Desmonte da Petrobras (3): “Petrobras quebrada”, álibi para privatização

Falácia justificou guinada da empresa para priorizar acionistas e entregar ativos ao mercado. “Quem tem que ganhar com a Petrobras é o povo brasileiro’, diz Lula

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Mentiras repetidas

Luiz Inácio Lula da Silva firmou um compromisso com a população brasileira nesta terça-feira (30): devolver a Petrobras a seus legítimos donos. “Os acionistas merecem ganhar alguma coisa, mas quem tem que ganhar com a Petrobras é o povo brasileiro, que é o criador da Petrobras”, defendeu em entrevista à Rádio Gaúcha, lembrando que a dolarização dos preços de combustíveis não faz sentido em um país autossuficiente.

Para Lula, a explicação é que a força tarefa da Lava Jato, em conluio com o Departamento de Estado norte-americano e os patrocinadores do golpe de 2016, moveu um plano para “subordinar o Brasil aos interesses das multinacionais, que estavam preparadas para destruir a indústria de engenharia no Brasil, a indústria naval, a indústria de óleo e gás e, ainda, tentar fazer um acordo de US$ 3,8 bilhões dos quais uma parte ia para (o ex-procurador Deltan) Dallagnol criar uma fundação”.

A mentira midiática e repetida da “Petrobras quebrada”

A narrativa adotada por essa confederação de interesses foi batizada por dirigentes da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) de “mito da Petrobras quebrada”. Em documento de 2018, a entidade afirma que o mito “tenta convencer a todos que a corrupção sofrida pela empresa, somada aos subsídios ao consumidor entre 2010 e 2014, quando ela não fez o repasse integral do aumento do petróleo no mercado internacional aos combustíveis vendidos no Brasil, teria levado a companhia a um estado de crise irreversível.”

A “falácia amplamente divulgada pela mídia em favor de interesses privados e antinacionais”, concluiu a entidade, foi o pilar ideológico do Plano Estratégico de Negócios e Gestão (PNG) da Petrobras para o quinquênio 2017/21. O documento promoveu um giro de 180 graus na trajetória da empresa e a fez dilapidar o próprio patrimônio com o pretexto da redução do endividamento

Entre janeiro de 2015 e outubro de 2021, a venda de ativos da Petrobras já soma R$ 239,9 bilhões, em valores atualizados. No terceiro trimestre deste ano, houve aumento de 3,6% no montante em relação ao valor acumulado no segundo trimestre. Os dados são do Privatômetro do Observatório Social da Petrobras (OSP). Os números consideram a variação da taxa de câmbio, para a conversão da moeda, e a inflação do período.

Conforme o painel, no terceiro trimestre foram negociados 61% de ativos do segmento Refino, 22% de Distribuição e Revenda e 17% de Exploração e Produção. Os setores com mais ativos vendidos foram os de Exploração e Produção (38%), Transporte (30%), principalmente por conta da NTS e da TAG, Distribuição/Revenda (23%), sendo a BR um dos ativos mais valiosos negociados pela estatal até agora, e Refino (6%).

“Privatizar as refinarias é o principal objetivo de curto prazo da direção da Petrobras”, destaca o economista Eric Gil Dantas, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) e do OSP. “Esse programa seguirá como um problema, já que, em meio à crise do preço dos combustíveis, a estatal entregará parte do parque de refino à iniciativa privada e essas empresas não farão os investimentos necessários para a ampliação da capacidade instalada. Pior, atuarão como monopólios privados regionais, possibilitando ainda mais a subida de preços e mantendo nas alturas o nível de importações.”

Patrimônio sofre esfacelamento severo

O desmonte acelerado é considerado “o esfacelamento mais severo da história da Petrobras” pelo coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), William Nozaki. Ele defende a retomada dos ativos para que a estatal recupere o papel de núcleo de um projeto de desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico do Brasil – como foi entre 2003 e 2015.

Em palestra no II Congresso dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Conperj), em junho, o professor de Ciência Política e Economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) rebateu três pontos do discurso utilizado tanto pelo usurpador Michel Temer e Jair Bolsonaro quanto pelos porta-vozes do mercado financeiro para justificar a política de desinvestimentos da Petrobras.

“Hoje sabemos que o método de enfrentamento à corrupção, equivocado do meu ponto de vista, deixou um rastro de mais de 4,4 milhões de empregos perdidos pelo impacto da lava jato; produziu um redução de mais de 3,5% no PIB; deixou estados e municípios que dependem das participações dos royalties do petróleo sem a arrecadação de mais de R$ 47 bilhões; quebrou a engenharia nacional, a indústria naval e a construção civil; e abriu um precedente para que a Petrobras precisasse desembolsar mais de RS$ 14 bilhões em contenciosos jurídicos para acionistas estrangeiros”, enumerou.

“A pergunta que fica é como uma empresa ineficiente organizou um pacote de investimentos de mais de R$ 40 bilhões na década passada, fez uma das dez maiores descobertas globais de óleo e gás, e que, mesmo depois desta travessia turbulenta, registrou, no último ano, valor de mercado de mais de R$ 300 bilhões, próximo ao que tinha no auge dos planos de investimentos do pré-sal”, prosseguiu Nozaki.

Sobre o argumento de que as privatizações objetivam cobrir o elevado endividamento da Petrobras, o coordenador do Ineep lembrou que isso esconde o fato de que a empresa já perdeu mais de R$ 110 bilhões em imparmaints, operações contábeis de reavaliação de ativos realizadas de maneira indiscriminada. Segundo ele, no processo de desinvestimento foram gerados US$ 36 bilhões (R$ 164 bilhões), que somados aos imparmaints indevidos resultam em perdas da ordem de R$ 274 bilhões.

Para o coordenador do Ineep, o argumento de que o encolhimento da Petrobras aumentaria a concorrência revela desconhecimento ou má fé sobre como funciona o mercado de exploração e abastecimento petrolífero, que tem alta dinâmica integrada. As vendas da Petrobras em fatias, concluiu, resultarão em oligopólios privados regionais em diversas partes do país.

Em 2010, empresa tornou-se a segunda maior do continente americano

Criada em 3 de outubro de 1953 por Getúlio Vargas, a Petrobras passou a ter parte de suas ações negociadas no mercado em 1957. A abertura maciça de capital ocorreu 40 anos depois – quando 180 milhões de ações foram vendidas na Bolsa de São Paulo. Depois, em agosto de 2000, a empresa passou a negociar papéis na Bolsa de Nova York.

O pregão que marcou a entrada da Petrobras em Wall Street contou com a presença de Pelé, contratado para promover a marca no exterior. “A Petrobras é o Brasil que deu certo, o Pelé também”, declarou o jogador na época. O primeiro dia de vendas atraiu 13 mil investidores, que pagaram US$ 2,6 bilhões pelas ações americanas.

O divisor de águas no mercado externo, porém, ocorreu em 2010. Quatro anos antes, já no Governo Lula, a Petrobras anunciara o descobrimento de petróleo na camada do pré-sal. Como a extração exigia um investimento pesado, a empresa agendou uma oferta de quatro bilhões de ações.

Quando foi aberto o pregão da Bovespa, parte das novas ações já era negociada na Bolsa de Nova York. Ao final da operação, a Petrobras arrecadou US$ 70 bilhões, tornando-se a segunda maior empresa do continente americano, atrás apenas da ExxonMobil em valor de mercado. É a esse episódio que Nozaki se referiu.

Para abrir o capital nos Estados Unidos, a Petrobras precisou emitir American Depositary Shares (ADSs), os papéis de empresas estrangeiras. A empresa emite as ações em seu país e as deixa congeladas na própria tesouraria. Em seguida contrata bancos que se encarregam de distribuir os recibos desses papéis nos Estados Unidos.

Por serem negociados no exterior, os recibos sujeitam a empresa às normas da SEC, a Comissão de Valores Mobiliários norte-americana, que fiscaliza o mercado de capitais. Com isso, a Petrobras tornou-se imputável nos Estados Unidos, sujeita às leis que lhe impuseram multas e acordos mencionados por Lula como resultado das investigações da força tarefa da lava jato. Os processos que correm na Justiça dos Estados Unidos iniciam o inventário de prejuízo aos acionistas justamente no ano de 2010.

Investimento para privatizar e aumentar remuneração de acionistas

Anunciado com pompa na última semana, o plano de negócios da Petrobras para 2022-2026 recebeu críticas do coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar. Em nota à imprensa, ele ressaltou que os investimentos previstos de US$ 68 bilhões, embora 24% acima do atual PNG, representam menos de 30% dos US$ 214,6 bilhões investidos no quinquênio 2010-2014.

Bacelar questionou ainda a alta concentração dos investimentos na área de exploração e produção (E&P), grande parte no pré-sal. Segundo ele, mesmo com os investimentos anunciados para o refino, a capacidade de produção das refinarias da Petrobras deve encolher dos atuais 2,2 milhões de barris/dia para 1,2 milhão em 2022.

“Os projetos estão concentrados na integração das Bacias do Sudeste (Reduc e GasLub). No caso da Refinaria Abreu e Lima (RNEST/PE), temos dúvidas se os investimentos previstos são de fato para a empresa permanecer com o ativo ou se servirão para agregar valor e tentar vender novamente a unidade”, comenta o petroleiro.

“Após a redução da dívida (em dólar) para menos de US$ 60 bilhões, a missão central da empresa agora está em gerar e distribuir valor, com maior remuneração dos acionistas, aprofundando um modelo de empresa privada em construção desde 2016“, alertou o economista Cloviomar Cararine, responsável pela subseção do Dieese na FUP.

“Pela primeira vez, espera-se um volume de dividendos pagos maior que de investimentos. Além disso, nesse PNG a empresa promete realizar pagamentos trimestrais, no valor mínimo de US$ 4 bilhões/ano, se o preço do barril ficar acima de US$ 40 (hoje está em US$ 80)”, apontou Cararine.

Da Redação, com informações da Imprensa FUP e da revista O partido que mudou o País.

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