Considerada “bem-vinda” por Jair Bolsonaro, a variedade ômicron varre o país, causando recordes de contágio e elevando o número de mortes. Cevada pelo negacionismo contumaz do presidente e seus cúmplices, também devasta um mercado de trabalho já enfraquecido pela precarização generalizada e pelo desemprego crônico. A ômicron fecha as portas de lojas, cancela vôos, suspende linhas de produção e impõe um “fique em casa” compulsório em meio à escassez de testes e ao apagão de dados.
Os números coroam o “conjunto da obra” bolsonarista, que inclui a cruzada contra a vacina, a campanha contra as medidas de isolamento social, o uso político do Ministério da Saúde e o argumento comprovadamente mentiroso de que o “fique em casa” destruiu a economia nacional. Atitudes que fizeram Luiz Inácio Lula da Silva afirmar, no fim de novembro de 2021, que Bolsonaro é “o maior aliado do coronavírus”.
Nesta quarta-feira (19), o país registrou a marca recorde de 204.854 novos casos, com 338 mortes por Covid-19 em 24 horas. A média móvel de novos casos quase quadruplicou em duas semanas, enquanto a média de mortes dobrou.
Ao mesmo tempo, até a quinta-feira (20), mais de 5,5 mil lojas de shoppings por todo o país tiveram de fechar as portas devido ao afastamento de funcionários por Covid-19 ou gripe. Outros mais de cinco mil estabelecimentos operam em horário reduzido.
A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) estima que a onda de contágio atingiu em torno de 10% das 111 mil lojas associadas, em um universo de 600 shoppings. “Muitas lojas não têm funcionários para cobrir o turno inteiro. Os lojistas nesta situação estão reduzindo o horário para abrir um turno. Muitas vezes, o proprietário da loja está cobrindo o funcionário”, relata à Folha de S.Paulo Mauricio Romiti, diretor na administradora de shoppings Nassau Empreendimentos.
O quadro é semelhante nos escritórios comerciais da capital paulista. Ao Valor Econômico, o presidente da consultoria imobiliária JLL, Fábio Maceira, diz que a expectativa de maior ocupação dos escritórios para este começo de ano foi adiada pelo aumento de casos de Covid-19. De modo geral, as companhias têm mantido o esquema de trabalho remoto do auge da pandemia ou optam por um sistema híbrido.
A própria JLL tem ocupação de 15%, ou 30 funcionários de 200. “Desde o início deixamos (o retorno ao escritório) flexível. Vem quem quer e quando quer. A nossa intenção é que, para a volta neste ano, as pessoas tenham de estar vacinadas”, conta Maceira. Segundo ele, 20% das transações feitas no ano passado foram de renegociação de contratos, com redução de áreas alugadas. Os setores que mais devolveram áreas foram financeiro, construção, serviços especializados e serviços digitais.
A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) calcula que 30% das faltas de trabalhadores nos canteiros são ocasionadas por casos de covid-19 e gripe. Embora a entidade não mencione o impacto nacional das ausências, vai iniciar uma pesquisa para certificar os números e divulgar dados oficiais sobre o tema.
Sindicatos cobram medidas para conter a curva de contágio
O diretor de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Antonio Raimundo Teles, ressalta no Correio Braziliense que o número de trabalhadores contaminados pelo coronavírus nas plataformas de petróleo deve ser maior do que o registrado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A agência deixou de fornecer os dados em seu site em 10 de janeiro, quando a média móvel já indicava 7,86 casos por dia.
“É importante considerar que o maior percentual da nossa produção está em estruturas em alto-mar, que é um ambiente de fácil contágio. Então, da forma como está ocorrendo a redução de efetivos, se o Ministério Público do Trabalho não agir, os casos podem continuar crescendo de forma exponencial e, assim, podemos ter plataformas paralisadas por segurança operacional”, alertou o dirigente.
Também intensivo em mão de obra, o setor elétrico volta a endurecer os protocolos para o serviço operacional de campo. A retomada às atividades no sistema híbrido de trabalho em escritório foi adiada nas principais companhias e o home office integral voltou a ser adotado sem prazo para acabar. Mais de dez executivos de alto escalão do setor estão infectados, atesta reportagem do Valor Econômico.
O setor bancário é outro a colecionar casos de afastamento devido a doenças após as festas de fim de ano. Dados preliminares de uma pesquisa feita on-line pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região mostram que mais de 88% dos bancários entrevistados relataram casos de Covid-19 ou gripe nos últimos 30 dias.
“Os dados apontam para um cenário de ampla contaminação nos locais de trabalho, que exige que o respeito aos protocolos seja redobrado, além da abertura de negociação com os bancos para a adoção de novas medidas de proteção para bancários e clientes”, disse Neiva Ribeiro, secretária-geral do sindicato. Mais de 150 agências já foram fechadas nas áreas abrangidas pelo sindicato por conta de infecções por covid-19.
No Polo Industrial de Manaus, um ano após o colapso no sistema de saúde da capital amazonense, o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas (Abraciclo), Marcos Fermanian, admite ainda não saber o número exato de afastados, mas já cogita perda de produção. “Não temos neste momento problemas de abastecimento (de peças e insumos). Mas isso vai depender de quanto tempo vai durar e a gravidade dessa terceira onda de covid”, comentou.
Pico de casos pode ocorrer em fevereiro
Ouvido pela CNN, o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, afirmou que o pico de contágio pela ômicron deve ocorrer em uma a duas semanas. “É uma estimativa difícil. Mas depois do pico, começa a cair. Talvez, no final de fevereiro o número de casos já será bem menor”, especulou.
Em meio a um apagão de dados da covid no Brasil desde 7 de dezembro, os cientistas do país constataram a explosão de casos de Covid na sequência das festas de fim de ano. Além do apagão de dados, outro problema é a falta de uma política de testagem em massa no país, uma das principais recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o enfrentamento da Covid-19. Segundo o site Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford, o Brasil é um dos países que menos testa na América do Sul.
“Estamos em um voo cego, e isso é gravíssimo porque a gente teve, ou está tendo ainda, um surto de influenza. Se a gente não souber quanto desses casos são covid-19, como que a gente coordena ações?”, questiona o pesquisador Paulo Inácio Prado, do Instituto de Biologia da Universidade de São Paulo (USP) e do Observatório Covid-19 BR.
Às vésperas do Natal, o aumento de buscas por testes rápidos nas farmácias já sinalizava uma piora do quadro, simultâneo à epidemia de gripe. A alta de casos da doença no Rio de Janeiro afetou 20% da mão de obra dos hospitais em dezembro. A Secretaria Municipal de Saúde registrou o afastamento de 5,5 mil profissionais, infectados pela ômicron ou o H3N2, subtipo do Influenza A.
“Muitos serviços terão que ser suspensos porque não teremos pessoas para desenvolver atividades. Estou falando isso em relação a transporte coletivo, transporte aéreo, unidades de saúde, as pessoas estão ficando contaminadas e o afastamento delas leva a uma dificuldade muito grande”, lamentou na CNN Brasil o coordenador-executivo do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo, João Gabbardo.
Da Redação