Lula foi condenado por crimes impossíveis.
Quem tem um mínimo de experiência em gestão pública sabe que a distância que separa a diretoria de uma estatal de um presidente da República é abissal. Há toda uma teia de relações, verticais e horizontais, que inviabilizam uma relação direta que transponha toda a cadeia de responsabilização.
Essa teia, nesse caso, é composta pela presidência da companhia, pelo seu conselho, pelo ministério ao qual ela está vinculada, pela Casa Civil, pela Controladoria-Geral da União etc.
É impossível que diretores de uma estatal formem uma quadrilha tendo como chefe imediato o presidente da República.
O malabarismo para condenar Lula exigiu a criação de uma figura jurídica exótica –o ato jurídico indeterminado–, que, na prática, impede o réu de se defender por não saber do que está sendo acusado. Sem esse artifício, toda aquela teia de relações teria que ser examinada, bem como a conduta de cada pessoa envolvida.
Há outra questão a considerar. Os diretores da Petrobras, subornados por um cartel que atuava dentro e fora do país, inclusive em estados brasileiros governados pela oposição, mantinham contas no exterior que somavam centenas de milhões de dólares. É no mínimo inverossímil que, diante disso, tenha cabido ao suposto “chefe do esquema” a “atribuição” de um apartamento de classe média na praia e uma reforma num sítio modesto comprado licitamente por amigos de longa data.
Não fosse uma tremenda campanha midiática, ninguém acreditaria numa história como essa. No campo do direito, ela não se sustenta. Ela só faz sentido em meio à crise política, transformada em crise institucional.
É preciso parar de dizer que a Lava Jato só puniu corruptos. Não, ela fez política. É preciso reconhecer, inclusive, que, em nome da política, ela nem sequer puniu todos os corruptos que estavam ao seu alcance.
É possível dizer que a Lava Jato recuperou recursos públicos, mas é necessário admitir, de uma vez por todas, que o dinheiro recuperado é uma fração diminuta da riqueza nacional que a Lava Jato destruiu.
As críticas à operação não podem mais ser atreladas à defesa da impunidade.
Depois de tudo o que veio à tona, não dá mais para esconder que a Lava Jato, ela própria, tem uma banda podre. Procuradores e auditores estão sendo processados, alguns criminalmente. A suspeição de um juiz, ministro de um governo que ajudou a eleger, será avaliada pelo STF.
Se a verdade prevalecer e a Suprema Corte se libertar das amarras que querem lhe impor, poderemos voltar à arena da livre disputa democrática, com Lula entre nós!
Fernando Haddad é professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo
*Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo