A deflação anunciada entusiasticamente por Jair Bolsonaro em julho não chegou a se confirmar na íntegra. Embora o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) anunciado nesta terça-feira (9) tenha apresentado variação negativa (-0,68%) no mês, ele não caracteriza uma redução ampla e consistente de todo o conjunto de preços que formam o indicador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A baixa foi efeito do preço da gasolina, causada pela queda de impostos e a redução do preço do petróleo no mercado internacional”, explica Bruno Moretti, assessor da Bancada do PT no Senado. “Mantida a política de preço de paridade de importação (PPI) da Petrobrás, reajustes da gasolina virão quando houver alta do preço, consumindo a queda oriunda do imposto”, pondera ele. “Além disso, o diesel segue nas alturas.”
O gerente da pesquisa do IBGE, Pedro Kislanov, corrobora o raciocínio de Moretti. Ele lembrou que a Petrobrás baixou em R$ 0,20 o preço da gasolina em 20 de julho. Além disso, a Lei Complementar 194/22, sancionada no fim de junho, reduziu o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações, diminuindo também as contas de luz.
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“Essa redução afetou não só o grupo de transportes (-4,51%), mas também o de habitação (-1,05%), por conta da energia elétrica (-5,78%)”, aponta Kislanov. “Foram esses dois grupos, os únicos com variação negativa do índice, que puxaram o resultado para baixo.” Os outros sete grupos da pesquisa do IBGE subiram em julho.
Bruno Moretti ressalta o caráter eleitoreiro da redução do preço da gasolina, que é temporário. “Para 2023 já está contratado o reajuste com a retomada dos tributos federais. Só a queda do ICMS é permanente, prejudicando gastos de Educação e Saúde na ponta”, afirma o economista, lembrando que os preços dos alimentos seguem em alta, prejudicando principalmente as famílias mais pobres.
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De fato, o setor de alimentação e bebidas até acelerou em julho. “O grupo teve a maior variação (1,30%) e impacto positivo (0,28 pontos percentuais) no índice do mês. O resultado foi puxado pelo leite longa vida, que subiu mais de 25%, e pelos derivados do leite como queijo (5,28%) e manteiga (5,75%)”, enumera o pesquisador do IBGE.
A alta do leite contribuiu especialmente para o resultado da alimentação no domicílio, que acelerou de 0,63% em junho para 1,47% em julho. Outro destaque foram as frutas, com alta de 4,40% e impacto de 0,04 p.p. no IPCA de julho.
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Como alimentos são o principal gasto no orçamento das famílias mais pobres, elas são efetivamente as mais prejudicadas pela carestia da comida. Esta, causada principalmente pelo desmonte promovido pelo desgoverno Bolsonaro nas políticas públicas de segurança alimentar dos governos petistas.
Gasolina subiu 51%, mas redução foi de apenas 15,38%
Economista-Chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), Juliana Furno avalia em artigo que a possibilidade de queda generalizada dos preços terá fôlego curto. “Uma vez reduzidas as alíquotas incidentes de ICMS sobre os combustíveis, os seus preços devem estabilizar, e estabilizar em patamar elevado, já que a queda foi sobre uma base de precificação muito elevada”, explica.
Juliana ressalta que entre o primeiro e o segundo trimestre, a gasolina apresentou aumento médio na bomba de 51%, sendo reduzida depois em apenas 15,38%. “Portanto, em que pese a redução, os preços seguem elevados”, conclui a economista, lembrando ainda a forma desigual com que diferentes grupos sociais perceberão a queda na inflação.
“Como a principal baixa foi nos preços da gasolina, e não no diesel, que teve aumento de 7,32%, seus efeitos de espraiamento para aqueles que não utilizam carro individual devem ser muito dirimidos”, afirma a economista. “Por outro lado, o principal item que afeta a cesta de consumo dos mais pobres (alimentos) apresentou alta expressiva.”
Para o professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) Andre Braz, “o mérito da queda (da inflação) é pequeno”. “A gente entende como deflação quando é uma coisa generalizada”, afirmou ao portal g1. “Não é uma mudança de jogo, não é uma queda generalizada.”
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, pensa da mesma forma. “Para as famílias mais pobres, cuja cesta de consumo tem mais peso de alimentos, a situação não muda muito. Continua com a dinâmica de alta do preço de alimento”, ressalta.
O acompanhamento mensal do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) revela que nos 12 meses até junho, a inflação para famílias com renda menor que R$ 1.726,01 foi de 11,99%. Só alimentação respondeu por quatro pontos percentuais do total. “As famílias mais pobres vão continuar a sentir um aumento do preço dos alimentos. A maior parte da população brasileira não vai enxergar esse número negativo”, prevê Braz.
Ao portal Uol, o professor do Ibre/FGV lembra ainda que uma deflação real e prolongada, em momento de renda depauperada e crédito caro, pode travar o consumo e deprimir a produção, criando um efeito dominó que derrubaria de vez a atividade econômica. “Se não produz, não contrata, ou até demite. Aí diminui mais a demanda porque não há salário nem crédito, o que faz cair o nível de preço, porque as pessoas não compram, e assim por diante”, finaliza.
Da Redação