Pochmann: submissão aos EUA e autoritarismo assemelham Bolsonaro a Pinochet

Subordinação e sinalização de repressão à oposição são os poucos pontos de convergência entre os diferentes grupos que venceram a eleição sem nenhum debate

Paulo Pinto/AGPT

Marcio Pochmann

As análises que predominaram a respeito dos cem primeiros dias de Bolsonaro na função de presidente da República convergiram na versão de um governo inexperiente, desacertado e demarcado por idas e vindas, expressão própria de suas contradições. Sinais evidentes disso poderiam, contudo, estar diretamente associados ao resultado de intensos conflitos internos voltados à definição do comando e rumo num governo constituído por diferentes fragmentos sociopolíticos, cujo eixo comum parece assentar-se na subordinação – em maior ou menor medida – aos Estados Unidos.

Acredita-se que teria sido Getulio Vargas a destacar que no Brasil haveria em cada governo uma sequência de três eleições sucessivas. A primeira instalada no processo eleitoral, cujo resultado seria expresso pela parte majoritária do conjunto dos eleitores a definir a candidatura vitoriosa.

A segunda eleição transcorreria entre a decretação do resultado eleitoral e a posse do presidente eleito. Nessa fase, a disputa concentrar-se-ia justamente na formação do governo, cuja composição tenderia a expressar as principais forças políticas pelas quais o presidente eleito entenderia ser necessário reunir para executar o programa vitorioso nas urnas.

Por fim, a terceira eleição a ser estabelecida a partir da posse do presidente eleito, quando as disputas internas voltar-se-iam para a definição do comando e rumo do governo ungido das eleições. Essa perspectiva de abordagem a respeito de possível dinâmica a retratar o processo eleitoral brasileiro em três dimensões poderia lançar algumas luzes sobre o que terminou acontecendo nos primeiros meses do governo Bolsonaro.

Fruto do mais instável e conturbado processo eleitoral vigente desde 1989, ademais de efetuado sem qualquer debate público, o percurso da escolha presidencial do ano passado concedeu ao candidato vitorioso, a inédita oportunidade de tergiversar a respeito do seu possível programa de governo.

Após o resultado das eleições, a formação do governo eleito se deu enfaticamente assentada na crítica à velha prática política, o que favoreceu compor o corpo principal do executivo federal através da junção de equipes fragmentadas e inexperientes, com objetivos distintos e fundado em forças políticas de interesses opostos.

Talvez por isso, a principal fonte de convergência frente à pluralidade das forças sociopolíticas representadas internamente no governo Bolsonaro se traduzisse fielmente na unidade em torno da submissão – em maior ou menor medida – aos Estados Unidos.

Pela postura de distintos interesses grupais configurados em partes governamentais representadas pela família Bolsonaro, militares, religiosos, lava-jatismo, mercado rentista, parlamentares e outros, percebe-se certa unidade conformada de fora do país.

Nesse sentido, os primeiro meses do presidente Bolsonaro podem ser interpretados como fundamentais na definição do comando e rumo governamental, após as forças internas terem se digladiado intensamente, definindo vitoriosos e derrotados, plenos ou parciais.

Em sendo assim, observam-se nos principais agrupamentos sociopolíticos que passaram a predominar uma antevisão possível do comando e rumo governamental nos próximos meses.

De um lado, a conformação militar a ocupar – com quadros próprios – parcelas consideráveis e crescentes de muitas áreas do governo e, de outro, o conjunto das forças do mercado rentista, portadora da unidade em torno do receituário ultraneoliberal.

A combinação desses dois agrupamentos de interesses que se apresentaram como vitoriosos nos primeiros meses de embates internos tendem a constituir, cada vez mais, o eixo estratégico a conduzir o governo Bolsonaro.

A se confirmar essa perspectiva, o rumo indicado seria o de ampliar, para além da unidade em relação à subordinação externa aos Estados Unidos, a somatório do autoritarismo na política com ultraneoliberalismo na economia. Uma espécie reprodutiva – ao final da década de 2010 – dos traços de autoritarismo e ultraliberalismo que marcaram a experiência de Augusto Pinochet no comando do Chile entre 1973 e 1990.

Ademais da submissão aos Estados Unidos, contaria com a ortodoxia do receituário econômico da escola de Chicago aliada à repressão e profundo interesse na desconstituição das forças sociopolíticas atuantes da oposição. A manifestação crítica à denominada política velha implica refutar tudo o que se constituiu desde a instalação da Nova República (1985-2016) em nome da restauração da antiga ala militar derrotada por Geisel quando foi encaminhado o processo de abertura lenta e gradual da ditadura civil-militar (1964-1985).

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.

Por Rede Brasil Atual

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