senhor estava no governo, sabia do que ia acontecer e se preparou para tirar vantagem”, denunciou o senador. “Essa operação foi uma tentativa grotesca de dar um golpe na administração pública”, resumiu Carvalho.

Conflito de depoimentos

O senador petista também apontou para os conflitos entre os depoimentos de Blanco e Roberto Dias, que relatou à CPI que Blanco chegou por acaso ao restaurante em Brasília, no dia do happy hour com Dominguetti. “Quando, na verdade, foi o senhor quem levou Dominguetti ao restaurante”, lembrou Carvalho.

Carvalho chamou a atenção para o clima de intimidade mostrado nas mensagens entre os três. “Os documentos mostram que houve, sim, uma tentativa de corrupção com a intermediação na compra de vacinas”.

Blanco também apresentou áudios de diálogos que manteve com Dominguetti. Os senadores perceberam, no entanto, que parte das conversas foi retirada pela defesa do coronel. 

Associação militar

Ao comentar a coincidência de Blanco ter mudado a natureza de sua empresa após a entrada em vigor da Lei 14.125, no dia 10 de março, que permite a aquisição de vacinas pelo setor privado, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) demonstrou indignação com a quantidade de militares envolvidos nas negociações no âmbito do Ministério da Saúde.

“Isso me constrange e me indigna. Estamos falando aqui de um encontro tido como casual, que serviu para tratar  da compra de vacinas, envolvendo personagens recorrentes”. E citou a participação de dez militares, entre eles: Cabo Dominguetti, Sargento Roberto Dias, coronel Blanco, coronel Pires, coronel Odilon, coronel Helcio, major Randerson, general Pazuello e seu assessor direto na pasta da Saúde, Élcio Franco. 

Tebet ressaltou que a empreitada de Blanco, mais do que uma empresa da iniciativa privada, “parece uma associação militar com fins lucrativos”.  Segundo a senadora, é sempre bom lembrar que “somos aquilo que representamos. Vê-lo aí é motivo de indignação”, desabafou a senadora, para quem as Forças Armadas são uma instituição da mais alta credibilidade.

“Aqueles das Forças Armadas que se comprovarem envolvidos nesse processo são desertores”, sentenciou Tebet. “Muito diferentes”, continuou, “dos soldados da vida, que são nossos profissionais de saúde”.

Da Redação

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