O Brasil, pós-golpe parlamentar de 2016, vive momentos de tensão e angústia pelo que representam e ainda podem representar as reformas e medidas sociais e econômicas já adotadas e anunciadas pelo governo ilegítimo e golpista de Michel Temer.
Nesse contexto de perplexidades, realiza-se, em abril próximo, o VI Congresso do Partido dos Trabalhadores. Será instante de reflexão, de debate e de reorganização do partido para enfrentar uma etapa histórica de dificuldades. A oportunidade de aprovar uma plataforma programática e um plano de ações que unifiquem o partido e o sintonize com o povo brasileiro, a classe trabalhadora e os movimentos sindicais e sociais.
No campo, assim como nas cidades, o PT não pode tolerar o retrocesso político, social e econômico. Ao lado de se opor, com radicalidade, ao governo golpista e suas ações ilegítimas, o partido precisa ter um programa, claro e objetivo, capaz de sensibilizar e mobilizar a sociedade e seus atores ativos para enfrentar e superar a crise que vivemos.
A soberania e a segurança alimentar não são questões relativas só à agricultura ou à área rural, referem-se também às populações das cidades, em especial dos grandes centros urbanos, que dependem do acesso a alimentos produzidos internamente no país.
Ainda que as commodities, produzidas pela agricultura empresarial – o agronegócio – tenham desempenho significativo na produção agrícola e papel fundamental nas exportações e no equilíbrio da balança de pagamentos do Brasil, a agricultura familiar e camponesa tem um peso importante na produção agrícola para o abastecimento do mercado interno, além de responder por 77% das pessoas ocupadas no campo.
A concentração fundiária é elevada e o potencial da agricultura familiar e camponesa está longe de ser alcançado, quer pela necessidade de maior incentivo aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária, quer pela necessidade de ampliar as desapropriações dos grandes imóveis rurais que não cumprem a sua função social.
O fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, além de favorecer a soberania e a segurança alimentar do país garante a sustentabilidade ao harmonizar a proteção do meio ambiente e a produção de alimentos saudáveis para a população brasileira. Ao lado disso, priorizar a reforma agrária e a agricultura familiar é a principal estratégia econômica e social de combate à fome, à pobreza e às desigualdades no campo.
Desde a criação do Incra em 1970, foram desapropriados por interesse social para fins de reforma agrária cerca de 31 milhões de hectares em todo o país de um total de 88 milhões de hectares incorporados pelo Incra em projetos de reforma agrária, nos quais quase um milhão de famílias foram assentadas, sendo 60% nos governos Lula e Dilma.
O crédito distribuído pelo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da agricultura Familiar) saltou de R$ 3 bilhões, na safra 2002/2003, para quase R$ 30 bilhões, na safra 2015/2016, ainda assim muito aquém dos recursos destinados ao agronegócio. Segundo relatório divulgado pela Oxfam, 4.013 grandes proprietários rurais possuem débitos fiscais no valor de 906 bilhões de reais inscritos na Procuradoria da Fazenda Nacional.
Um dos principais problemas causados pelo modo de produção da agricultura patrona é a degradação ambiental e a contaminação de alimentos pelo uso intensivo de insumos químicos e agrotóxicos, afetando diretamente o meio ambiente e a saúde da população. A dependência de insumos (sementes transgênicas, fertilizantes químicos e agrotóxicos) produzidos e dominados por empresas multinacionais fere a nossa soberania alimentar.
A soberania nacional também é atingida pela nova legislação, em tramitação no Congresso, que facilita a aquisição de terras rurais por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras. É atingida ainda pela regularização indiscriminada de grandes áreas na faixa de fronteira, entre as quais terras adquiridas e tituladas de forma irregular e fraudulenta, conforme constatado pelo Incra e o Ministério Público Federal.
O retrocesso nas políticas públicas para o campo, se expressa, igualmente, na Medida Provisória que estabelece novas regras para a reforma agrária e a regularização fundiária, favorecendo a grilagem de terras, principalmente na Amazônia, e a especulação e a reconcentração fundiária nas áreas de assentamento. Os conflitos de terras e o crescimento da pobreza, das desigualdades e da violência serão inevitáveis.
Os desafios do PT são muitos e não poderão ser enfrentados sem mobilização popular e unidade das esquerdas e dos movimentos sindicais e sociais. A CUT e outras centrais, a Contag, a Fetraf, o MST, a Via Campesina e outros movimentos são os protagonistas no enfrentamento do retrocesso e na construção de um novo projeto para o agro brasileiro.
Por Osvaldo Russo, estatístico, filiado ao PT-DF, é conselheiro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). Foi presidente do Incra e coordenador agrário nacional do PT, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.