As projeções cada vez mais frágeis na indicação de haver algum crescimento na economia nacional em 2019 apontam a gravidade da maior crise já experimentada pelo capitalismo no Brasil, cujo nível geral de atividade encontra-se 5,1% abaixo do pico alcançado em 2014. Se considerar o comportamento da renda nacional por habitante (PIB per capita), que acumula diminuição de 8,3% desde 2014, nota-se a inédita regressão ao ano de 2009, quando se iniciou a crise da globalização neoliberal.
Atualmente o país registra um a cada três brasileiros procurando por trabalho. Ao mesmo tempo em que o sistema produtivo tem substituindo empregos de maior produtividade e remuneração média anual de cerca de 50 mil reais no setor industrial por vagas de baixa produtividade e rendimento médio inferior a 17 mil reais ao ano decorrente do inchamento no setor de serviços.
Esse panorama geral da nação não será alterado pela orientação atual do governo Bolsonaro. A perspectiva que se apresenta, inclusive, é a do seu agravamento.
Diante disso, compreende-se como o conjunto dos ricos e endinheirados “jogou a toalha” em relação à possibilidade de construção da nação que possa integrar a totalidade da população. O curso do projeto dominante executado pelo “andar de cima” para resolver a mais grave crise do capitalismo no país é a salvação de não mais do que 1/3 dos brasileiros, sobretudo aqueles melhor situados no cume da pirâmide social.
Para tanto, o que tem prevalecido é o descarte social seletivo e programado de parcelas crescentes dos brasileiros sem qualquer possibilidade de vida decente. Sob a terrorista narrativa repetitiva de que não há outra saída que não seja cortar, desfazer e destruir, os porta-vozes do dinheiro buscam iludir o conjunto a ser descartado de que não alternativa para o retorno do crescimento econômico e geração de empregos.
Idêntica toada foi nos argumentos adotados pelo governo Temer e seus apoiadores para aprovar a Emenda Constitucional 95 que congelou por 20 anos os gastos públicos federais não financeiros. Após quase três anos de sua implantação, as finanças públicas seguem em desordem, mesmo que o discurso dominante siga sendo o de que sem corte contínuo nas despesas governamentais não haverá organização das contas do Estado.
Também seguiu o mesmo roteiro alarmista e equivocado adotado as justificativas na aprovação da reforma trabalhista e da terceirização generalizadas no mercado de trabalho. Ao se encaminhar para o segundo ano desde a sua implantação, nota-se que a reforma trabalhista e a terceirização manteve inatacável a gravidade do desemprego, contribuindo para ampliar a subutilização e precarização dos trabalhos existentes.
Apesar disso, segue prevalecendo a cantilena oficial de que sem a redução do custo do trabalho, as empresas não abrirão novas vagas. O inegável rebaixamento imposto ao custo da mão de obra no Brasil permitiu torna-lo menor que o atualmente praticado na China, permitindo ao patronato substituir empregados de maior remuneração pelos de menor salário.
Diante do projeto da deforma da previdência social apresentado pelo governo Bolsonaro, que conseguiu ser ainda pior do que o de Temer, o discurso segue o mesmo, apostando volta da “fada madrinha” da confiança dos capitalistas. Assim, a crença de ruptura na esfera pública para favorecer o avanço do setor privado nas áreas de serviços (previdência, saúde, educação e outros) segue sendo o receituário adotado para o país sair da crise.
Parece evidente que a unificação dos ricos e porta-vozes dos endinheirados em torno do projeto de descarte dos brasileiros, talvez a mais importante convergência política conformada desde o golpe de 1964, nada tem de saída para a profunda crise capitalista. Na realidade, o que se percebe é a tática voltada tão somente para salvaguardar os interesses dos ricos e endinheirados à custa do deslocamento do ônus dos ajustes para 2/3 dos brasileiros situados nas posições intermediárias e na base da pirâmide social.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas