A sessão da CPMI do Golpe desta terça-feira (29) revelou ao Brasil algo tão chocante quanto preocupante: contaminada ideologicamente pelo bolsonarismo, a antiga cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal agiu para permitir os atentados do 8 de Janeiro.
Embora o ex-comandante da PMDF Fábio Augusto Vieira, convocado na condição de testemunha, tenha se recusado a responder qualquer pergunta, os parlamentares divulgaram trechos da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que embasou as prisões do coronel e de outros seis policiais militares de Brasília em 18 de agosto.
As provas colhidas pela PGR mostram claramente que o comando da PMDF apoiava um golpe de Estado para que Jair Bolsonaro permanecesse no poder. Um exemplo é a mensagem golpista que o então subcomandante-geral da PMDF, Klepter Rosa Gonçalves, também preso atualmente, enviou ao então comandante Vieira, em 28 de outubro de 2022, dois dias antes do segundo turno das eleições.
Trata-se de um áudio claramente editado que começa da seguinte forma: “Na hora que der o resultado das eleições que o Lula ganhou, vai ser colocado em prática o art. 142, viu?”. O artigo 142, vale lembrar, era usado pelos bolsonaristas como uma suposta autorização para que as Forças Armadas agissem como poder moderador.
O áudio prossegue: “Rapaz, vocês têm que entender o seguinte: o Bolsonaro, ele está preparado com o Exército, com as Forças Especi…, as Forças Armadas, aí, para fazer a mesma coisa que aconteceu em 64. O povo vai pra rua, que ninguém vai aceitar o Lula ser… Ganhar a Presidência, porque não tem sentido, o povo vai pedir a intervenção e, aí, meu amigo, eles vão nos livrar do comunismo novamente”.
E Vieira, após receber esse conteúdo, não repreendeu seu subordinado. Pelo contrário, o encaminhou para o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, que na época chefiava o 1º Comando de Policiamento Regional da PMDF.
Golpe para beneficiar Bolsonaro
Nas semanas seguintes, várias outras mensagens desse tipo circularam entre os membros da cúpula da PMDF, ao mesmo tempo em que chegavam também alertas sobre planos de invasão a prédios públicos de Brasília. Com isso, a conclusão da PGR só poderia ser uma: não foi por erro ou falta de informação que os comandantes da Polícia Militar não se prepararam adequadamente para o dia 8. Foi sabotagem pura.
“Contaminada ideologicamente, a cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal, especialmente pelos ora denunciados, esperavam uma insurgência popular que poderia assegurar a permanência de Jair Messias Bolsonaro no poder”, afirma um trecho da denúncia.
Para membros da CPMI, não resta dúvida de que os PMs hoje presos agiram politicamente para atacar a democracia. “Os três (Vieira, Gonçalves e Rodrigues), que deveriam combater o golpe, fizeram uma troca de mensagens entre eles incentivando o golpe que seria dado no Brasil. Ora, que comando é esse? É óbvio que tem sete comandantes presos, porque entre si eles combinavam o golpe. Eles eram comandantes do golpe”, ressaltou o deputado federal Rogério Correia (PT-MG).
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) chamou a atenção para a gravidade de um crime dessa natureza ser cometido por servidores públicos cuja função é justamente proteger a população, o patrimônio e as instituições democráticas.
“Fica muito claro que houve dolo. Vossa senhoria cometeu um crime”, disse Carvalho ao coronel Vieira. “Sabe o que vocês fizeram? Um ato terrorista. O 8 de Janeiro vai ser lembrado como o último ato de uma peça golpista que não deu resultado porque a sociedade se uniu, porque a democracia venceu, porque os democratas deixaram suas diferenças de lado e se uniram contra o golpe e a arbitrariedade”.
Já o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), lembrou que, como policial militar, a função de Vieira e seus colegas era a de proteger a Constituição. “E aqui eu volto a falar o que o saudoso Ulysses Guimarães disse a respeito da Constituição: ‘Discordar, sim; divergir, sim; descumprir, jamais; afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria”, disse.
E completou: “Eu espero que o senhor tenha consciência dos atos que o senhor tenha praticado, seja por ação, seja por omissão; seja a título de dolo, seja a título de culpa. Mas eu tenho certeza de que quem, de qualquer forma, concorre para o crime vai responder pelo mesmo crime. Não sou eu que estou falando, é o artigo 29 do Código Penal Brasileiro”.
Oposição apela para a mentira
O mais irônico da sessão desta terça-feira é que o coronel Vieira foi convocado pelos bolsonaristas, que queriam usar seu depoimento para repetir a delirante tese de que a culpa do 8 de Janeiro cabe ao governo Lula.
A denúncia da PGR, no entanto, aniquilou o plano da oposição, tal qual aconteceu em depoimentos anteriores, como os do fotógrafo da agência Reuters Adriano Machado e do próprio ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres, que admitiu ser responsabilidade da PMDF fazer a segurança da Esplanada dos Ministérios.
Mesmo assim, com sua cara de pau contumaz, a oposição resolveu passar a sessão repetindo uma história já desmentida inúmeras vezes: a de que o ministro da Justiça Flávio Dino poderia ter acionado a Força Nacional de Segurança sem autorização do governo do DF.
Como mostrado pelo deputado Pastor Henrique Vieira (PSol-RJ), na sessão de 15 de agosto, a extrema direita tem usado como argumento o Decreto 5.289 de 2004, que, de fato, permitia o acionamento da Força Nacional pelo ministro da Justiça.
No entanto, de forma nada honesta, os bolsonaristas ignoram o fato de que, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou esse decreto e tornou ilegal o acionamento dessas tropas sem autorização expressa do governador do estado onde elas atuarão.
A insistência “no erro” é a prova de que, além de estar sem argumentos, a extrema direita continua a apostar na desinformação como ferramenta política. Uma estratégia criminosa, mas, felizmente, fadada ao fracasso, como ressaltou Rogério Correia.
“A oposição caiu numa cilada ao convocar o senhor Fábio Augusto, querendo aumentar a narrativa deles. Mas esta CPMI está descobrindo os golpistas e vai descobrir mais. E está claro que Bolsonaro foi o grande artífice de todo esse processo”, concluiu o deputado.
Da Redação