O governo federal voltou a investir em peças de propaganda enganosa e sem base na realidade para reforçar a estratégia de sabotagem ao combate à pandemia, em curso desde a chegada do surto no país, em fevereiro. Nesta segunda-feira (24), quando o país ultrapassa a marca de 3,6 milhões de infectados pelo coronavírus e 115 mil mortes pela doença, o presidente Jair Bolsonaro participou do Encontro Brasil Vencendo a Covid-19, no Palácio do Planalto. Trata-se de um evento feito sob medida para promover a hidroxicloroquina como solução milagrosa para tratamento de pacientes infectados, mesmo sem comprovação de eficácia e desautorizado por autoridades de saúde.
“Quando eu tomei, no dia seguinte já estava bom”, afirmou Bolsonaro durante o evento em Brasília, voltando a advogar de modo irresponsável o uso da droga e colocando a vida de milhões de brasileiros em risco. “Se a hidroxicloroquina não tivesse sido politizada, muito mais vidas poderiam ter sido salvas”, insistiu, sem mencionar ou lamentar as vítimas fatais da pandemia.
Ele voltou a insultar profissionais de imprensa, a exemplo do ocorrido na Catedral de Brasília no final de semana. “O pessoal da imprensa vai para o deboche. Mas quando [a Covid-19] pega um bundão de vocês a chance de sobreviver é menor”, disse, em referência à frase dita por ele sobre seu “histórico de atleta”.
Intimidação
No domingo, Bolsonaro tentou intimidar um jornalista depois de ser perguntado sobre o motivo de Fabrício Queiroz ter feito depósitos na conta de sua esposa, a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Em resposta, Bolsonaro ameaçou o profissional, dizendo que tinha “vontade de encher a boca” do repórter “com uma porrada”.
“Se o jornalista elogiar o Bolsonaro, isso é liberdade de expressão, se criticar, é perseguição política”, observa o senador Rogério Carvalho (SE), líder do PT no Senado. “Na cartilha autoritária do Bolsonaro, bom mesmo é o Queiroz, que paga as contas do Flávio (há suspeitas) e faz depósitos para a Michele (mais suspeitas). Com o dinheiro de quem?”, questiona o senador, pelas redes sociais.
A repercussão do caso viralizou nas redes. Só no twitter, a pergunta do repórter sobre os depósitos foi repetida mais de 1 milhão de vezes. A imprensa internacional também repercutiu o caso, com despachos de agências e diários americanos e europeus estampando em manchete a ameaça de Bolsonaro.
Zombar do povo
“Chegamos em 115 mil óbitos e 3,6 milhões de infectados. E Bolsonaro faz hoje o inacreditável evento “Brasil vencendo o Covid-19”. Só pode ser pra zombar do povo brasileiro, desdenhar da dor da morte”, lamentou a deputada federal e presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, em comentário sobre o evento. “É um genocida cruel e sádico”.
A falta de apresentação de uma estratégia ou um plano de ação de enfrentamento à pandemia pelo governo foi duramente criticada pela presidenta do PT. “Como esperado, o tal Brasil vencendo a covid foi uma patifaria”, observa a deputada. “O genocida não citou uma ação sequer que justificasse o nome do evento. Apenas exaltou a cloroquina, ofendeu jornalistas, simulou choro e se auto-elogiou. Um desrespeito à memória das vítimas e à dor das famílias”, critica.
Participaram do evento representantes de um grupo que diz reunir 10 mil médicos defensores do uso da droga. De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), existem atualmente 478 mil médicos registrados no país. “Com tratamento precoce, a nossa linda hidroxicloroquina, consegue sim reduzir os danos da Covid”, alardeou a médica Raíssa Soares. Parecer do CFM afirma, no entanto, que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19”.
Alerta da Anvisa
Segundo reportagem do ‘Brasil de Fato’, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertou, no dia 9 de abril, o Ministério da Saúde que a hidroxicloroquina não deveria ser indicada para o tratamento de casos de Covid-19. A agência enviou nota tanto para a pasta quanto para o Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19.
“Recomendamos ao Ministério da Saúde e Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 que os comprimidos de hidroxicloroquina fabricados pelo Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército e pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos – Farmanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, sejam destinados exclusivamente às indicações terapêuticas já aprovadas por esta Anvisa e que constam na bula do medicamento”, diz a nota da agência.
A reportagem também revelou que a Anvisa demostrava preocupação com o atendimento de pessoas dependentes do uso do medicamento para outras doenças. No documento, a agência adverte que o estoque de hidroxicloroquina à época, 8,8 milhões de comprimidos, “equivaleria a aproximadamente 3 (três) meses de tratamento dos pacientes malária, lúpus ou artrite reumatoide, ou seja, daquelas indicações terapêuticas aprovadas em bula”.
Crime de responsabilidade
Em depoimento ao portal, o deputado federal (PT-SP) e ex-ministro da Saúde, Alexandre padilha afirmou que o presidente cometeu crime de responsabilidade. “Mais um crime de responsabilidade de Bolsonaro: ignorou uma nota técnica da Anvisa que não recomendava o uso da hidroxicloroquina”, disse Padilha.
“O governo transforma o debate da cloroquina em um ato político, contudo é científico. Ao ignorar a Anvisa, o governo mostra que seu compromisso não é com a vida, mas sim, com a produção de fake news [notícias falsas]”, atacou o ex-ministro.
Da Redação, com informações de ‘Brasil de Fato’