Jilmar Tatto
A Folha se diz “um jornal a serviço da democracia”, mas comporta-se como uma pitonisa embevecida por autoridade. Afirma em editorial publicado na segunda-feira (7) que o PT está “no fundo do poço” e que sou um mero político clientelista da zona sul de São Paulo. Ignora que o partido tem a maior bancada federal de deputados e passa por cima de tudo o que fiz como secretário nos governos petistas: Paulista Aberta, 400 km de faixas de ônibus e 490 km de ciclovias, Bilhete Único e outras realizações.
Mas tudo bem, não vou dar lições de bom jornalismo à Folha. Estamos aqui, eu e o PT, para dizer que, em política, normalmente o apressado come cru. A Folha já deveria ter aprendido isso nas eleições de 1985, quando colocou Fernando Henrique Cardoso sentado prematuramente na cadeira de prefeito de São Paulo, que viria a ser de Jânio Quadros.
O editorial vaticina que não só eu não tenho chance como o próprio Fernando Haddad, em meu lugar, seria um candidato quixotesco. Os fatos parecem não interessar quando mostram a força do PT. Haddad disputou o segundo turno presidencial, em 2018, e obteve cerca de 47 milhões de votos; em 2012, foi um dos lanternas das pesquisas para prefeito, com 3% das intenções de voto, mas venceu as eleições.
E a Folha bate ainda na surrada tecla do antipetismo. Só que humor eleitoral é nuvem. O que conta é a tempestade, agora muito feia, do desemprego de 20 milhões de pessoas e da informalidade de outras 30 milhões. Na capital paulista, mais de um terço da força de trabalho é afetada por isso, além de se ver largada aos efeitos da pandemia.
A Folha bate ainda na surrada tecla do antipetismo. Só que humor eleitoral é nuvem. O que conta é a tempestade, agora muito feia, do desemprego de 20 milhões de pessoas e da informalidade de outras 30 milhões. Na capital paulista, mais de um terço da força de trabalho é afetada por isso
A Folha pinta Lula num imaginário labirinto, forçado a me apoiar. Diz que o PT tem uma concorrência à esquerda que nunca teve em outras épocas. Faz tábula rasa das realidades oriundas da nova lei eleitoral e sequer cita os pré-candidatos do PC do B e do PSB. Este erro eu não cometo: levo-os em consideração na disputa, todos eles.
O jornal sustenta que a minha pré-candidatura “não inspira nem mesmo a audiência cativa petista”. Ao citar entre os apoiadores de Guilherme Boulos (PSOL) o ex-chanceler Celso Amorim e o ex-porta-voz da Presidência da República André Singer, acaba elogiando, sem querer, a beleza democrática do PT, pois não somos mesmo um clube fechado.
A verdade é que milhares de petistas têm se envolvido nos debates para a definição do nosso programa de governo. Há, como sempre, uma sólida unidade das bancadas de parlamentares do PT de São Paulo em torno do nosso nome.
O que de fato parece incomodar a Folha é a hipótese de ganharmos as eleições e contrariarmos o reformismo neoliberal em que o jornal tanto faz profissão de fé no outro editorial da mesma edição, “Governo sem foco”. Esse é o ponto.
Os governos Jair Bolsonaro (sem partido), João Doria e Bruno Covas (ambos do PSDB) estão unidos em torno de um mesmo minueto programático definido desde o golpe de Michel Temer (MDB): desmonte dos direitos sociais e privatizações selvagens. Se o preço a pagar pela renúncia à soberania nacional é uma ainda maior desigualdade social, tudo bem. O importante é que o PT não volte. Só que não —para o desconforto das elites, estamos vivos. E prontos para voltar.
* Secretário Nacional de Comunicação do PT e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo.