Luiza Dulci e Otavio Dulci: O PT e os desafios do socialismo democrático no Brasil

Além de defender a democracia e lutar contra o golpe, está posto também o desafio de atualização e mesmo (re)construção do projeto nacional da esquerda brasileira

Tribuna de Debates do PT

Foto Paulo Pinto / Agência PT

O 6° Congresso do PT acontece em momento particularmente grave na trajetória do partido e das esquerdas no país. É também um momento de tensão no cenário internacional. Os dois contextos, o nacional e o global, apresentam desafios a todos que assumem a bandeira do socialismo democrático, a começar pela discussão de como traduzir esta proposta para o nosso tempo.

O PT é um partido que se construiu nas últimas décadas do século XX, já numa perspectiva de renovação dos ideais do socialismo, de forma a combiná-los com a visão de uma sociedade democrática e participativa. Desde então, o partido cresceu, galgou posições e chegou ao governo do Brasil com a missão de concretizar sua visão social e política. Essa visão coincidia em grande parte com os princípios definidos pela Constituição de 1988. E por isso a ação do PT no governo, sob a liderança do presidente Lula, representou um notável esforço de aprofundamento das conquistas da Constituição no que diz respeito à democracia e à justiça social.

Houve, contudo, outro elemento a influir no processo: a força da globalização neoliberal como projeto hegemônico no mundo desde a década de 1980, tendo pautado fortemente os rumos do Brasil ao longo dos anos 1990.  O PT, ao chegar ao governo, deparou-se com a necessidade de ultrapassar essa pauta, o que fez gradualmente. A mesma linha foi adotada pela maior parte dos países da América do Sul, que formaram a chamada “onda rosa”, de governos de esquerda ou de esquerda-centro dispostos superar as travas do subdesenvolvimento no continente.

A oportunidade de se livrar para valer das amarras do Consenso de Washington surgiu com a crise de 2007-2008. Naquela conjuntura, o governo Lula deu um giro na condução da política econômica de modo a fomentar uma estratégia de desenvolvimento autonomista e de fortalecimento das relações Sul-Sul. Desse modo, o Brasil passou ao largo da crise, a qual afetou sobretudo os países centrais.

Essa resposta à crise, no Brasil e nos países vizinhos, correspondia a uma atualização do modelo nacional-desenvolvimentista dos meados do século XX, com o qual vivemos décadas de elevado crescimento econômico. Agora, no século XXI, os governos petistas procuraram revivê-lo para sustentar as políticas de inclusão e justiça social.

O sucesso desse esforço foi considerável, mas não pôde perdurar em meio a inúmeros obstáculos, não apenas econômicos e financeiros, e principalmente políticos. Obstáculos internos ao país, e outros erguidos na cena internacional – que passam inclusive pela ascensão de movimentos de extrema direita em todo o mundo. Até o início dos anos 2010 pudemos administrar os efeitos da crise.

De lá para cá vivenciamos o acirramento da luta de classes no país e a emergência de uma crise política provocada e sustentada pela articulação dos setores da mídia, do judiciário, do parlamento e do capital financeiro, que culminou com o processo de impeachment da Presidenta Dilma. A agenda do governo golpista tem reproduzido a cartilha neoliberal implementada no Brasil dos anos 1990, baseada na venda do patrimônio público, desestruturação de empresas nacionais, redução de direitos e conquistas sociais, flexibilização das leis trabalhistas e previdenciárias enfim, total reversão das conquistas e direitos da Constituição Federal de 1988 e dos governos democrático-populares de Lula e Dilma.

Vivemos ainda um processo de desqualificação da política, que também é global, expresso no rebaixamento da conduta dos representantes eleitos, nos ataques cotidianos da grande mídia contra o exercício da política e na mercantilização dos espaços e partidos políticos de nossa sociedade.

O que fazer diante de tal conjuntura? Além de defender a democracia e lutar contra o golpe, está posto também o desafio de atualização e mesmo (re)construção do projeto nacional da esquerda brasileira. Nas décadas de 1950, 1960 e 1970 as esquerdas do Brasil e da América Latina construíram projetos de desenvolvimento por meio de escolas de pensamento como a Cepal e a Teoria da Dependência.

Ambas as experiências produziram ideias contrahegemônicas, terceiromundistas, voltadas à superação do subdesenvolvimento na periferia do capitalismo. No período da “onda rosa” várias daquelas propostas e sonhos foram concretizados.  Entretanto, a rápida reversão de direitos conquistados indica que a opção por trilhar o caminho do desenvolvimento nos marcos do capitalismo mostrou-se insuficiente. O modelo de capitalismo associado que imperou nos anos 1970 segue presente ainda hoje, potencializado com a força avassaladora do capital financeiro.

É essa a realidade que temos que discutir em nossos encontros de 2017. O nosso país mudou e o mundo mudou. Que balanço faremos dessas mudanças? E, diante disso, como reformular as propostas do socialismo democrático à luz das questões de nosso tempo?

Por Luiza Dulci, militante da Juventude do PT, economista, assessora do Deputado Federal Patrus Ananias (PT/MG), membra do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo; e Otávio Dulci,  sociólogo e cientista político, professor de Relações Internacionais da PUC-MG, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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