Velho amigo do ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, retribui o cargo dilapidando ao máximo a maior empresa nacional. Após vender o controle da BR Distribuidora e avançar na privatização de dutos e campos de exploração, agora investe contra as plataformas. E, segundo a Federação Única dos Petroleiros (FUP), oferece as estruturas pelo preço de um apartamento.
Pelos cálculos da entidade, com R$ 2,5 milhões é possível comprar um apartamento de alto padrão, mas com menos de 100 metros quadrados, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Pois com apenas três vezes este valor – R$ 7,5 milhões (US$ 1,45 milhão) – um comprador identificado como Marboteni arrematou, num leilão online em 24 de julho, três plataformas na Bacia de Campos (RJ).
O site do leiloeiro João Emilio — especializado em venda de carros batidos e sucatas de seguradoras — entregou a P-15 por US$ 750 mil, a P-07 por US$ 370 mil e a P-12 por US$ 330 mil. As plataformas haviam sido “descomissionadas” pela Petrobras. Mesmo em águas “rasas”, produziam 25 mil barris diários de óleo, gerando empregos e renda.
Para a FUP e o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF), a venda é um crime contra o povo brasileiro. “Como tem advertido partidos progressistas e movimentos sociais, todo este desmonte precisa ser interrompido e, no futuro, quem comprou estes ativos nestas condições ilegítimas correrá o risco de ter que devolver ao Brasil”, defendem os petroleiros.
“Cadê o Ministério Público Federal para investigar tudo isso? Quem está levando vantagem nessas privatizações? Quem está ganhando? O Brasil, a Petrobras ou quem está comprando? Ou é quem participa desses negócios, já que ninguém sabe quem são os lobistas?”, questiona o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar.
A categoria estima que, com o preço do barril atualmente em R$ 227, a produção das três plataformas somava receita de R$ 5,7 milhões por dia. O comprador levará, portanto, dois dias para recuperar o investimento de R$ 7,5 milhões.
“Na prática, na ponta do lápis, foi um leilão de fachada para legitimar a doação”, diz o presidente do Sindipetro-NF, Teseu Bezerra. “É um absurdo e que demonstra bem a que veio o governo de Jair Bolsonaro e Castello Branco, e a que interesses respondem: os do mercado financeiro”.
O coordenador da FUP observa que os leilões estão sendo realizados no pior momento possível: em meio à pandemia e à maior crise do capitalismo mundial, que desvalorizou os ativos do setor de petróleo e gás. “Como se vende essas plataformas agora? Ninguém faz isso, nem um cidadão comum que quer vender um carro. Os preços estão no chão”.
“A gente ouve Salim Mattar (secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercado do Ministério da Economia) dizer que a Petrobras não será privatizada. Na realidade, a empresa está sendo dilapidada literalmente”, acrescenta Bacelar. “Estão privatizando a Petrobras com a venda dos ativos a preço de banana, seja transformando em subsidiárias, seja vendendo esses ativos ‘na bacia das almas’. É escandaloso”.
E o escândalo vai continuar. Na última sexta (31), o presidente da Petrobras informou que tem expectativa de assinar o contrato de venda da refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, em um ou dois meses. Ela deve ser adquirida por um conglomerado internacional dos Emirados Árabes, o Mubadala Investment Company.
Segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com base em informações da Petrobras, 34 ativos – 31 no Brasil e três no exterior – estão na fase mais avançada de venda (vinculante). Na fase inicial (teaser e não vinculante), a soma é de 15 ativos.
A venda da segunda maior refinaria do país (330 mil barris por dia) encontra-se em fase vinculante. Como o Abu Dhai Mubadala apresentou a melhor oferta, ganhou o direito de discutir com exclusividade os termos do contrato de compra com a Petrobras.
Além dela, Castello Branco quer se desfazer até 2021 das refinarias Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul, Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e Gabriel Passos (Regap), em Minas Gerais.
Petroleiros iniciam vigília contra entreguismo
Na sexta, o Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro BH) deu início à “Vigília Itinerante em defesa da Petrobras e da Bahia”. Reação da categoria à privatização da estatal, que atinge diretamente o Nordeste, a vigília segue até 19 de agosto e passará por 13 cidades.
O trajeto será percorrido por diretores do Sindipetro em um ônibus com o adesivo da campanha, que circulará por unidades integrantes do Sistema Petrobras na Bahia. Em cada município será feita uma vigília em frente à unidade da estatal, seguida de manifestação no centro da cidade.
O diretor de comunicação do Sindipetro, Radiovaldo Costa, explica que a Bahia é um dos estados mais afetados pela política de desinvestimento de Guedes e Castello Branco, e que “pouco ou nada restará da estatal no estado onde foi descoberto o petróleo e nasceu a Petrobras”.
“Um grupo de investidores terá logicamente como interesse o lucro. Dificilmente veremos esse grupo investir em ações sociais que amenizem a situação das comunidades carentes que vivem no entorno da refinaria. E os consumidores podem se preparar, pois a tendência é que os preços da gasolina, diesel e gás de cozinha sejam ainda mais altos, pois não haverá o Estado para fazer intervenções se houver extrapolação de valores cobrados”, pontua.
Em entrevista ao ‘Jornal Brasil Atual’, o diretor do Sindicato dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro SP), João Antonio de Moraes, adverte que Bolsonaro está “passando a boiada” também na área do petróleo. Para o ex-coordenador-geral da FUP, as privatizações terão impactos sobre a soberania e o desenvolvimento do país.
O dirigente lembra que, no balanço dos resultados operacionais e financeiros do segundo trimestre deste ano, a produção da Rlam foi decisiva para minimizar a queda geral no resultado da empresa. “Se eles já tivessem concluído esse entreguismo, o prejuízo da Petrobras seria ainda maior. E faltaria mais dinheiro para investir na economia nacional e nos recuperarmos dos prejuízos causados pela pandemia e a inabilidade do governo Bolsonaro”, ressalta Moraes.
“Tudo está sob risco quando se tem um governo que não prioriza os interesses nacionais, e que é um verdadeiro mascate. Porque tudo que o Paulo Guedes fala é em vender e vender. Ele é o mascate do Brasil, que sai pelo mundo oferecendo o que não lhe pertence”, contesta o dirigente sindical.
Riscos à soberania
Em entrevista ao Sindipetro Unificado de São Paulo, Henrique Jäger, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), aponta as consequências macro e microeconômicas que o país sofrerá caso seja concretizado o plano de Castello Branco, que é focalizar todas as atividades da companhia na região Sudeste, exclusivamente nos setores de exploração e produção.
“A questão do abastecimento e da unidade nacional, que perpassa toda a história da Petrobrás até este momento, está sendo rompida com essa estratégia da companhia de privatizar 50% do seu parque de refino. Praticamente 99% do que sobrar das refinarias estará no eixo Rio-São Paulo, o que deixa uma lacuna do ponto de vista do abastecimento das outras regiões”, explica o economista.
No caso da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), que opera desde 2014 em Ipojuca (PE), a ameaça recai na soberania sobre a importação de Gás Natural Liquefeito (GLP). “O Brasil importa entre 25 e 30% de todo o GLP consumido nacionalmente – 80% dessa importação entra pelo porto de Suape (PE) e 20% pelo porto de Santos (SP). A gente está falando de colocar no setor privado 80% da nossa capacidade de armazenamento de GLP importado. Isso é uma coisa seríssima”, diz Jäger.
O pesquisador acredita que os potenciais compradores também terão um poder ilimitado para definir os tipos de derivados que serão produzidos e seus preços, com impactos no bolso da população. “Como não terão mais estoques reguladores, o país ficará refém das estratégias das empresas que vierem a adquirir essas refinarias”.
Jäger lembra ainda o custo estratégico do entreguismo. “As estatísticas internacionais de precificação demonstram valorização maior de empresas de petróleo que são integradas, em relação às que trabalham apenas com exploração e produção. Além disso, o refino agrega valor e é a porta de entrada para o futuro da indústria”, conclui.
Fátima Bezerra tenta adiar privatização
Na segunda (2), a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, discutiu com a Petrobras a saída da empresa do estado e do Nordeste. Contrária ao desinvestimento, Fátima tenta adiar o processo. O encontro virtual girou em torno da alienação das ações da Gaspetro na sociedade de economia mista que mantém com o estado do Rio Grande do Norte, por meio da Companhia Potiguar de Gás (Potigás).
“Nós aqui temos todo o interesse de abrigar os investimentos privados, que claro são muito bem-vindos. Temos um diálogo propositivo frequente com o setor produtivo e empresarial nesse sentido. Porém, dentro do atual contexto, julgamos ser um equívoco a saída da Petrobras”, declarou a governadora.
O prazo assinalado para a formalização do negócio é outro fator que preocupa Fátima Bezerra. “O prazo estipulado, até dezembro de 2020, é exíguo para essa importante decisão que requer estudos e avaliação orçamentária e financeira da nossa equipe de governo associado ao fato que estamos vivendo uma pandemia”, frisou.
A governadora irá agendar mais uma reunião com o presidente da estatal para reiterar a importância não apenas econômica, mas especialmente a social da estatal para os potiguares. O estado é o maior produtor de petróleo em terra do País (35 mil barris/dia).
Em dezembro de 2019, o Ineep apresentou um estudo sobre os impactos econômico, fiscal e empregatício da saída da companhia no estado e no Nordeste como um todo que revelou uma significativa queda no número de empregos diretos e indiretos e outros efeitos sobre a cadeia produtiva.
Segundo o instituto, a Petrobras está abrindo mão de realizar R$ 4,2 bilhões em investimentos no Rio Grande do Norte, o que pode afetar mais de 100 mil postos de trabalho direta e indiretamente.
Ainda nesta segunda, o ministro do STF Ricardo Lewandowski determinou que seja convertido em Reclamação (RCL) o pedido de tutela provisória incidental apresentado pelas Mesas do Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5624. Nela, o Supremo decidiu que é necessária autorização legislativa e processo licitatório para alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedades de economia mista.
O Legislativo alega que o governo federal descumpre a decisão do STF na retomada da alienação de ativos da Repar e da Rlan. No requerimento apresentado pelas duas Casas, os técnicos criticam o que consideram “privatização branca”. Segundo eles, a Petrobras pretende paulatinamente alienar seu patrimônio estratégico a partir da criação de novas subsidiárias, de modo a permitir que a decisão do Supremo seja “fraudada” por meio de expedientes que permitam “a venda disfarçada e simulada de ativos”.
Da Redação