Pressionadas por um mercado de trabalho deteriorado, pela escalada inflacionária e pela queda generalizada da renda, as famílias brasileiras enfrentarão dificuldade cada vez maior para comprar o pão nosso de cada dia. As sanções impostas à Rússia, maior exportadora de trigo do mundo, encarecerão ainda mais não apenas o pão francês, como também bolos, biscoitos e massas em geral.
A Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip) estima que o pão francês subirá de 10% a 20%. “O quilo varia hoje de R$ 8,90 a R$ 15,90, mas esses números tendem a aumentar porque a farinha de trigo teve o maior aumento dos últimos 14 anos no mês passado”, diz o vice-presidente da entidade, Paulo Pereira. “Os preços já vinham subindo e a guerra na Europa piorou a situação. Não aguentaremos não repassar, porque não temos mais gorduras para queimar.”
Em nota, a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi) afirmou que o quilo do pão francês pode chegar a R$ 20 em algumas cidades. Isso deve ocorrer quando as indústrias comprarem as novas safras. Ainda existe a entrega de farinha compromissadas em contratos antigos, mas a disparada da cotação do trigo começa a ser sentida nas negociações futuras.
O grão subiu mais de 25% depois do início do conflito e, no ano, já acumula alta de 43%. Na Bolsa de Chicago (EUA), a tonelada da commodity subiu de US$ 287, antes do conflito, para US$ 385 nesta segunda-feira (14).
“O que se pode afirmar é que haverá reajustes de preços nas próximas semanas, mas, com o horizonte indefinido, já que, a cada notícia da guerra, o preço do trigo no mercado internacional oscila para cima ou para baixo com valores expressivos”, afirma a nota da Abimapi. Também sofrerão impacto outros produtos que utilizam trigo na composição, como biscoitos, massas e bolos. Nas massas, em média, 70% do custo é de farinha. Nos biscoitos, o peso é de 30%, e nos pães e bolos industrializados, de 60%.
Lucilio Alves, professor da Faculdade de Agricultura da USP, lembra que não é somente o trigo que tende a pressionar o valor da farinha e seus derivados. “O trigo representa menos de 50% do custo da farinha e, quando esta vai para o atacado e varejo, novos custos são incorporados, como transporte e tributação.”
Nos últimos 12 meses, ainda sem o impacto da guerra, o macarrão subiu 12,01%, acima dos 10,54% da inflação acumulada no período. Já os panificados acumulam alta de 9,49%, com o pão francês tendo disparado 16% no acumulado do período.
“Embora ainda não tenha sido capturado nos indicadores oficiais, o consumidor percebe um aumento de 20% a 25% no preço do pão nas padarias e supermercados. Isso já sinaliza um aumento do preço do trigo na formulação do produto”, afirmou à CNN o economista e professor do Ibmec Gilberto Braga. “A continuidade da guerra poderá decretar um período de novos aumentos, mas é provável que o patamar mais caro continue pelo menos até a previsão de quando o conflito poderá terminar.”
Dependência de importações expõe o Brasil às variações do preço internacional
A Rússia é o maior exportador de trigo do mundo e a Ucrânia ocupa a quarta posição. Os dois países são responsáveis pelas exportações de 30% do trigo global, 19% do milho e 80% do óleo de girassol. Em 2021, os russos produziram 88,9 milhões de toneladas de trigo, atrás de União Europeia, China e Índia. A Ucrânia foi o quinto maior produtor.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a previsão anterior ao conflito era de que os dois países contribuíssem com 52 milhões de toneladas, de um total de 203 milhões toneladas exportadas na safra 2021/22.
Já o Brasil produz menos da metade do trigo consumido no país. Em 2021, houve déficit de 6,4 milhões de toneladas, mesmo com a expansão de 8,1% da área plantada em relação à safra 2019/2020. Por isso, são importadas de seis a sete toneladas por ano de países como Argentina, Canadá e Estados Unidos. A dependência de importações expõe o Brasil às variações internacionais da cotação da commodity.
O presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa, diz que, no ano passado, de 6,224 milhões de toneladas importadas, apenas 28,009 mil toneladas vieram da Rússia. A maior parte, 5,433 milhões de toneladas, foram de cereal argentino, conforme dados do Agrostat – sistema de estatísticas de comércio exterior do agronegócio brasileiro.
Em contrapartida, há um impacto imediato sobre a indústria moageira com o encarecimento do trigo no mercado externo. Isso se reflete nos preços do cereal argentino e na paridade de importação, elevando também a cotação do trigo nacional.
“A consequência concreta para os moinhos brasileiros é que terão preços maiores para adquirir o cereal daqui para frente até a entrada da safra do Hemisfério Norte”, comentou Barbosa. Outro efeito será a alta do custo de produção da commodity, dado o cenário de aumento dos fertilizantes e risco de desabastecimento.
Um terceiro risco é o de outros países consumidores do cereal recorrerem ao fornecimento da Argentina em cenário de interrupção das exportações russas e ucranianas. “Isso pode virar um problema porque a Argentina já vendeu mais de 13 milhões de toneladas das 20 milhões de toneladas que colheu. O volume que está faltando para exportar já deve estar vendido para tradings, que comercializarão para quem pagar mais pelo cereal”, observou o presidente executivo da Abitrigo.
“Temos uma restrição no transporte marítimo. Todos os portos da Ucrânia estão paralisados. Já na Rússia, temos alguns em funcionamento. Diante deste cenário, países que compram trigo da Rússia e da Ucrânia, como nações africanas, parte do Oriente Médio e Ásia, passaram a demandar trigo de outros países”, ressalta o professor Alves. “Portanto, novos contratos de importação certamente virão com valores superiores.”
Da Redação