O depoimento do ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo à CPI da Covid, nesta quinta-feira (13), confirmou o total desprezo de Jair Bolsonaro pela vida do povo brasileiro. Murillo detalhou as diversas ofertas que a empresa fez ao governo, começando em agosto do ano passado, e que foram ignoradas por Bolsonaro. Foram pelo menos cinco propostas em 2020, relatou o atual presidente da empresa na América Latina. Ele confirmou a oferta de 70 milhões de doses e que não ouviu resposta do governo.
Murillo informou os parlamentares que, caso o Brasil tivesse aceitado a primeira proposta feita em agosto, o governo de Bolsonaro teria assegurado pelo menos 18,5 milhões de doses até o segundo trimestre de 2021. Destas, 1,5 milhão de imunizantes seriam entregues ainda no ano passado.
O executivo rebateu as alegações do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello de que havia cláusulas “leoninas” na oferta da empresa. Segundo Murillo, os termos do contrato são os mesmos aos oferecidos e aceitos por 110 países que usam a vacina. “Não estou de acordo com essa categorização de [que as] condições eram leoninas”, reiterou.
Durante a sessão, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que o testemunho de Murillo foi um dos mais importantes desde o início dos trabalhos da comissão.” O depoimento deixou absolutamente clara a negligência, o desleixo, a falta de interesse do governo federal, particularmente do Ministério da Saúde, de prover à população brasileira as vacinas necessárias para o enfrentamento à pandemia”, apontou Costa.
O senador lembrou que o Brasil iniciou a vacinação apenas no final de janeiro, quando poderia ter utilizado 1,5 milhão de doses ofertadas pela empresa ainda em dezembro de 2021. “O governo brasileiro, desde agosto, poderia ter editado uma medida provisória para o Congresso votar”, criticou o senador, em referência ao projeto de lei articulado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Em fevereiro, o projeto garantiu a assinatura do contrato com a empresa americana.
“[O depoimento] é a demonstração cabal da incompetência que esse governo tem para enfrentar essa pandemia e outros problemas. Demonstra insensibilidade, indiferença que esse governo tem com a população brasileira, com o sofrimento do seu povo”, lamentou o senador.
“Quantos órfãos não seriam órfãos? Quantos casais não teriam se dissolvido? Quantos pais não teriam deixado de perder seus filhos se a condução dessa pandemia tivesse sido adequada, compatível com o que foi feito no mundo?”, indagou Costa. “Certamente não teríamos nem CPI”.
Crime com provas
Em sua intervenção, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) ressaltou que o governo Bolsonaro não tinha, em dezembro de 2020, nem plano de vacinação. “Se não tinha programa de imunização, é porque não tem preocupação com imunizante”, concluiu o Carvalho. Ele apontou que o país passou um cronograma ter depois de decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, para que o governo apresentasse um programa nacional de imunização.
O senador comparou o desastre de Bolsonaro com a resposta do governo de Israel, que foi atrás da empresa para adquirir vacinas e hoje lidera o ranking das imunizações por cada 100 habitantes. “Estamos diante de negligência, ou de ação deliberada para não resolver o problema da pandemia no Brasil”, denunciou. “É um crime contra a saúde pública e contra a vida”.
“Lembro que mais da metade das mortes por COVID no ocorreram em 2021, momento em que já existia vacinas no mundo e o Brasil negando a compra”, observou Carvalho, pelo Twitter. O senador frisou que o atraso de 216 dias do governo para adquirir a vacina da Pfizer custou a vida de milhares de brasileiros.
“Perdemos a oportunidade de vacinar o Brasil em massa com 70 milhões de doses, antes de se estabelecer essa tragédia sanitária”, escreveu Carvalho. “O crime é desvendado com provas”.
Gabinete paralelo
Murillo também confirmou, por meio de sua assessoria jurídica, a participação do filho do presidente, Carlos Bolsonaro, e do assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, em reunião com o ex-chefe da Secom Fábio Wajngarten e representantes da Pfizer.
“Após aproximadamente uma hora de reunião, Fábio [Wajngarten] recebeu uma ligação, sai da sala e retorna para reunião. Minutos depois entram na sala de reunião Filipe Garcia Martins e Carlos Bolsonaro. Fábio explicou a Filipe Garcia Martins e a Carlos Bolsonaro os esclarecimentos prestados pela Pfizer até então na reunião”, descreveu o presidente da empresa na América Latina.
A participação dos dois reafirma a existência de um gabinete paralelo ao Ministério da Saúde, operando durante a pandemia e já apontado nos depoimentos dos ex-ministros Henrique Mandetta e Nelson Teich e do presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.
Da Redação