Por trás dos excessos, o presidente de extrema direita brasileiro está desenvolvendo um projeto feito sob medida para a burguesia, finanças e interesses estrangeiros. Num país em que a segregação é rei e a democracia está em ruínas, a violência contra todos aqueles que criticam as normas do bolsonarismo está se acelerando.
O fascismo não se alimenta apenas de frases curtas e queixas diplomático. Nesse caso, os excessos e o permanente Grand Guignol do governo do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, nunca desencorajaram a burguesia e os detentores de interesses financeiros. Este, pelo contrário, via nele a possibilidade de pôr um fim às políticas progressistas da era Lula-Dilma (2003-2016), de retornar ao ultra-liberalismo e ao darwinismo social que caracterizavam o Brasil até a década de 1990. No último anúncio, a amputação, em 2020, dos orçamentos dos programas de acesso à habitação “Minha Casa, Minha Vida” e de combate à pobreza “Bolsa Família”, que beneficia 13,8 milhões de famílias. O orçamento do primeiro programa cairá de 4,6 bilhões de reais (1 bilhão de euros) para 2,7 bilhões (602 milhões de euros), o menor orçamento desde sua criação, em 2009.
Militarização de instituições públicas e saudação à bandeira
O governo ainda não decidiu o valor a ser rebaixado nos chamados subsídios do Bolsa Família. Atualmente, uma única pessoa recebe 89 reais por mês (cerca de 20 euros) e uma casa com crianças, 178 reais (quase 40 euros).
O programa de ensino superior para os mais pobres também deve ter seu orçamento drasticamente reduzido. Esses anúncios ocorrem após o congelamento de 30% dos créditos das universidades federais brasileiras. Para passar a pílula, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, primeiro alvejou três universidades, acusadas de serem gangrenadas pelo “marxismo cultural”, antes de generalizar a medida.
Em maio, o anúncio da suspensão de bolsas de mestrado e doutorado em ciências e humanidades também empurrou o mundo educacional para as ruas do país. Para colocar em passo professores e alunos, Jair Bolsonaro explicou na última sexta-feira que pretendia “impor” a militarização a instituições públicas. Um projeto piloto a esse respeito é conduzido pela polícia militar desde fevereiro em quatro escolas de Brasília, onde a saudação à bandeira e o vestuário obrigatório são agora a regra.
A juventude não é o único alvo da extrema direita brasileira. Em julho, os parlamentares votaram por grande maioria a reforma previdenciária, que prevê uma economia de 168 bilhões de euros em dez anos. Sua aprovação este mês pelo Senado não está em dúvida. A idade de aposentadoria seria assim de 65 anos para homens e 62 para mulheres.
Nunca saciado, as finanças convidam a ir além: “Não há realmente o suficiente para se alegrar. A reforma é positiva, mas não é excelente. Ele mantém muitos privilégios e é apenas um reboco em um sistema falido”, alerta Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América Latina da Goldman Sachs. É mais pressão para passar de um sistema de aposentadorias pré-pago para um sistema de financiamento privado que favorece os fundos de pensão.
Durante sua campanha eleitoral, Jair Bolsonaro se orgulhava de ter os patrões ao seu lado: “O que os empresários me dizem, e eu concordo com eles, é que o trabalhador terá que escolher: menos direitos e mais empregos ou mais direitos e desemprego”. A cantilena é conhecida. As empresas estão desmoronando sob as atuais regras, que as impede de contratar. Para “aliviar”, o presidente já anunciou que vai reduzir em 90% os padrões regulatórios de segurança e saúde no trabalho que descreve como “bizantino, anacrônico e hostil”. Não importa que, com as regras existentes, um acidente já ocorra a cada 48 segundos (700.000 por ano).
Para o deputado comunista Orlando Silva, além do desejo de Bolsonaro, “que o trabalhador trabalhe até sua morte com a reforma previdenciária, ele os deseja mortos”. Tudo em nome da retomada do crescimento e da criação de empregos. Porque, do ponto de vista estritamente econômico, Jair Bolsonaro não tem nada para mostrar. Enquanto a oitava maior economia do mundo está recuando da recessão, com o PIB subindo 0,4%, o desemprego ainda flerta com dois dígitos (11,8% em julho), apesar de um ligeiro declínio. O contexto da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos pesa sobre a economia brasileira. Em agosto, o comércio exterior caiu mais de 10%.
Além da operadora Eletrobrás, o porto de Santos – o maior da América do Sul – e os Correios, catorze outras empresas públicas podem ser privatizadas a longo prazo. O ministro da Economia, o Chicago Boy, Paulo Guedes, já havia se esforçado para convencer Jair Bolsonaro a privatizar a gigante petrolífera Petrobras.
Desde o início do escândalo de corrupção que afeta a empresa e desacredita o Partido dos Trabalhadores (PT) de forma duradoura, há, na realidade, uma batalha pela privatização da renda e pelo fim dos programas sociais financiados pela exploração desse recurso.
Desde o presidente Obama, os Estados Unidos deixaram claro que estão profundamente interessados no campo do pré-sal de Santos e uma parceria de exploração foi assinada nessa direção. Ainda assim, Washington se beneficiaria de ver a empresa totalmente privatizada.
Desmatamento triplicou em um ano
Antissocial, Jair Bolsonaro também está no terreno dos direitos dos povos indígenas da Amazônia. “Há muita terra para poucos nativos”, diz o chefe de Estado para justificar o fim da demarcação de terras indígenas e a continuação do processo colonial.
Além disso, durante os primeiros oito meses do ano, 44.000 incêndios foram registrados na floresta amazônica. Essa tragédia ecológica não é estranha ao projeto político e econômico do presidente de extrema direita e de seus amigos nos setores do agronegócio, mineração, rodovias e hidrelétricas.
“Desde a eleição de Bolsonaro, milhares de predadores florestais (garimpeiros, produtores de madeira e proprietários de terras) sentem-se habilitados a ignorar as regulamentações atuais, inclusive ameaçando os poucos agentes ainda dispostos a cumpri-las”, observa o historiador Maud Chirio artigo no Le Monde. O desmatamento triplicou em um ano, segundo o Instituto Brasileiro de Estudos Espaciais (Inpe), e existem inúmeras mortes de defensores indígenas ou ambientais.
Desde a eleição de Jair Bolsonaro, os mesmos impulsos assassinos foram implantados contra todas as minorias, feministas, sindicalistas, esquerdistas e ativistas LGBT. “O neoliberalismo, no contexto de uma sociedade violenta, desigual, segregada e de uma democracia prejudicada, pode gerar muito rapidamente comportamentos extraordinariamente destrutivos”, confirma Maud Chirio.
Mais do que um populismo, o bolsonarismo é um fascismo que sonha com uma sociedade livre de seus pobres e de todos aqueles que querem suprimir seus próprios padrões. Diante disso, alguns pedem para reviver o espírito dos comitês internacionais de solidariedade da década de 1970 que derrubaram os generais brasileiros. A Fête de l’Humanité será definitivamente colocada sob este signo.