A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deve votar nesta quinta (20) o parecer favorável do relator Darci de Matos (PSD-SC) à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, da Reforma Administrativa. Aliada aos demais partidos de oposição, a bancada do PT na CCJ tentou obstruir a leitura do relatório, na segunda (17), mas o requerimento de retirada de pauta foi derrotado pela base bolsonarista.
O PT anunciou que votará pela inadmissibilidade da PEC, por entender que ela fere a Constituição e ataca direitos e garantias individuais, prejudicando os servidores públicos. Os parlamentares petistas também citam a discricionariedade da proposta do desgoverno Bolsonaro, que poupa militares e alguns membros do Legislativo, Executivo e Judiciário na reforma.
“Quem é o servidor público brasileiro? É o militar de alta patente que está protegido pelo governo?”, questionou a deputada Maria do Rosário (PT-RS). “Abram tudo o que há sobre funcionalismo público e veremos que os militares têm recebido recursos e reajustes acima da inflação. Mas os demais servidores estão com os salários congelados, já passaram por várias reformas da Previdência e estão escorchados, massacrados.”
O deputado Léo de Brito (PT-AC) ressaltou que a reforma afetará apenas a parcela dos servidores com baixos salários. “A gente não vê esse mesmo espírito em relação aos privilégios de magistrados, de procuradores, de militares. Pelo contrário, o que vemos é o orçamento paralelo e, agora, o Ministério da Economia publicando portaria que garante aumento de salário extra-teto para o presidente e o vice-presidente da República”, criticou.
Presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores, a deputada Gleisi Hoffmann (RS) rebateu a avaliação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o Estado brasileiro é inchado. “Nós não temos um Estado agigantado, nós não temos muitos servidores públicos. Se vocês querem combater privilégios, por que não propuseram medidas em cima do Judiciário, do Ministério Público, em cima dos militares?”, contestou.
Militares avançaram sobre cargos no governo federal
As críticas dos parlamentares petistas encontram respaldo no estudo ‘A Militarização da Administração Pública no Brasil: Projeto de Nação ou Projeto de Poder?’, lançado nesta terça (18). Segundo o cientista político William Nozaki, autor do levantamento elaborado para o Fórum Nacional das Carreiras Públicas de Estado (Fonacate), mais de seis mil militares atuam em cargos civis no desgoverno Bolsonaro.
“É crescente o número de militares cedidos para cargos civis no governo federal ao longo dos últimos anos”, relata Nozaki. “Os militares das Forças Armadas conformam o grupo com maior presença na esplanada ministerial do governo Bolsonaro: até o final de 2020 esse segmento ocupou 10 ministérios.”
“Chama atenção a presença contundente no Ministério da Educação, fundamentalmente nas áreas ligadas ao ensino superior; no Ministério da Saúde atuando na Anvisa; no Ministério da Agricultura ocupando o Incra; no Ministério dos Direitos Humanos, ocupando a Funai; no Ministério da Cidadania, ocupando a pasta responsável pelos Esportes; no Ministério do Desenvolvimento Regional, ocupando o departamento responsável pela defesa civil”, elencou o pesquisador.
O estudo aponta que militares também ocupam postos de direção ou em conselhos de administração de algumas das maiores empresas estatais do país, como Petrobras, Eletrobras, Itaipu Binacional, Telebras, Correios e Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.
E se em 2018 a chapa presidencial vitoriosa foi composta por um capitão e um general, nas eleições municipais de 2020 houve o maior número de candidatos militares dos últimos 16 anos. No total, 6.755 deles concorreram a cargos de prefeitos ou vereadores.
“Os militares não necessariamente dispõem de uma estratégia prévia, organizada teleologicamente, para o país, mas talvez disponham de uma tática prévia, organizada corporativamente, para se colocarem nos principais espaços decisórios do Estado-nacional”, argumenta Nozaki.
“Não parece exagerado afirmar que os militares compõem o grupo melhor distribuído estrategicamente nos postos do governo e em condições de impor alguma tutela sobre o bolsonarismo, caso a conjuntura conduza a esse cenário”, alerta o pesquisador.
“Ganhos corporativos” com Bolsonaro
“Os tentáculos das armas se estendem de uma maneira mais ampla por toda a estrutura do governo. Tal presença não só é, certamente, uma das maiores da história brasileira de todos os tempos, de fazer inveja até mesmo aos períodos militares, como também ela tem rendido outros ganhos corporativos às Forças Armadas”, descreve Nozaki.
Entre esses ganhos corporativos, ele destaca que “as diferenças remuneratórias foram intensificadas com a reforma do ‘sistema de proteção social’ dos militares”. Além da possibilidade de retorno às atividades quando são transferidos para a reserva remunerada, com adicional de 30% dos proventos, os militares também recebem auxílios funeral e natalidade bem mais altos que os servidores civis.
O sistema de proteção ainda garante que os estudantes de escolas militares tenham computado o tempo de serviço desde o primeiro dia, e o atendimento à saúde prossiga até o fim da vida. Já os filhos dos militares desfrutam de regras privilegiadas para ingressarem nessas escolas militares.
“De fato, os militares contam com um sistema de proteção trabalhista, social e previdenciário que não está disponível para a maioria dos cidadãos e civis brasileiros. Nem mesmo os do setor formal da economia ou membros civis da burocracia pública”, constata o cientista político.
“Privilégios foram reafirmados e ampliados nas reformas previdenciária e trabalhista. Desde então os militares têm acumulado saldos e soldos e têm sido agraciados com mais e novas benesses pelo governo Bolsonaro”, prossegue Nozaki, lembrando que, entre os servidores públicos, os militares são os que custam mais caro para a Previdência.
“Apesar disso, a reforma da previdência militar sancionada em 2019 deu mais vantagens a essa categoria”, ressalta o cientista político. Enquanto trabalhadores da iniciativa privada se aposentarão com a média dos salários da ativa, militares terão salário integral. Além disso, não cumprirão idade mínima obrigatória, enquanto o trabalhador comum terá que atuar até os 65 anos.
Para Nozaki, não é mais possível isentar as alas militares da responsabilidade e da cumplicidade com o desastre protagonizado por Bolsonaro. O exemplo mais emblemático na desmistificação da suposta aura de competência política, intelectual e administrativa dos militares, diz ele, é o ex-ministro da saúde general Eduardo Pazuello.
“Em um período marcado pela intensa presença de militares na administração pública federal, é importante que o conjunto da sociedade civil possa ter conhecimento dos espaços ocupados pela farda no atual governo, tanto para avaliações positivas quanto para avaliações negativas de suas gestões”, recomenda o pesquisador. “Um debate mais transparente e menos mistificado sobre a questão militar é importante para o Brasil.”
Da Redação