A corrente o Trabalho se estabeleceu em 1976 como a seção brasileira da Quarta Internacional, organização internacional trotskista. Quatro anos depois, nascia o PT.
“Companheiros nosso participaram da fundação no colégio Sion, e alguns meses depois todos entramos e fizemos campanha pela formalização”, conta Markus Sokol, integrante da corrente desde seu princípio.
“Havia um sentimento de que esse movimento ia produzir alguma coisa superior a que existia, isso não havia dúvida”, relembra. Os integrantes da corrente ajudaram a conseguir assinaturas para a formalização.
“Os brasileiros tiveram a oportunidade de se reconhecer em uma liderança de outro tipo, que não tinha tido até então uma expressão maior, um protagonismo político”, conta Sokol. “Havia muito de identificação epidérmica, sem um conteúdo mais desenvolvido”.
A cara das primeiras reuniões, explica, era a dos explorados e oprimidos.
“O apelo de quem vinha era muito marcado e muito forte, e foi o que atraiu a massa de trabalhadores, sindicalistas, rurais, em ofícios diversos. Marginalizados. Todo mundo que era oprimido”, conta.”E não perdeu essa marca até hoje. Ele é visto na sociedade até hoje como o partido que dá preferência aos trabalhadores. E é bom que assim seja”.
Polêmicas iniciais
O PT reuniu, inicialmente, grupos políticos variados. Segundo Sokol, ainda não havia uma definição organizativa clara. Assim, surgiram algumas polêmicas. Uma delas era se o partido deveria ser uma frente circunstancial ou se deveria ter uma perspectiva de longo prazo.
“Havia políticos que o tratavam como uma frente circunstancial, e outros que se contrapunham a isso, de que o PT era imprescindível, tático, para emancipação da classe operária”, explica.
“O PT não falava de socialismo naquele momento, mas na nossa visão a construção do socialismo passava por um partido operário desse tipo”, afirmou.
“Isso foi sendo moldado, o caráter do partido, o sentido estratégico dele”.
Outra polêmica foi sobre se o PT era um partido sem patrões, ou de toda sociedade. “Se a burguesia como classe teria espaço, ou se de fato fosse um partido para os trabalhadores”. A corrente O Trabalho se alinhou a posição dos “sem patrões”, que saiu vencedora.
Direito de tendência
Outra polêmica dos primeiros anos foi a criação do direito de tendências. Desde o seu início, o PT congrega linhas políticas internas diversas. Assim, em 1986, estabeleceu-se o direito de tendência, que ampliou a democracia interna do partido. “Desde o princípio defendemos o direito de tendência como forma de reconhecer e legitimar posições distintas. Hoje é fácil falar: isso é uma tendência. Mas naquela época isso nem existia”, explica.
Para muitos, isso poderia dar espaço para tendências com “duas camisas”, ou seja, outros partidos dentro do PT. Mas isso não ocorreu. “Foi um ajuste de contas com o stalinismo, pois havia más tradições que sobreviviam na esquerda, como o monolitismo, a questão da democracia interna”, explica.
Segundo Sokol, essa decisão tornou o PT inovador politicamente não só no Brasil, mas também na esfera internacional. “Para muitos na época isso era uma bagunça, demorava não sei quanto tempo para tomar uma decisão – até hoje é um aspecto pelo qual é criticado. Mas na verdade é uma das forças do PT”, acredita Sokol. Foi a partir desse direito, explica, que o partido pode absorver correntes políticas que tinham outra origem, do nacionalismo, do castrismo, do maoismo, entre outras. “Teve momentos em que a direção do partido foi derrotada, que a direção possuía uma posição minoritária e foi feito um processo de consulta interno”, diz.
PED
Sokol continua partidário do direito de tendências, mas afirma que a estrutura das correntes começou a pesar sobre o partido. “Evoluímos para uma espécie de caricatura. Um militante que não tem uma tendência, ele tem menos direitos, ele tem que passar a ser uma tendência para ter voz dentro do partido”, diz.
Sokol também critica o PED (Processo de Eleições Diretas), instituído no segundo Congresso. Antes, as decisões eram feitas de forma piramidal, com discussões desde a base, segundo ele. Com a instituição do PED, o processo decisório tornou-se mais verticalizado, diz. O defeito, segundo ele, é que o filiado acaba seguindo uma diretriz na hora da votação, muitas vezes impulsionada pelo poder econômico. “A essência é a mesma do funcionamento das instituições no Brasil, é a força do dinheiro que mantém a maioria”, diz.
“O problema principal é que o filiado não tem acesso ao que ele vai escolher, é como um restaurante, ele tem o cardápio, mas não tem acesso à cozinha”, explica. “Esse processo do PT já entrou em crise felizmente, tanto que esse ano vai ter uma combinação”.
O processo do PED neste ano ocorreu apenas nas fases municipais. Na fase estadual e nacional, as votações são feitas por meio de delegados.
Reformas
Sokol afirma que os governos do PT representaram grandes avanços, mas que falharam ao não realizar algumas reformas.
“Não foi tentada a reforma da mídia, a tributária, a do judiciário”, diz ele. A única reforma tentada, segundo ele, foi a mudança do marco regulatório do pré-sal, que tornava a presença da Petrobras obrigatória, mantinha a riqueza no país, garantia recursos para saúde e educação e estimulava a indústria nacional com a obrigatoriedade de conteúdo nacional. “Tanto é que foi a primeira coisa que os golpistas atacaram”, diz.
Para fazer todas essas reformas, no entanto, era necessária uma assembleia constituinte. “E a melhor hora para fazer isso foi quando o Lula chegou no governo. Ele estava com a maior força”, diz. “Lula preferiu o acordo por achar que chegaria aos objetivos em um ritmo mais longo. E não foi o que ocorreu”, afirma.
“Eu acho que vale a reflexão se deveríamos – e eu acho que sim – ter comprado a briga, porque abriria uma perspectiva de continuidade maior do que a convivência com as instituições que tem um conteúdo de classe e adversas ao governo do PT. Porque quando eles reúnem as condições necessárias eles dão um golpe, como fizeram”, afirma.
Para Sokol, a reforma leva à revolução. “A reforma é que ganha o sujeito para a revolução. Só faz reforma quem não tem medo da revolução”, diz. “Conduz, em um certo momento, a encontrar uma trava na classe dominante, e os trabalhadores, tendo adquirido a consciência da sua condição particular de classe na sociedade e ancorado nas reformas que eles tendem a defender com unhas e dentes podem forçar uma superação do regime social, político e econômico”, afirma.
Sokol afirmou que a candidatura de Lula deve estar associada a uma plataforma. “É preciso explicar como a gente vai fazer para realizar as coisas que a gente prometeu e não fez. Eu vejo um lugar importante para a Constituinte ser o primeiro ponto da plataforma do Lula, e a gente vai levar isso para o Congresso”, diz.
Greve Geral
“O povo brasileiro tem sido muito generoso com a gente”, diz. Sokol destaca o Carnaval, em que o Fora Temer ressoou nas ruas de todo o Brasil. “Eu nunca vi um carnaval tão diretamente político quanto esse”, afirmou. Sokol também destacou as grandes manifestações de rua, no dia 8 e 15 de março. “E o saldo é que a ideia de uma greve geral que defendemos desde a luta contra o golpe tornou-se possível”, diz. “Há uma virada na situação política do país”, diz.
Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias