Na primeira reconvocação da CPI da Covid, que colheu, nesta terça-feira (8), depoimento do ministro da Saúde Marcelo Queiroga, o titular da pasta não poupou esforços para proteger Jair Bolsonaro. Queiroga voltou a esquivar-se de perguntas sobre a sabotagem do governo federal ao combate à pandemia e caiu em contradição sobre sua gestão à frente da pasta. Irritado com as perguntas dos senadores, o ministro acabou por confirmar na prática que não tem autonomia para chefiar a Saúde e que Bolsonaro não o consulta sobre assuntos como a realização da Copa América ou a ação movida pelo presidente no STF para impedir governadores de adotarem medidas para frear a contaminação por Covid.
Ele afirmou desconhecer a existência de um gabinete paralelo ao Ministério da Saúde mas confirmou que recebeu alguns dos integrantes do grupo de aconselhamento clandestino ao presidente, como a médica Nise Yamaguchi e o deputado federal Osmar Terra, com quem tratou de “estudos sorológicos”. Ele não comentou as imagens exibidas de uma reunião do gabinete paralelo com a presença de Bolsonaro.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou imagens dos integrantes do gabinete paralelo e citou trechos das conversas, como a orientação de Jair Bolsonaro para a execução de uma estratégia antivacina e em favor da disseminação do vírus. “Isso é de uma gravidade, de uma crueldade que precisa ser apurado”, afirmou o senador. “Bolsonaro, foi e é o ministro da Saúde. Toda a desautorização parte dele”.
Imunização de rebanho
“O governo usou uma teoria de imunizar naturalmente a população brasileira largando-a à própria sorte, para adquirir, através do contágio, a imunidade”, denunciou Carvalho, frisando que o governo nunca abandonou o combate à ciência, cujos efeitos já causaram a morte de mais de 475 mil brasileiros.
O senador citou estudos da USP que demonstram que Bolsonaro expandiu a pandemia, por meio de normas, decretos e de declarações do líder de extrema direita e alertou que ele será o grande responsável pela terceira onda de infecções no país.
“Diante de um presidente que age de forma contrária a todas as orientações e que transforma a ele próprio em um efeito de expansão da pandemia, ser ministro de um governo desse pode significar a cumplicidade com o número de mortes que nós vamos ter nesse país”, advertiu Carvalho. “Que o senhor não seja um Pazuello de máscara”, clamou o senador.
Copa América
Ao senador Humberto Costa, Queiroga afirmou que não compete ao ministério decidir sobre a realização de um evento como a Copa América. “Compete, sim. No meio de uma pandemia dessa, com 475 mil pessoas [mortas]?”, retrucou Costa. “O que acontece com Vossa Excelência é o que aconteceu com os outros: o presidente não lhe ouve, Vossa Excelência não tem autonomia, ele faz as coisas da cabeça dele”, criticou o senador.
Queiroga justificou a realização da Copa América, citando torneios como a Taça Libertadores da América e as eliminatórias da Copa do Mundo. Disse que o Ministério da Saúde não vê risco, “do ponto de vista epidemiológico”, de contaminação entre jogadores e delegações técnicas.
E, ao afirmar que só houve uma contaminação “em campo” de um jogador no ano passado, Queiroga foi desmentido pelos senadores Randolfe Rodrigues e Humberto Costa. Os dois informaram ao ministro que houve a contaminação por Covid-19 de pelo menos 325 jogadores, dentro e fora de campo, inclusive com a morte de um massagista.
Luana Araújo
Queiroga também foi confrontado pelo senador petista após cair em contradição sobre os motivos para a não nomeação da infectologista Luana Araújo à Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid do ministério.
Ele disse que a profissional foi cortada da equipe porque não ajudava a “harmonizar” posições divergentes na classe médica, apesar de a infectologista ter sido convidada pelo próprio Queiroga para o cargo por seu perfil técnico.
Além disso, confirmou ao relator Renan Calheiros que achou por bem manter na pasta Mayra Pinheiro, conhecida como Capitã Cloroquina, a despeito de não concordar com suas opiniões sobre o uso de cloroquina para tratar casos de covid.
“Não dá para Vossa Excelência dizer que o problema é uma questão de divergências que existem na classe médica. É uma divergência concreta sobre o que é correto fazer para o enfrentamento à pandemia e a posição do presidente da República”, argumentou Humberto Costa.
“Censor do presidente”
Queiroga defendeu a vacinação em massa como caminho para superação da pandemia mas voltou a se eximir de “fazer juízo de valor” sobre a conduta desastrosa de Jair Bolsonaro na crise e sua insistência em promover aglomerações e expor a população à contaminação pelo vírus da Covid-19.
“O presidente da República não conversou comigo sobre a atitude dele. Sou ministro da Saúde e não um censor do presidente da República”, disse, para depois desmentir a si mesmo, confirmando que já tratou da conduta de Bolsonaro na pandemia.
“O compromisso é individual; o benefício é de todos. Reitero aqui perante os senhores. O médico tem obrigação de meios, não tem obrigação de resultados. E o meu meio é a minha voz e usarei. Isso não quer dizer que eu vou conseguir, senador Renan”, esquivou-se.
Ação de Bolsonaro contra governadores
O ministro também admitiu que não foi ouvido sobre a ação que o presidente moveu contra governadores no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir decretos que determinam a restrição da circulação de pessoas.
Queiroga afirmou apenas que o presidente comunicou que era contra o toque de recolher e o “cerceamento da liberdade das pessoas”. E, mais uma vez, negou-se a emitir opinião sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade movida por Bolsonaro, um ataque às medidas adotadas nos estados para proteger a população da Covid-19.
Nota informativa de desinformação
Mesmo reconhecendo que a cloroquina não tem eficácia comprovada para tratar casos de Covid-19 em nenhuma fase da doença, Queiroga deu uma explicação simplória para a manutenção da nota informativa nº 17/2020, que orienta doses do medicamento no site da Saúde.
Confrontado sobre uma recomendação que desinforma e confunde a opinião pública, Queiroga afirmou que a nota informativa “perdeu o objeto” mas “faz parte da história”. “Não cabe revogação. Ela está no site, porque faz parte da história do enfrentamento à pandemia. Então, não vou retirar do site do Ministério da Saúde. Faz parte da história. Não é um ato administrativo, por isso não cabe revogação”, desconversou o ministro.
Da Redação