Embora seja uma temática pouco debatida na sociedade, a desigualdade de gênero também está presente quando abordamos os impactos causados pelas mudanças climáticas .
São as mulheres que sofrem as mudanças climáticas e as que mais morreram em desastres naturais: secas, clima extremo, tempestades, incêndios, entre outros. Essa vulnerabilidade é resultado de uma série de fatores sociais, econômicos e culturais.
Existem diversas consequências das mudanças climáticas, dentre elas, a ameaça à biodiversidade com uso de agrotóxicos, queimadas, à escassez dos recursos naturais essenciais para o cotidiano das populações rurais e da cidade, exemplo disso é a água, sementes, fontes de energia.
O Fundo para a população das Nações Unidas (UNFPA) divulgou um estudo que demonstra o empobrecimento das mulheres: negras, indígenas, quilombolas, periféricas, chefes de famílias e mulheres trans, que residem em países menos desenvolvidos: elas são as principais afetadas pelas mudanças climáticas.
Elisângela dos Santos Araújo, coordenadora nacional do setorial de agrário do PT, frisa que vivemos numa sociedade patriarcal, por isso, as mulheres em suas famílias, tendem a ser as responsáveis pela garantia da água, comida e combustível para cozinhar e aquecer.
Muitas vezes, são mulheres que caminham grandes distâncias para encontrar água nos reservatórios distantes, são elas que cuidam das hortas, dos quintais produtivos, vão à cidade e organizam a casa. Hoje no Brasil, na agricultura temos mais de 80% cuidadas por mulheres, entretanto, na gestão quem tem o controle são os homens”, aponta Elisângela.
Se por um lado as mulheres estão sendo mais vulneráveis pela crise climática, por outro, são as mesmas que contribuem para frear o agravamento da crise climática, e promovem ações concretas como melhoria de qualidade de vida: diversificam a renda; garantem a segurança alimentar; protegem a biodiversidade; defendem territórios, atuam na agroecologia e na economia solidária, entre outras atividades.
A secretária de mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e coordenadora da Marcha das Margaridas, Mazé Morais, reafirma que as mulheres são responsáveis pela sustentabilidade ambiental.
“Produzimos alimentos saudáveis para as nossas cidades e para a nossa população, garantimos a soberania alimentar e a preservação das nossas sementes crioulas, dos nossos ecossistemas e da nossa sociobiodiversidade. Somos guardiãs dos saberes populares que herdamos de nossa ancestralidade. Somos nós que, na maioria dos casos, tomamos a iniciativa e estimulamos as nossas famílias à transição de produções convencionais para o modelo agroecológico, desde os nossos quintais produtivos, exercitando de forma sustentável a agricultura, a diversidade e a soberania das culturas”, ressalta Mazé.
Ela ainda destaca que as mulheres têm um papel fundamental para a sustentabilidade da vida e do meio ambiente. “Nós respeitamos a natureza e, com ela, procuramos estabelecer uma conexão, uma relação de equilíbrio, através da colaboração e não da dominação, respeitando todas as formas de vida. Disso que dependemos do sustento das nossas famílias e das nossas comunidades. Nós compreendemos que temos uma função fundamental na conservação dos recursos ambientais e naturais”, relata, enfatizando que assim como o meio ambiente, as mulheres têm seus corpos mercantilizados pelo governo genocida.
A pesquisa da UNFPA ainda evidenciou que, apesar disso, as mulheres são um eixo central para combater as mudanças climáticas. Uma das formas de minimizar o impacto de riscos dos desastres causados pelo clima, são mulheres ocupando os espaços de poder para tomar decisões e formular políticas públicas sobre assuntos climáticos.
“Precisamos exigir dos governos a implementação de estratégias que coloquem a mulher no centro do desenvolvimento sustentável, contemplando seu papel fundamental na dimensão social e política da pauta ambiental. Sem isso, não há avanço concreto e duradouro”, destaca a secretária nacional de mulheres do PT, Anne Moura.
Tragédia de enchentes ocorrida em Petrópolis
Infelizmente no Brasil, temos o exemplo mais recente dessa desigualdade climática: a tragédia de enchentes ocorrida em Petrópolis. De acordo com o boletim mais recente, 23 de fevereiro, são 124 mulheres e 80 homens morreram em deslizamentos e enchentes, sendo 39 crianças e adolescentes. Ou seja, o número de mulheres mortas é quase o dobro do óbito de homens.
Para a doutora em geografia e coordenadora do OUTRAS- Observatório Feminista, Gleys Ramos, existem duas perspectivas para entender o cenário da tragédia em Petrópolis num contexto da interseccionalidade: divisão sexual do trabalho e a pobreza de genêro, onde as mulheres são empurradas nas áreas de risco, levando à precarização das moradias.
A primeira é em razão da divisão sexual de trabalho, as mulheres acabam ficando com a responsabilidade das atividades domésticas e dos cuidados não remunerados, sobretudo neste período de pandemia que aumentou o desemprego.
“Por causa do acirramento da crise econômica na pandemia durante a má gestão, fez com que as mulheres, fossem sujeitas mais impactadas pelo desemprego, isso quer dizer que elas não têm renda segura mensal, muitas delas estavam desempregadas”, explica a doutora.
Já outra causa é em relação ao empobrecimento veloz das mulheres, principalmente, as mulheres interseccionadas pela divisão de raça, classe e gênero. Por serem elas empurradas na área de risco e têm menos acessos aos meios de produção e à moradia digna.
“O recorte racial é permeado pela pobreza, se formos pensar a pobreza no Brasil infelizmente vemos a predominância da população negra, e quem compõe as periferias hoje, são mulheres e crianças- valido ressaltar que trago crianças porque quem cuida delas são as mulheres”, complementa.
Dandara Maria Barbosa, Agência Todas