Desmonte da Petrobras (2): Empresa foi reduzida a ‘fábrica’ de dividendos

Empresa deve se tornar a maior pagadora de rendimentos financeiros do mundo em 2022. Desde o golpe, busca por lucro ofusca o valor estratégico da empresa para a economia

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O desmonte planejado da Petrobras

Os resultados financeiros da Petrobras no segundo e terceiro trimestres deste ano evidenciam os beneficiados pela mudança de rumos operada pelo usurpador Michel Temer e mantida por Jair Bolsonaro. A empresa obteve lucros trimestrais de R$ 42,86 bilhões e R$ 31,224 bilhões, devidos principalmente aos preços dolarizados do barril de petróleo e dos derivados no mercado nacional.

Atingida a meta de endividamento (às custas de privatizações) de US$ 60 bilhões, a Petrobras pôde antecipar o pagamento de dividendos para seus acionistas em R$ 63,4 bilhões. É o maior valor já pago pela empresa em toda sua história.

Segundo a publicação Petrobras para os brasileiros, do Observatório Social da Petrobras (OSP), os dividendos distribuídos em relação ao lucro líquido ajustado entre 2018 e 2019 eram em torno de 29% do total. Em 2020, o valor foi superior ao próprio lucro (152%), e a Petrobras realizou a mágica de distribuir mais dividendos do que aferiu de lucro.

Neste ano, a Petrobras distribui “apenas” 66% da bolada. Mesmo assim, isso fez dela a terceira maior pagadora de dividendos entre todas as petrolíferas do mundo. Em 2022, ela se tornará a maior pagadora do mundo no setor. Em contrapartida, a gasolina brasileira é a terceira mais cara entre os dez principais países produtores de petróleo.

O general Joaquim Silva e Luna, nomeado no início do ano por Bolsonaro para “controlar os preços da Petrobras”, justifica a generosidade com os acionistas dizendo que o papel da estatal é gerar dividendos para permitir que a União faça política social.

No entanto, mesmo detendo 51% do capital votante na composição acionária da empresa, a União deverá receber 37% (R$ 23,3 bilhões) do total. A maior parte vai para acionistas estrangeiros (43%) e nacionais (20%), detentores de ações preferenciais.

Outra consequência do foco no lucro é o esvaziamento do papel da Petrobras como empregadora. Em 2012, ela chegou a manter 445,4 mil empregados (diretos e terceirizados). O equivalente a 1,8% das pessoas de 10 anos ou mais, economicamente ativas no país em dezembro daquele ano. E sem considerar o efeito multiplicador do emprego petroleiro, que pode alcançar a razão de 1 (emprego direto) x 5 (empregos na cadeia de fornecimento).

Segundo o relatório da OSP, entre 2012 e 2020 (último dado disponível), o Sistema Petrobras perdeu 67% de trabalhadores no Nordeste, 58% no Sul e 49% no Norte, enquanto no Sudeste, onde a atual gestão pretende centralizar as atividades, a queda foi de 25%.

“A Petrobras hoje não é industrial, é uma empresa de investimentos financeiros. Isso foi interrompido em 2003 (com o governo Lula) e foi retomado agora na forma de arrasar”, acusa Guilherme Estrella, geólogo, ex-diretor de exploração e produção da Petrobras e integrante da equipe de exploradores que atingiu a camada do pré-sal.

Patrimônio encolhe enquanto crescem os lucros

Além de dolarizar seus preços à população, a Petrobras quer reduzir a presença ou deixar diferentes áreas (transporte de gás, distribuição de gás de cozinha, postos de combustíveis, fertilizantes etc.) para se concentrar na exploração e produção de petróleo no pré-sal. Com esse objetivo, desde 2016 mantém um plano de venda de ativos, incluindo oito de suas 13 refinarias.

Há também uma orientação de política econômica. Apesar da quebra do monopólio da Petrobras na cadeia do petróleo (exploração, produção, refino e transporte), em 1997, a atividade de refino continua a ser quase que integralmente dominada pela estatal. O desgoverno Bolsonaro quer ampliar a presença do setor privado na atividade.

“A opção de fazer os preços do petróleo acompanharem a variação imediata dos valores do barril de óleo no mercado internacional, cotado em dólar, não faz o menor sentido em um país que gastou décadas em pesquisa e dinheiro público para se tornar autossuficiente”, escreveu em artigo o líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN).

“Lucram os acionistas privados da Petrobras, lucram os donos das refinarias privadas — entre elas, as que a Petrobras está vendendo a preço de banana. O povo trabalhador, acionista majoritário da nossa estatal de petróleo, paga a conta”, prosseguiu Prates. “O Brasil não pode ser feito refém do preço internacional do petróleo. Para isso lutamos pela autossuficiência”, finalizou o senador.

Quarto maior consumidor de combustíveis automotivos do mundo, o país importa 30% do GLP, 25% do óleo diesel e 8% de gasolina consumidos no território. Em setembro de 2021, o valor gasto com importação de gasolina foi 119% maior que o gasto no mesmo mês em 2020. Foram comprados 202 milhões de litros, ao custo de R$137 milhões.

A Petrobras já havia elevado as importações de derivados em 116,1% no terceiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Nos nove primeiros meses de 2021, o avanço chegou a 86,3%. Os dados são de levantamento realizado pela Logcomex, startup de automação e big data especializada em comércio exterior.

Peça central nesse mercado de compra e venda, a dolarização dos preços recai sobre o consumidor a cada variação no mercado internacional. O preço do barril de petróleo saiu de US$ 66, em janeiro de 2020, para os atuais US$ 84. Já o dólar saiu, em janeiro de 2020, de R$ 4 para os R$ 5,55 de hoje em dia. E para a população brasileira, gasolina, gás de cozinha e diesel atingem os maiores preços no século.

“Lucram os acionistas privados da Petrobras, lucram os donos das refinarias privadas — entre elas, as que a Petrobras está vendendo a preço de banana. O povo trabalhador, acionista majoritário da nossa estatal de petróleo, paga a conta”, prosseguiu Prates. “O Brasil não pode ser feito refém do preço internacional do petróleo. Para isso lutamos pela autossuficiência”, finalizou o senador Jean Paul Prates

Financeirização às custas do povo

Instituída em outubro de 2016 pelo então presidente da Petrobras, Pedro Parente, nomeado uma semana após o afastamento de Dilma Rousseff, a política de preço de paridade internacional (PPI) é um dos produtos da inflexão estratégica sofrida pela estatal após o golpe. Naquele mesmo mês, o Congresso Nacional aprovava o PL 4567/16, que “desobrigou” a Petrobras de operar todos os blocos de exploração do pré-sal.

Estavam abertas as portas para a financeirização de uma empresa estatal criada para garantir o abastecimento de petróleo aos brasileiros, após a histórica campanha “O petróleo é nosso”. A frase se tornou famosa ao ser pronunciada pelo então presidente da república Getúlio Vargas por ocasião da descoberta de reservas de petróleo na Bahia.

“A Petrobras assegura não só o desenvolvimento da indústria petrolífera nacional, como contribuirá decisivamente para limitar a evasão de nossas divisas. Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econômico”, resumiu Getúlio em 3 de outubro de 1953, data da fundação da empresa.

Hoje, quase 70 anos depois, a primeira refinaria construída no Brasil – a Landulpho Alves (RLAM), fundada na Bahia antes mesmo da Petrobras – é também a primeira a ser privatizada na história do país. Foi entregue pelo desgoverno Bolsonaro para a Mubadala Capital, de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, onde o brasileiro foi recebido pelo príncipe herdeiro Mohamed Bin Zayed Al Nahyan.

O sistema Petrobras, até 2016 integrado “do poço ao posto”, se desmantela. E o petróleo, temporariamente, é “deles”, os investidores.

“A Petrobras hoje não é industrial, é uma empresa de investimentos financeiros. Isso foi interrompido em 2003 (com o governo Lula) e foi retomado agora na forma de arrasar”, acusa Guilherme Estrella, geólogo, ex-diretor de exploração e produção da Petrobras e integrante da equipe de exploradores que atingiu a camada do pré-sal.

“Estamos vendendo ativos, sendo esquartejados não para o capitalismo produtivo. O que estamos sofrendo é uma privatização ligada à faceta que hoje domina o capitalismo, que é o financeiro”, prosseguiu Estrella, em entrevista ao Tutaméia. “Se vende os ativos da Petrobras e se fica com um filé mignon: o pré-sal, com poços que produzem 30 mil barris por dia e têm o mercado do Rio e São Paulo bem em frente. O restante da Petrobras não existe mais.”

“Por que vamos manter Urucu ou os campos terrestres da Bahia, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Espírito Santo ou outras refinarias?”, questiona o geólogo. “Esses são ativos industriais, enquanto o ativo da Bacia de Campos e as refinarias do Sudeste brasileiro são ativos financeiros, porque produzem muito lucro em tempo muito pequeno e sem risco, com um custo de manutenção muito baixos.”

Para Estrella, a Petrobras se transformou em um fundo de investimento no setor petrolífero transnacional. “O modelo é esse. É o melhor negócio para os fundos internacionais. Compra hoje, começa a ter lucro amanhã e remete esses lucros para fora. O Brasil todo está sendo transformado num ativo financeiro dos grandes fundos de investimento internacionais. Não tem mais nada a ver com a produção”, lamentou.

“A financeirização da Petrobras é o primeiro grande saldo dos interesses estrangeiros do capital internacional sobre a empresa. Essa abertura e o desmonte generalizado da Petrobras estão abrindo segmentos da cadeira produtiva de óleo e gás para as empresas estrangeiras e para o capital norte-americano de forma muito intensa”, acrescenta William Nozaki, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

“Somos o maior território e o país mais relevante numa área geoestratégica importantíssima para os Estados Unidos”, prossegue o economista e cientistas político. “O comprometimento da segurança energética e da soberania petrolífera brasileira significa o enfraquecimento geopolítico do Brasil. É fundamental para que as forças norte-americanas lancem seus tentáculos sobre nós.”

“Não por acaso, as grandes empresas de perfuração e de sonda dos EUA e as empresas petrolíferas que atam como parceiras da Petrobras estão se aproveitando dos ganhos financeiros, de benefícios e isenções fiscais e têm acesso a informações geológicas de engenharia e tecnologia que fazem parte do coração estrutural da Petrobras. Tudo isso nos deixa angustiados”, finaliza Nozaki.

Da Redação

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