Desmonte da Petrobras(4): Na contramão da soberania energética

Desmantelamento de um sistema integrado, “do poço ao posto”, e descompromisso com a transição energética marcam a atual gestão bolsonarista da estatal

Ricardo Stuckert

Do "poço ao posto" a exportadora de óleo cru

Primeira refinaria construída no país – e também a primeira privatizada pelo desgoverno Bolsonaro – a Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, será palco de uma manifestação nacional na manhã desta sexta-feira (3). O ato foi organizado pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) e seus sindicatos em protesto contra a venda aviltada da unidade.

Avaliada entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, a RLAM foi entregue pela gestão do general Joaquim Silva e Luna por US$ 1,8 bilhão, junto com terminais e outros ativos de logística da Petrobras no estado. A conclusão da venda foi anunciada pela direção da estatal nesta terça-feira (30). O fundo de investimentos dos Emirados Árabes Mubadala criou a empresa Acelan, que ficará responsável pela administração da refinaria baiana.

“Na contramão das grandes petrolíferas, a Petrobras se apequena ao abrir mão do seu parque de refino, deixando de ser uma empresa integrada. Além de ignorar a sua responsabilidade social”, afirma o coordenador geral do Sindipetro Bahia, Jairo Batista.

Do “poço ao posto” a exportadora de óleo cru

Presidente da Petrobras quando as reservas do pré-sal foram confirmadas, José Sergio Gabrielli pensa de forma semelhante. Detentor do mandato mais longevo à frente da estatal (22 de julho de 2005 a 13 de fevereiro de 2012), o economista costuma dizer que desde o golpe de 2016 a estatal caminha rapidamente para se transformar de uma empresa integrada, “do poço ao posto”, em mera exportadora de óleo cru.

“Se você abre o país para mais importação, se você diminui o uso do petróleo nacional, porque aumenta a exportação do petróleo cru e não processa o petróleo cru nas refinarias, que não estão crescendo – aliás, a expansão das refinarias foi inviabilizada com a lava jato –, você tem uma situação em que o país passa a ser dependente do mercado internacional”, explicou em entrevista concedida em outubro a Paulo Moreira Leite, no programa Sexta-feira 13h, do canal TVPT no Youtube.

Tudo foi feito para que o país ficasse mais dependente dos preços internacionais, porque aumentou-se muito a importação de derivados, algumas refinarias foram desativadas e em outras reduziram a utilização, foram criados mais de 400 importadores de derivados no país e a Petrobras está desmontando o parque de refino”, elenca.

Pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Gabrielli destacou a situação em análise sobre o Plano Estratégico de Negócios e Gestão (PNG) da Petrobras para o quinquênio 2022/2026. O plano foi anunciado com estardalhaço na última semana.

“A saída da distribuição, tanto do gás natural como dos combustíveis líquidos, se mantém nesse plano”, analisa o economista. “Ele continua ainda fortemente concentrado em atender os interesses de curto prazo dos acionistas, desprezando outros públicos de interesses que constituem o universo das grandes empresas.”

Citigroup: “Petrobras será potência em dividendos”

A confirmar a análise de Gabrielli, relatório divulgado nesta quarta-feira (1) pelo Citigroup aponta que a estatal está se transformando em “uma potência em dividendos”. “Os aprimoramentos de sua política de dividendos lançam mais luz na estratégia de alocação de capital da Petrobras”, destaca o documento assinado pelos analistas Andrés Cardona, Gabriel Barra e Joaquim Alves Atie.

Enquanto a Petrobras informa que dobrará a remuneração aos acionistas, o Citi recomenda que os investidores adquiram suas ações. O relatório ressalta que a estatal sinalizou aos acionistas que o novo plano de negócios dá “continuidade à tendência introduzida há algum tempo, de concentrar-se principalmente em projetos de exploração e produção de petróleo e gás natural, especialmente no pré-sal”.

Coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar destacou o descompromisso do novo plano estratégico da Petrobras com a transição energética. “Onde estão os investimentos para o processo de transição energética, para os renováveis, dos quais a direção da Petrobras vem se desfazendo, indo na contramão da tendência mundial? Onde estão os investimentos em novas tecnologias, que gerem energias mais limpas?”, questionou.

Segundo Bacelar, o PNG praticamente ignora investimentos em fontes de energias limpas, na contramão da direção tomada por outras grandes petroleiras. Mais que isso, a empresa ampliou a aposta nos fósseis. De um total previsto em US$ 68 bi para o período, 84% irão para a exploração e produção de petróleo. Para a estratégia de baixo carbono o orçamento é pífio: US$ 1,8 bilhão.

Desde a inflexão estratégica promovida pelo golpe de 2016, a Petrobras vem abandonando os investimentos em geração de energias renováveis, na contramão das concorrentes, principalmente as europeias. A alegação é de que as operações não dão lucro e que precisa focar em ativos mais rentáveis para reduzir a dívida. A empresa já vendeu participações em usinas eólicas e produtoras de biocombustíveis, e atualmente negocia ativos de geração hidrelétrica e seu braço para a produção de biodiesel.

“O investimento (ambiental) da Petrobras é muito tímido, especialmente frente ao que os pares vêm fazendo”, compara Ilan Arbetman, analista que acompanha a estatal na Ativa Corretora. “E não há dúvidas que existe um preço nisso.”

Ele acredita que, com o aumento das pressões de investidores e financiadores, o mercado tende a penalizar empresas que não avançarem nas questões climáticas, seja pela retirada das ações de portfolios de investimento, seja pelo encarecimento do crédito. Com o aumento das pressões contra os combustíveis fósseis, o setor de petróleo já é negociado em bolsa com desconto em relação a atividades menos poluentes.

Estratégia “curto-prazista” com respaldo de Bolsonaro

Pesquisador do Ineep, Eduardo Costa Pinto chama a estratégia da atual gestão da Petrobras de “curto-prazista”, ao privilegiar a rentabilidade do pré-sal sobre investimentos sustentáveis. “A tendência, dada a gestão atual, é ficar distribuindo lucro e dividendos, em volumes cada vez maiores. Porque, para investir, vai ter que fazer investimentos necessariamente menos produtivos do que o pré-sal”, avalia Costa Pinto.

A estratégia do general Silva e Luna encontra respaldo no desgoverno Bolsonaro. Os incentivos dados no Brasil a combustíveis fósseis em 2020 superaram os gastos do governo federal com Educação. Os dados foram compilados pelo Instituto de Estudos Econômicos (Inesc) e divulgados no início de novembro.

Conforme o estudo, somando subsídios diretos e indiretos, o total dado como incentivo a combustíveis fósseis foi de R$ 123,9 bilhões, 25% mais do que em 2019. No período, o orçamento da União para Educação foi de R$ 113,2 bilhões.

“O Brasil trata pouco desse assunto (combustíveis fósseis)”, afirmou a responsável técnica pelo estudo, Alessandra Cardoso, à BBC. “O tema das mudanças climáticas está muito restrito à discussão sobre florestas, mas, dentro desse desafio, que é gigantesco, também é preciso olhar para essas outras fontes de emissão (de gases poluentes).”

A pesquisadora chama atenção não apenas para o valor elevado dos subsídios, mas para o fato de que muitos desses recursos não aparecem em dados divulgados pela Receita Federal ou pelo Ministério da Economia. “Cerca de 89% do total, R$ 110 bilhões, estão na categoria ‘outras renúncias’, que não aparecem em lugar nenhum — no Orçamento, nos dados da Receita. Ficam no limbo do debate público”, acusou Cardoso.

Uma semana após a divulgação do estudo do Inesc, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu parecer cobrando a suspensão imediata da privatização da Petrobras Biocombustível (PBio), até que a empresa apresente estudos de impactos socioeconômicos, trabalhistas e previdenciários. O MPF também propõe a convocação de audiências públicas para que a privatização seja debatida com a sociedade.

Ataque às políticas ambientais

“A privatização da PBio é mais um ataque às políticas ambientais, pois significa a saída da Petrobras do setor de energias renováveis”, afirma o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar. “Abandonar o setor de biocombustível, além de impactar a agricultura familiar e ampliar o desemprego, é condenar o futuro da Petrobras, caminhando para se tornar uma empresa suja, sem compromisso com o meio ambiente.”

O Brasil é o terceiro maior mercado de biodiesel do mundo, mas, a despeito de sua importância, a PBio vem sendo desmontada desde 2016, quando a usina de Quixadá foi fechada, interrompendo a produção de cerca de 100 mil metros cúbicos de biodiesel por ano. Além disso, a Petrobras abriu mão da participação em diversas outras usinas.

O processo de desmonte da subsidiária foi intensificado no desgoverno Bolsonaro, que colocou à venda as usinas de Montes Claros (com capacidade produtiva de 167 mil metros cúbicos de biodiesel por ano) e de Candeias (304 mil metros cúbicos).

Em entrevista ao Jornal Brasil Atual, Wagner Ribeiro professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), defendeu o resgate do papel da Petrobras na transição energética.

“Foram feitas experiências importantes de biodiesel no transporte durante o Governo Lula. O centro de pesquisa da Petrobras é de alto nível e já mostrava que a empresa poderia impulsionar a atividade econômica nesse sentido. Porém, desde o golpe contra Dilma, a empresa vem perdendo esse papel estratégico”, lamentou. “A retomada do Brasil passa pela requalificação da Petrobras.”

Em seu Plano de Transformação e Reconstrução do país, o PT propõe um grande debate com a sociedade sobre a transição energética. Com a destruição do modelo de desenvolvimento centrado na construção de uma cadeia nacional de suprimento de equipamentos e serviços para o setor de petróleo e gás, e com o desmantelamento do Sistema Petrobras, será preciso definir um novo modelo para o setor.

Há também a necessidade de revisão da política de aceleração dos leilões das áreas exploratórias no pré-sal, ampliando o direcionamento das receitas para o financiamento da educação, além de alternativas tributárias e regulatórias para financiar a transição energética e uma nova política industrial para o país, voltando a gerar emprego e renda.

Da Redação, com informações de RBA, Imprensa FUP e da revista O partido que mudou o País.

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