Fernando Haddad: Vazamentos

“Moro teria obrigação de mandar investigar vazamento de dados de David Miranda”, afirmou o ex-prefeito de São Paulo em sua coluna semanal na Folha

As democracias modernas têm rigorosos protocolos de sigilo de dados. Os três Poderes estão submetidos a eles de modo a proteger a privacidade dos cidadãos, mesmo quando estejam sob investigação. Ao Estado cabe, portanto, zelar pela integridade moral das pessoas. Exatamente o que não estamos fazendo.

O caso Moro-The Intercept é paradigmático.

Moro cometeu um ato indefensável ao vazar telefonema de Lula que serviu de base para impedi-lo de assumir a Casa Civil do governo Dilma.

Ato qualificado por três circunstâncias: 1) os grampos foram feitos após o horário permitido pelo próprio juiz; 2) envolvia um presidente da República; 3) foi selecionado a dedo apenas 1 dos 22 telefonemas gravados, o único que levaria o STF ao erro de imaginar que Lula buscava foro privilegiado.
Moro ficará impune porque pediu exoneração do cargo de juiz e escusas ao STF. Um caso extravagante de excludente de culpa.

O material chegou às mãos do jornalista Glenn Greenwald, que tomou a única decisão cabível. Com o profissionalismo que caracteriza sua trajetória e justifica os inúmeros prêmios internacionais que recebeu, Greenwald e os jornalistas do The Intercept vêm divulgando criteriosamente diálogos que demonstram de forma cabal a instrumentalização da Lava Jato com fins políticos.

Greenwald não apenas tem respaldo constitucional para fazer o que fez como também, na opinião da maioria dos seus colegas brasileiros, tinha a obrigação de fazê-lo. Só uns poucos lacaios do bolsonarismo questionam sua conduta de divulgar material de interesse público, ainda que obtido, por terceiros, de forma ilícita.

Nesta semana, o debate sobre sigilo teve novos desdobramentos.

O episódio mais importante foi o vazamento de dados da movimentação bancária do deputado federal David Miranda, marido de Greenwald, sugerindo, subliminarmente, que ele estaria envolvido em práticas pelas quais Flávio e Carlos Bolsonaro são investigados, conhecidas por rachadinha: leia-se, peculato.

De maneira sóbria, Greenwald veio a público esclarecer que os valores divulgados são referentes a seus rendimentos profissionais declarados, que, inclusive, já estavam publicados no site da fonte pagadora.
Moro teria a obrigação funcional de mandar investigar e punir o vazamento de dados bancários do deputado federal David Miranda.

Aposto que prevaricará e nem pedirá escusas.

Fernando Haddad é professor universitário, ex-ministro da Educação nos governos Lula e Dilma, e ex-prefeito de São Paulo

*Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo

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