Chamar as coisas pelo nome facilita a gente se entender, e os outros nos entenderem.
Na democracia, mesmo que precária, política é a arte de alianças, inimigos são acidente de trabalho. Uma entre três pessoas, para conseguir maioria, precisa de uma das outras. Sabemos bem que alianças podem ser rompidas, e aliados podem mudar de lado. Mas não tem jeito! Você ainda depende de alianças.
Na época de Marx, e depois, na de Lênin e Rosa de Luxemburgo, a sociedade recém-saída do feudalismo já era bastante complexa, porém as diferenças de classes eram mais nítidas. Mesmo com pobres em condições de vida muito piores do que a média de hoje, na esquerda daquela época a discussão sobre alianças de classes era predominante.
As revoluções, tanto a russa, como a chinesa e a cubana marcaram o imaginário da esquerda como alternativa à política de conciliação de classes. Conciliação sempre fez menos sucesso literário em todas as épocas e ideologias. Com isso, a social-democracia equivocadamente é vista por parte do PT como um desvio ideológico, mesmo com sua origem claramente marxista.
Outra diferença daquela época e hoje é que o capital se descolou dos estados nações. O que está em disputa nas democracias representativas é um estado menor do que as corporações capitalistas internacionais. O mercado financeiro internacional controla parte significativa das plantas industriais e da produção de commodities. O mercado financeiro nacional vive da dívida interna. Não existe mecanismo democrático para disputa destes poderes do capital. A regra do jogo é o controle acionário. Vota apenas quem tem ações. Ganha sempre quem tem mais ações. No máximo um estado moderador.
No Brasil do século XXI, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) é uma falsidade ideológica, um partido de direita. Não podemos confundir o nome “fantasia” de um partido com toda a história dessa importante estratégia da política para melhorar a sociedade. Essa degeneração aconteceu nos partidos sociais-democratas europeus também, a chamada terceira via, que resultou na onda de extrema direita que hoje paira sobre o velho continente, destruindo parte do estado de bem-estar social construído pela própria social-democracia, a partir da segunda guerra mundial.
As classes sociais não têm uma divisão precisa e absoluta, mas é certo dizer que no Brasil: 1% da população tem salário acima de R$ 14 mil, enquanto 66% sobrevivem o mês com até R$ 2 mil. Se as eleições se definissem nesta proporção, os pobres seriam um partido invencível. E tudo seria decidido entre os pobres e os 33% da classe média. Mas a vida não é tão simples.
No país, sem contar os 2 milhões de servidores públicos, as micro e pequenas empresas – das quais a maioria dos seus donos vivem em condição operária – são responsáveis por 84% dos empregos, as médias e grandes empregam os outros 16% de trabalhadores. Então, onde está o poder econômico? Os números se invertem na produção do PIB, as micro e pequenas empresas produzem 27% do PIB, e as médias e grandes produzem 73%, dos quais boa parte a infraestrutura. Quando um microempreendedor recebe um telefonema, e vai de carro atender seu cliente, está usando a infraestrutura das grandes empresas. Esse recurso de aliança é usado a toda hora, todo dia, como a aliança feita entre o empregado de qualquer empresa e seu patrão. É claro, toda aliança tem suas contradições (para não usar o termo beligerante, “luta”). Essas alianças é que fazem o país funcionar, bem ou mal.
Assim fica mais fácil entender como as coisas são difíceis. Alianças da cadeia produtiva e/ou financeira são diferentes das alianças políticas, mas é para elas que a política trabalha. Isso, ainda sem discutir fatores culturais, religiosos, regionais etc.
As políticas dos governos petistas distribuíram renda sem comprometer as tênues alianças do dia a dia do capitalismo brasileiro. E deu certo! Foi a política social-democrata mais bem-sucedida no mundo. Nada foi mais emblemático do que uma política social-democrata que teve o empresário José Alencar como vice do Lula.
A conjuntura de hoje é bem diferente de 2002 ou 2006. A crise internacional de 2008 exportada pelos EUA via mercado financeiro, devastou acordos econômicos de décadas, como a União Europeia. A cooperação econômica está sendo trocada pelo protecionismo. Produtos brutos, “commodities”, que são a base das exportações brasileiras, tiveram queda de preço, o barril do petróleo oscilou de U$ 128 a U$ 28 e está por volta dos U$50. A China saiu de um crescimento do PIB de mais de 10% para 6,5%. E instabilidade leva o dinheiro dos investidores, da infraestrutura, para os títulos da dívida americana, considerados pelas agências de classificação de risco como referência de seguridade de retorno, ainda que rendam menos do que a inflação dos EUA.
Num mundo mais cinza, deseja-se desesperadamente o preto e o branco, mas o desespero é péssimo aliado. O purismo ideológico é uma tentação, mas quando se trata de achar uma saída para o país numa crise econômica internacional, uma saída em que passem todos, precisa-se dos diferentes do PT. Transformar adversários em aliados é da arte da política. O PT é um partido de orientação socialista, e deve afirmar-se como tal, não aceitando o golpe parlamentar e as ações que representam retrocessos civilizatórios. Se não temos dúvidas sobre o que somos, não precisamos nos distanciar dos diferentes. As maiorias de hoje no Congresso Nacional, os que votaram pelo golpe e as perdas de direitos humanos sociais, dificilmente serão nossos aliados, num futuro breve. Mas usar este passado recente para fazer um risco no chão que separe entre “os de lá” e “os de cá”, não aglutina uma maioria no país. Existem contradições na direita e na esquerda, no PSTU, no PMDB e PSDB. Precisamos fazer um riscado de um projeto que aglutine uma nova maioria, que faça o Brasil crescer e distribuir renda.
O Brasil é país continental e complexo, com 144 milhões de eleitores, nada vai ser exatamente do jeito que você quer, mas não vai ser muito diferente se a gente estiver construindo junto.
Por Julian Carlo Fagotti, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.