Partido dos Trabalhadores

No Senado, setor produtivo defende queda imediata dos juros para retomada do país

Em debate, Campos Neto vê retórica do arrocho monetário desabar diante de senadores e representantes da indústria e dos transportes. “Estamos com vários setores da economia drasticamente afetados”, alertou Haddad

Foto: Alessandro Dantas

Haddad, no Senado, ao lado de Campos Neto: "Se a economia continuar desacelerando, por razões ligadas à política monetária, nós vamos ter problemas fiscais, porque a arrecadação vai ser impactada”

Habituado à bolha do capital financeiro, seu habitat natural, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, passou pelo constrangimento de ouvir relatos de agentes do setor produtivo sobre o estado da economia real, nesta quinta-feira (27), no Senado Federal. Pela segunda vez nesta semana, em debate promovido pela Casa sobre juros, inflação e crescimento, Neto viu sua retórica cair por terra diante dos fatos: o país não terá condições de atrair investimentos e se desenvolver com as taxas de juros abusivas de 13,75%. O patamar tem sido mantido por Neto de modo inexplicável, sobretudo em um ambiente de desaceleração da inflação.

Mesmo em queda, o índice tem sido usado por Neto para segurar os juros nas alturasVisivelmente nervoso, o burocrata procurou ancorar-se em uma espécie de ‘manual pessoal de boas práticas do mercado financeiro’, recorrendo a termos como “condições financeiras” e “credibilidade”, além de insistir no “diagnóstico” de que a inflação de curto prazo não tem caído na velocidade necessária para que os juros sejam reduzidos.

Assim como na audiência de terça-feira (25), na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), não convenceu. Neto estava diante de senadores, representantes de setores essenciais da economia como indústria, transporte e comércio, além de economistas e os ministros Simone Tebet, do Planejamento, e da Fazenda, Fernando Haddad, representando o governo federal.

 “Se a economia continuar desacelerando, por razões ligadas à política monetária, nós vamos ter problemas fiscais, porque a arrecadação vai ser impactada”, alertou Haddad, na abertura do debate. “Não tem como dissociar o monetário do fiscal”, disse, ao defender uma harmonização entre política fiscal e monetária para reduzir a Selic e alavancar o crescimento brasileiro.

“Estamos com vários setores da economia drasticamente afetados, advertiu. “Recebo vários setores, dizendo das dificuldades, desde uma Santa Casa até uma companhia aérea, passando pelo varejo”, afirmou o ministro, ao apontar o desequilíbrio entre a política monetária do Banco Central e a política econômica.

“Temos uma agenda importante de recuperação da nossa capacidade de crescer, gerar emprego, renda, gerar desenvolvimento”, pontuou Haddad, lembrando que a matriz produtiva do país encontra-se “completamente defasada”.

Escassez de crédito

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, expôs o quadro de escassez de crédito ao setor produtivo, derivado da atual taxa Selic. “Não tem nenhuma atividade empresarial, industrial, que tenha capacidade de enfrentar uma situação dessa”, lamentou Andrade.

“O banco que faz um empréstimo nessas condições, se está pensando na rentabilidade das empresas, está indo na direção errada”. Indiretamente, Andrade frisou que a inflação não pode ser usada como desculpa para o Bacen manter os juros elevados. “É claro que a inflação não pode ser elevada. Todos nós concordamos com esse ponto”, disse.

“Agora, nós também precisamos dosar esses juros, presidente Roberto Campos [Neto], para que atenda, claro, as questões da meta de inflação, mas que também não prejudique o crescimento e o desenvolvimento econômico”, observou Andrade.

Juros incompatíveis com setor produtivo

Ciente da impossibilidade de harmonizar aumento da produtividade com arrocho monetário, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, apontou para uma incompatibilidade da taxa Selic com o crescimento da atividade industrial.

“Sinto dizer que não há negócio capaz de fazer frente a tamanho custo de capital”, comentou Gomes. “O impacto na indústria tem sido devastador. O estoque de capital da indústria já foi superior a 20% nos anos 80 e hoje está em 11%. Os investimentos não cobrem nem a deterioração do maquinário na última década”, criticou.

“Estamos por tempo demais com o crescimento estagnado”, definiu o presidente da Fiesp. “Ao crescermos pouco, com taxas de juros nominais muito acima da taxa de crescimento da economia, precisamos de superávits maiores para reduzir o endividamento”, completou, lembrando que, só no ano passado, o país torrou 5% do PIB apenas com juros da dívida. Ele ainda sugeriu ao Senado promover um debate específico sobre a situação da indústria no país.

Selic afeta dívida e retira investimento em  transportes

Fernanda Schwantes, gerente Executiva da Confederação Nacional do Transporte (CNT), chamou a atenção sobre como a taxa de juros impacta negativamente nos investimentos em infraestrutura de transporte no Brasil. Schwantes destacou a perda da capacidade de investimento no setor por parte do governo federal, alcançando, em 2022, o menor nível nos últimos anos, menos de 1%.

“É uma preocupação grande para o setor a perda dessa capacidade. E a taxa de juros elevada prejudica investimentos privados em infraestrutura de transporte”, avaliou Schwantes. Ela utilizou ainda dados do próprio BC para mostrar que, a cada ponto percentual de elevação da Selic o custo de rolagem da dívida pública sobe em R$ 40,6 bilhões, mais de duas vezes o orçamento federal para investimentos no setor neste ano, da ordem de R$ 17,4 bilhões.

É preciso rever metas de inflação

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) voltou a defender um afrouxamento das metas dei inflação para harmonizar as políticas monetária e fiscal e, com isso, reduzir os juros no país. “Essa meta [3,25%] foi definida baseada em quê?”, indagou. “Por que temos uma meta de 3% se a inflação está prevista para 6%? Precisa rever para uma meta mais realista, isso abre espaço fiscal”, explicou.

“Não podemos pensar em um país em que não haja margem para o investimento público. Sem investimento público, não há investimento privado. O mundo todo sabe disso”, refletiu.

Da Redação