Um dia após o Conselho de Administração da Petrobrás aprovar a distribuição recorde de R$ 87,8 bilhões em dividendos pelo segundo trimestre, a representante dos trabalhadores da estatal no órgão, Rosangela Buzanelli, foi à internet manifestar contrariedade. “O Conselho aprovou nesta quinta-feira (28) o pagamento de dividendos recordes aos acionistas”, afirma em seu site. “Mas não com meu voto favorável.”
“Como afirmei anteriormente, não sou contra o pagamento de dividendos. Uma empresa de economia mista, mesmo que estatal, deve pagá-los a seus investidores”, ressalvou Rosangela Buzanelli. “O que considero indefensável é o volume pago.”
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Segundo a representante dos petroleiros no CA, a quantia ultrapassou em muito o lucro líquido da companhia (R$ 54,33 bilhões). “Enquanto os níveis de investimentos previstos nos planos quinquenais da Petrobrás estão nos menores patamares desde 2007, se comparados em real. Se convertermos em dólar, são os menores desde 2004”, compara.
“Considero que o mais justo e sensato seria o pagamento regular mínimo dos dividendos, incrementando a reserva de lucros para ampliar significativamente os investimentos e recomprar ações da companhia”, finalizou Rosangela. Ela disse ainda que não votou favoravelmente às alterações das políticas de pagamento de dividendos que permitiram a atual farra dos acionistas.
As alterações a que Rosangela se refere foram adotadas no primeiro ano do desgoverno Bolsonaro por Roberto Castello Branco. O primeiro dos quatro presidentes da Petrobrás nomeados por ele, e também o que afirmou guardar no celular corporativo, devolvido após a demissão, “mensagens que poderiam incriminar” Bolsonaro.
Nomeado por influência do ministro-banqueiro Paulo Guedes, Castello Branco manteve a dolarização dos preços dos combustíveis adotada sob Michel Temer, congelou os investimentos da Petrobrás, acelerou a privatização de subsidiárias, concentrou o foco na mera exploração do pré-sal e aprovou a política atual de remuneração dos acionistas. Transformava assim a maior empresa do Brasil em “fábrica de dividendos”.
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Nível dos dividendos caracteriza Petrobrás como firma “sem projeto”
Membro independente do Conselho de Administração da Petrobrás, o advogado Francisco Petros também tem ressalvas à política adotada por Castello Branco e, na prática, mantida pelos sucessores. À Folha de São Paulo, ele disse que essa estratégia não contempla uma visão integrada que considere necessidade de redução das emissões, satisfação dos usuários de energia e redução do custo de energia.
“Consideradas as variáveis estratégicas, o pagamento de dividendos no nível atual caracteriza a empresa ‘sem projeto’”, argumenta ele. “Afora os excessos do controlador contra a governança da Petrobrás, mesmo diante de um histórico já conhecido e penoso, agora temos a utilização dos dividendos como um meio de ajuste fiscal”, aponta.
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O anúncio do pagamento dos dividendos ocorreu três dias após o Ministério da Economia pedir às principais empresas estatais – Petrobrás, Caixa, BNDES e Banco do Brasil – para antecipar os dividendos a fim de ajudar o Executivo a fechar as contas. Da Petrobrás, a União vai receber R$ 50 bilhões referentes ao primeiro semestre, para gastar com seu pacote bilionário de “bondades eleitoreiras”.
Até alguns analistas do mercado financeiro se surpreenderam com os valores. Daniel Cobucci, do BB Investimentos, chamou a atenção para os riscos dessa política de prioridade à remuneração aos acionistas gerar “implicações para o crescimento e atuação estratégica para o longo prazo”, em meio a um processo de venda de ativos e redução do endividamento via desinvestimento.
Essa é também uma das críticas feitas há anos por especialistas do setor e entidades da categoria, como a Federação Única dos Petroleiros (FUP). Ligado à federação, o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) vem produzindo regularmente estudos a respeito dos impactos da financeirização da estatal e o desmonte do Sistema Petrobrás sobre o futuro da empresa.
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Pesquisador do Ineep, Eduardo Costa Pinto afirma em artigo que os R$ 88,7 bilhões a serem distribuídos por apenas um trimestre representam um quinto do valor da Petrobrás. “Esse valor distribuído corresponde ao total de investimentos realizados pela companhia no acumulado dos últimos dez trimestres. Ou seja, a Petrobrás distribui em um único trimestre o que ela investiu em dois anos e meio”, conclui Costa Pinto.
Investimentos da estatal despencaram após o golpe de 2016
Na última sexta-feira (29), o diretor Financeiro e de Relações com Investidores da estatal, Rodrigo Araújo, incorporou o negacionismo bolsonarista para defender a distribuição de dividendos como “a melhor alocação de capital da companhia”. “Todos os investimentos que se mostram rentáveis no nosso cenário de preços foram aprovados”, garantiu ele. “A companhia não deixa de fazer investimentos para distribuir dividendos.”
Ninguém entre os repórteres, no entanto, perguntou a Araújo por que, em dez anos, a previsão de investimentos no Plano Estratégico da companhia despencou de US$ 236,5 bilhões (2012-2016) para US$ 68 bilhões (2022-2026).
Sob os governos petistas, entre 2003 e 2013, os investimentos da Petrobrás haviam saltado de R$ 9,9 bilhões para R$ 104 bilhões. Isso possibilitou a descoberta e exploração do Pré-Sal e o desenvolvimento e fortalecimento de toda a cadeia produtiva do setor de óleo e gás, com geração de riquezas e empregos recordes no Brasil.
Para garantir parte desses investimentos, o Governo Lula promoveu em setembro de 2010 uma emissão de ações para capitalização da Petrobrás que aumentou o controle acionário do Estado de 57% para 64%. A capitalização também elevou de 39,8% para 48,3% a participação do governo federal (União, BNDES e Fundo Soberano) no capital total da empresa, ao aumentar para 28% a participação dos entes estatais nas ações preferenciais (17,45% a mais que antes da capitalização).
Com isso, a participação dos acionistas privados caiu 6,1% nas ações ordinárias e 12,5% nas ações preferenciais. Isso representou uma redução de 60,2% para 51,68% no capital total da Petrobrás.
Após o impeachment da presidenta legítima Dilma Rousseff, Michel Temer iniciou, e Jair Bolsonaro aprofundou, o maior desmonte da história da Petrobrás, com privatizações de refinarias (Rlam, Reman, Six), subsidiárias (Gaspetro, BR Distribuidora, Liquigás), redes de gasodutos (TAG e NTS), campos de petróleo e vários outros ativos operacionais. As gestões bolsonaristas da estatal também abandonaram áreas estratégicas como fertilizantes, petroquímica e energia renovável.
Paralelamente ao desmonte, a venda de parcelas de ações da Petrobrás reduziu drasticamente a participação do Estado brasileiro na empresa. As ações da estatal estão agora cada vez mais concentradas em fundos de investimentos privados e acionistas estrangeiros, os grandes beneficiados pelos lucros extraordinários que a Petrobrás registra com as privatizações e a política de preços abusivos dos combustíveis.
Hoje, os acionistas privados controlam 81,5% das ações preferenciais e 49,7%, das ações ordinárias. Já o controle do Estado despencou de 64% para 50,3% (ações ordinárias, com direito a voto), e a participação nas ações preferenciais caiu de 28% para 18,5%. Isso representa 36,6% do capital total da Petrobrás, enquanto os outros 63,4% estão sob o controle dos acionistas privados. Desse total, 45% são de fora do Brasil.
O resultado dessa política ecoa em dados do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Eles revelam que a taxa de investimentos brutos do setor público (União, estados, municípios e estatais federais) em 2021 é a segunda pior da série histórica da instituição, iniciada em 1947.
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Determinante, o inócuo desempenho dos investimentos das empresas estatais, que atingiram o menor valor da série histórica (0,66% do PIB), foi puxado pelo baixo nível de investimentos da Petrobrás, mesmo em momento de elevada lucratividade do setor. A empresa, que responde pela maior parte do orçamento de investimentos das estatais, executou apenas 38% do planejado. Mas insiste na farra de distribuição de dividendos promovida desde o início da inglória “era Bolsonaro”. É realmente indefensável.
Da Redação, com informações da FUP