A negligência do presidente Jair Bolsonaro diante da maior pandemia de saúde mundial desde a gripe espanhola de 1918 já custou a vida de pelo menos 28 mil brasileiros. A afirmação foi feita pelo ex-ministro de Ciência e Tecnologia do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e integrante do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, Sérgio Rezende. De acordo com Rezende, se o governo federal tivesse imposto medidas para isolar pelo menos 60% da população desde a chegada da pandemia do coronavírus, em fevereiro, o país teria perdido cerca de 6 mil pessoas.
Os dados foram divulgados na sexta-feira (5) durante a videoconferência “O Valor da Ciência, da Tecnologia e da Inovação como política de Estado”, coordenado pelo Observatório da Democracia. As afirmações de Rezende passaram despercebidas pela cobertura da grande imprensa mas ganharam repercussão nesta terça-feira (9) na coluna da jornalista Samanta Sallum, do ‘Congresso em Foco’. Rezende afirmou que o estudo foi encomendado ao subcomitê de projeções do consórcio, que aplicou uma projeção matemática a partir do gráfico com a curva de óbitos desde a primeira morte, em 16 de março.
“Nós vemos um governo federal completamente descoordenado, desgovernado”, afirmou Rezende. Para ele, o aumento das mortes deve-se ao fato de que o país não adotou o confinamento como deveria desde o início da pandemia. “A China, que tem 1,2 bilhão de habitantes, adotou medidas e teve 4.500 mortes”, comparou Sérgio Rezende. “O Brasil está em uma situação dramática”, atestou o pesquisador, frisando que o número de óbitos vai aumentar muito. “O enfrentamento da pandemia deve ser feito com a ciência”, advertiu.
Sonegação de dados
O Brasil enfrenta o pior momento da pandemia até agora ao mesmo tempo em que Bolsonaro sonega e dificulta o acesso da população às informações relativas ao avanço da doença. Nesta terça, o país registrou 719.449 casos confirmados e 37.840 mortes, de acordo com o levantamento do consórcio formado por ‘G1′, ‘O Globo’, ‘Extra’, ‘O Estado de S.Paulo’, ‘Folha de S.Paulo’ e ‘UOL’. Desde a segunda-feira (8), o consórcio passou a coletar os dados diretamente junto às secretarias estaduais de Saúde. Diante da sabotagem governista, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou na noite de segunda que o governo volte a divulgar integralmente os dados sobre coronavírus no país.
“Quando havia 100 mortes, Bolsonaro disse que a Covid-19 não passava de uma gripezinha. Quando completaram 10 mil mortes, ele questionou: E daí? Com 20 mil mortes, Bolsonaro jogou a culpa em prefeitos e governadores. Agora, com 35 mil mortes, Bolsonaro tenta esconder os dados de uma catástrofe anunciada por todos os especialistas em saúde pública. O presidente errou ao negligenciar e fazer pouco caso do combate à pandemia”, criticou Rogério Carvalho (SE), líder do PT no Senado.
“O Brasil está a quase um mês sem ministro da Saúde e, agora, toma a decisão bizarra de alterar os critérios de divulgação de pessoas infectadas e mortas pelo Coronavírus”, observou o senador Humberto Costa (PT-PE). “Bolsonaro quer confundir o povo com essas informações conflitantes. Essa atitude compromete a imagem do Brasil perante o mundo e faz com que o povo perca ainda mais a credibilidade nas instituições”, disse.
Milhões de vidas salvas
Até o início de maio, pelo menos 3,2 milhões de pessoas foram salvas da morte por causa das medidas de isolamento adotadas na Europa. A conclusão é do Imperial College de Londres, que estudou o impacto da quarentena em 11 países europeus. Os pesquisadores usaram um modelo de acompanhamento da doença para prever quantas mortes teriam ocorrido se os países não tivessem implementado a quarentena. O estudo foi divulgado na segunda-feira (8).
“O bloqueio evitou milhões de mortes, essas mortes teriam sido uma tragédia”, disse o Dr. Seth Flaxman, do instituto, à ‘BBC’. O lockdown – bloqueio total – salvou cerca de 450 mil vidas na Espanha, 470 mil no Reino Unido, 690 mil na França e 630 mil na Itália, destaca o relatório, que foi publicado na revista ‘Nature’. “O bloqueio evitou milhões de mortes, essas mortes teriam sido uma tragédia”, disse o Dr. Seth Flaxman, da Imperial.
“A taxa de transmissão do vírus caiu até estar sob controle em todos os países estudados”, concordou Shamir Batt, estatístico da Universidade Oxford e coautor do estudo, em depoimento ao diário espanhol ‘El País’. Além dos países citados, também foram estudados Áustria, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Noruega, Suécia e Suíça. Ate o fim do período coberto pelo estudo, no início de maio, cerca de 130 mil pessoas já haviam morrido em decorrência da pandemia.
OMS desmente Bolsonaro
Utilizando sua contumaz desonestidade intelectual para fortalecer a estratégia de sabotagem ao combate à doença, Bolsonaro tirou de contexto um dado da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre contágio de assintomáticos para justificar uma flexibilização no isolamento social. Na segunda-feira, a chefe do programa de emergências da OMS, Maria van Kerkhove, havia dito que a transmissão de pacientes sem sintomas parece ser rara. Ela se referia a uma parte pequena de estudos ainda inconclusivos. Foi o bastante para Bolsonaro se apressar a tirar conclusões.
“Esse pânico que foi pregado lá atrás por parte da grande mídia começa talvez a se dissipar levando em conta o que a OMS falou por parte do contágio dos assintomáticos”, afirmou Bolsonaro, durante reunião ministerial transmitida nesta terça. A mais nova fake news de Bolsonaro, no entanto, não durou muito: a OMS veio a público esclarecer o assunto. “Estamos absolutamente convencidos de que a transmissão por casos assintomáticos está ocorrendo, a questão é saber quanto”, afirmou o diretor de emergências da OMS, Michael Ryan.
Maria van Kerkhove também se manifestou. “Acho que é um mal-entendido afirmar que uma transmissão assintomática globalmente é muito rara, sendo que eu estava me referindo a um subconjunto de estudos”, justificou Krekhove. “Também me referi a alguns dados que ainda não foram publicados, e essas são as informações que recebemos de nossos Estados-Membros”. Para ela, é necessário separar assintomáticos de pré-sintomáticos. Portanto, concluiu, as recomendações da OMS continuam valendo.
SRAG, rota das subnotificações
Em meio à confusão e desinformação geral causadas pelo governo, o Brasil segue no escuro em relação ao real avanço da doença. Menos de 1 milhão de habitantes foram testados, o que sugere que as subnotificações são a ponta do iceberg da pandemia no país. De acordo com o dados do Portal de Registro Civil, houve um aumento explosivo do número de registros de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) neste ano.
Segundo o Portal da Transparência da Central Nacional do Registro Civil, de janeiro até agora, foram registradas 8.211 mortes por SRAG em todo o país, ante 595 óbitos entre 1º de janeiro a 9 de junho de 2019. O número é mais de 13 vezes maior e reforça a necessidade da aplicação urgente de testes em massa para o rastreamento do real avanço da pandemia.
Da Redação, com informações de Congresso em Foco e agências internacionais