Paulo Pimenta: “CPI do genocídio: Com que roupa… que eu vou?”

O depoimento do general Pazuello expõe a corporação militar atada a uma aventura neofascista que se revelou danosa para a saúde do povo e das instituições, da Constituição e da democracia

Gustavo Bezerra

Deputado Federal Paulo Pimenta (PT-RS)

“Com que roupa… eu vou?
ao samba que você me convidou..”
Noel Rosa

Diante do espelho o general da Arma da Intendência, Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, é tomado pela dúvida: “Com que roupa… Eu vou?” Como no samba de Noel. É general da ativa! Deve pensar em ir fardado para “impor respeito” aos paisanos e tentar evitar que eles façam provocações.

Ou será melhor ir de terno e gravata?

Deve pensar que nessa segunda opção os paisanos o tomarão como um dos seus e se sentirão mais à vontade. E, assim, será tratado com mais amenidade, elegância, sem perguntas inconvenientes.

Faço essa introdução para refletir sobre o esperado depoimento do general à CPI do Genocídio no Senado e a sua solidão.

A convocação para prestar esclarecimentos à CPI da pandemia sobre ações e omissões do Ministério sob seu comando frente à crise sanitária provocada pela Covid-19 levou o general Pazuello, o Exército e o governo Bolsonaro a uma situação inédita: um general da ativa vai se sentar diante do poder civil para prestar um depoimento, por enquanto, na condição de testemunha.

Sem analisar adequadamente o cenário, tomados talvez por um entusiasmo momentâneo, identificados com o discurso reacionário da extrema-direita, (os militares) dispuseram-se a participar do governo do ex-capitão Jair Bolsonaro. Por diferentes motivos foram atraídos para a armadilha em que hoje se debatem

Desempenho medíocre

Foi posta em cheque a inconsequência com que conduziu a instituição militar a que pertence. O Exército não se preocupou em preservar sua imagem ao fechar os olhos quando um dos seus oficiais generais – da ativa, é bom lembrar – assumiu um posto civil na linha de frente de governo – o posto de Ministro da Saúde – para o qual não apresentava nenhuma aptidão técnica ou de liderança política, como ficou comprovado pelo seu pífio desempenho.

Contrariando seu discurso público tradicional, em que reiteram a observância do seu papel como instituição estável do poder de Estado e não de governo, de acordo com os princípios constitucionais, os generais subestimaram os perigos de imiscuir-se nas disputas políticas. Escolheram a instabilidade.

Sem analisar adequadamente o cenário, tomados talvez por um entusiasmo momentâneo, identificados com o discurso reacionário da extrema-direita, dispuseram-se a participar do governo do ex-capitão Jair Bolsonaro. Por diferentes motivos foram atraídos para a armadilha em que hoje se debatem.

Golpismo militar

É de domínio público o envolvimento das Forças Armadas, particularmente o Exército, no golpe que depôs a presidenta Dilma em 2016. Em seguida, a participação no governo golpista de Michel Temer. Decorrência natural foi o compromisso com a campanha que elegeu Bolsonaro e seu vice, o general Mourão. Ou seja, não há como engolir o discurso repetido pelos chefes de que se atêm ao papel que a Carta Magna lhes atribui.

Todos se lembram: o general Pazuello deixou a Secretaria Executiva do Ministério da Saúde na maré montante da aventura bolsonarista que defenestrou Henrique Mandetta e depois o médico Nelson Teich, que sobrevivera por menos de um mês no cargo. Pazuello militarizou o Ministério da Saúde quando assumiu o cargo de ministro interino da área.

Sabemos agora pela própria boca do doutor Teich, em depoimento aos senadores membros da CPI da pandemia, as razões do seu afastamento. Negou-se a autorizar a fabricação e a distribuição de cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para tratar quem é atacado pela Covid-19: “Minha convicção pessoal era de que não havia evidência para liberá-lo, mas havia uma visão diferente por parte do Presidente”, disse ele.

Genocídio com estímulo do governo militar

Neste momento, depois do trágico resultado de 439 mil mortos, o exército se empenha em enviar mensagens para a sociedade, fazer gestões nos bastidores e tentar salvar a própria imagem, com um discurso que, por si só, já é uma quase confissão: “não se pode tomar a instituição por um único indivíduo”. A disputa política é cheia de riscos e imprevistos, general Pazuello. A solidão é um deles. Talvez o pior.

Eduardo Pazuello deixou a Secretaria Executiva do Ministério da Saúde para uma longa interinidade no comando da pasta da Saúde , considerando as dimensões da crise sanitária, e foi finalmente nomeado titular do Ministério da Saúde em 16 de setembro de 2020.

Como declarou não saber o que significava a sigla SUS, foi apresentado ao país como um gênio da logística! O Brasil somava então 134 mil óbitos por Covid-19. Em 25 de março de 2021, quando o general foi afastado do ministério, seis meses e onze dias depois, diante da tragédia de Manaus e do colapso do sistema de saúde em suas maiores cidades, o País chorava 319,4 mil brasileiros mortos pela pandemia.

Digitais do Exército

Ao instalar no Senado a CPI da pandemia, a sociedade testemunha a cena constrangedora, não há como escapar ao óbvio, a crise sanitária no País tem as digitais do Exército brasileiro. O general Pazuello fugiu do depoimento na data marcada anteriormente. O experiente Senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI veio a público expressar o sentimento dos senadores: “Foi um constrangimento muito grande para a CPI e para o próprio Exército. O presidente da Comissão, Omar Aziz (PSD-AM), falou em algumas oportunidades com o comandante do Exército e, claramente, o ex-ministro Pazuello procura transformar a corporação em um biombo para não comparecer.”

Renan Calheiros explica: “Pazuello não vai depor como investigado. Vai como testemunha. E tem uma sutileza importante aí. O Supremo decidiu que o investigado não é obrigado a comparecer para depor, para não produzir prova contra ele próprio, que é um princípio constitucional. Mas a testemunha, não. Essa tem de comparecer e prestar depoimento sob o compromisso de dizer a verdade.”

E adverte: “A narrativa que querem fazer é que nós queremos expor a instituição (o Exército). Isso não vai acontecer. Vamos ouvir o Eduardo Pazuello como ministro. Queremos saber como ele colabora para os esclarecimentos dos fatos que nos levaram a essa situação.”

Que roupa?

Do lado de fora do palco principal, o general Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro e hoje um crítico veemente do governo, reforça: “Os militares se tornam ministros individualmente. Não tem nada a ver com a instituição. A responsabilidade é absolutamente individual. A instituição não tem nada a ver com as responsabilidades e competências dele.”

A esta altura, nos parece que a roupa escolhida pelo general Pazuello prestar seu depoimento à CPI foi o habeas corpus concedido pelo STF. É um direito seu. A corporação militar cuida previamente de lavar as mãos a respeito do destino de um dos seus oficiais superiores. Entretanto, permanece calada diante de alguns milhares de oficiais alojados em postos do governo, atada uma aventura neofascista que se revelou danosa para a saúde do povo e das instituições, da Constituição e da democracia.

Paulo Pimenta é deputado federal ( PT/RS)

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