Privatizações de Paulo Guedes ameaçam o Estado brasileiro

Ministro da Economia recorre a artifícios para acelerar sua pauta entreguista e liquidar o máximo possível do patrimônio nacional. Projeto de lei na Câmara suspende por um ano a partir do fim da pandemia qualquer venda de empresa pública

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Guedes ataca os interesses nacionais para atender aos bancos

A incontinência verbal do ministro da Economia, Paulo Guedes, vai lhe render um tapinha nas mãos. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), apresentou um requerimento de autoria própria com um convite para Guedes dar explicações sobre sua declaração de que o Senado teria cometido “um crime contra o país”, derrubando o veto do presidente Jair Bolsonaro ao artigo que permitia reajuste salarial para servidores públicos que atuam na linha de frente do combate à Covid-19.

O requerimento deverá ser votado na terça (25), mas, por se tratar de convite e não de convocação, o ministro sequer é obrigado a comparecer ao Senado. Como a Câmara manteve o veto, a situação deve ficar por isso mesmo, e o assunto foi superado já na sexta (21), quando um triunfante Guedes anunciou a “notícia extraordinária” de que em julho o saldo positivo de criação de postos de trabalho formais chegou a 131 empregos.

É claro que Guedes não comentou o fato de que, no acumulado dos sete primeiros meses do ano, as demissões superaram as contratações em 1,092 milhão de empregos. Tampouco que, hoje, a população fora da força de trabalho chega a 77,8 milhões de brasileiros, o maior contingente já registrado. Nesse número, além dos desempregados e dos que desistiram de procurar uma ocupação, estão 32 milhões de trabalhadores subutilizados, que trabalham menos horas do que gostariam.

Como bom vendedor de terrenos na lua, o ministro quer agora se concentrar no que realmente lhe interessa: a dilapidação do patrimônio público. Suas intenções foram explicitadas no vídeo da infame reunião ministerial de abril tornada pública pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Naquele dia, entre tantas outras impropriedades, Guedes foi taxativo sobre as privatizações de um modo geral e sobre o Banco do Brasil, em específico: “Tem que vender essa porra logo”.

Quando assumiu o cargo, há um ano e meio, Guedes disse que pretendia privatizar todas as estatais para levantar cerca de R$ 1,2 trilhão. Não chegou nem perto: os leilões realizados em 2019 renderam R$ 78,6 bilhões, e mesmo assim, em sua maioria provenientes de processos iniciados na gestão do usurpador Michel Temer.

O arcabouço legal do Programa Nacional de Desestatizações (PND) foi aperfeiçoado durante os governos de Lula e Dilma, impedindo ações intempestivas e leilões-relâmpago. Como gostaria Salim Mattar, recém-exonerado da Secretaria especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, que saiu reclamando da “morosidade do Estado”.

Mattar deixou 14 empresas em processo de privatização até o ano que vem, além de algumas liquidações (fechamento). A secretaria será tocada agora por Diogo Mac Cord, antes secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia. Favorável às privatizações e cria do “mercado”, como Guedes e Salim, Mac Cord liderou a aprovação do marco legal do saneamento básico no Congresso e ajudava nas negociações para aprovar o novo marco legal do mercado de gás, a nova presa de Guedes.

O ministro anunciou no mês passado sua intenção de realizar ao menos quatro grandes privatizações já neste ano: Eletrobras, Correios, Porto de Santos e PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.). Em 5 de julho, apontou à CNN Brasil o mapa da mina: “Há muito valor escondido debaixo das estatais. As subsidiárias da Caixa são um bom exemplo. Ali, há R$30 bilhões, R$40 bilhões ou R$50 bilhões em um IPO (oferta primária de ações) grande”, delatou-se. Em outro momento de sinceridade, Guedes deixou claro seu sonho: “Eu gostaria de privatizar todas as estatais”.

Ação criminosa

Sobre uma das quatro estatais na mira de Guedes, a PPSA, o diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), William Nozaki, explica que embora a empresa não tenha grandes ativos, sua função é estratégica: otimizar os ganhos do Estado nos contratos de exploração do pré-sal.

“No limite, a privatização da PPSA significa repassar a apropriação da renda petroleira para a iniciativa privada”, diz o especialista. “Na verdade, isso é uma estratégia para matar dois coelhos com uma cajadada só. A ideia é avançar na privatização dos recursos naturais e estratégicos brasileiros, avançar no desmonte do pré-sal brasileiro e da Petrobras. E, também, conseguir fontes de recursos para intensificar algum grau de investimento sem furar o teto de gastos”, diz o economista.

“O governo quer usar essa manobra principalmente para levar adiante de maneira acelerada o desmonte de todo o arranjo institucional e regulatório que viabilizou converter o óleo de águas ultraprofundas em fonte de recursos para o desenvolvimento nacional”, explica Nozaki.
Ideia fixa de Guedes, a mudança das regras de exploração de petróleo do pré-sal – do atual regime de partilha para o de concessão – pode se beneficiar da aproximação do governo Bolsonaro com a banda aecista do PSDB – e de privataria eles entendem.

O Projeto de Lei 3.178/19, do senador José Serra (PSDB-SP), revoga o direito de preferência para a Petrobras nas licitações no regime de partilha. Permite, assim, que o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) decidam qual o regime mais adequado nos leilões do pré-sal. Sob medida para um predador de “mercado” como Guedes.

Embora não tenha sido mencionada, a Caixa Econômica Federal também está na mira do ministro-banqueiro. No último dia 7, Bolsonaro editou a Medida Provisória (MP) 995/2020, que autoriza a CEF a abrir capital próprio, para “executar atividades compreendidas nos objetos sociais das subsidiárias da Caixa Econômica Federal (…) alinhadas ao plano de negócios ou associadas a ações de desinvestimentos de ativos” do banco. Em nota da Secretaria-Geral da Presidência da República afirmou que a MP “é o primeiro passo para a alienação de ativos da Caixa”.

“A única coisa que pode impedir a execução desse processo de privatização é a reação da sociedade”, disse à ‘Rede Brasil Atual’ Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa. “Vão vender a área de seguro, por exemplo, e outras. Depois sobra o banco comercial, digamos assim, e vendem a preço de banana.”

Para Matoso, o avanço do governo sobre os bancos públicos tem objetivo claro: “Uma política de redução da participação dos bancos públicos na atividade financeira e bancária do país, para ampliar a participação dos bancos privados no mercado, apesar da crise gigantesca”.

Mattoso relata que, quando assumiu a presidência do banco em 2003, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a Caixa vinha sendo organizado pelo governo FHC para ser privatizado, com a redução de seu papel e de sua política de financiamento.

“Na época, não financiava quase mais nada. A privatização não foi feita com Fernando Henrique Cardoso por uma razão curiosa: eles precisavam dos recursos dos fundos dos bancos, sobretudo da Caixa, para privatizar as empresas, como a Vale. Usavam para isso recursos dos fundos das empresas públicas, Caixa, BNDES, Banco do Brasil e Petrobras também”, explica o ex-presidente da Caixa.

Movimentos recentes de Paulo Guedes, como permitir a liberação de saldos do FGTS ou reduzir as contribuições das empresas ao fundo, apontam para o mesmo caminho: esvaziar mais uma fonte de financiamento público, com papel relevante para a construção civil e para o saneamento, em um momento em que se aposta em investimentos nos dois setores como saída para a recessão econômica.

Ao afastar Caixa e o BNDES dos financiamentos, a principal intenção de Guedes é reduzir a competição na oferta de financiamento e, com isso, gerar um duplo ganho para o capital financeiro: aumentar a margem de lucros dos bancos e fundos privados financiando as empresas a taxas maiores, ou as adquirindo, a preços menores.

Projeto suspende privatizações

Na Câmara dos Deputados, tramita desde 15 de maio o Projeto de Lei (PL) 2.715/2020, que prevê a suspensão dos processos de privatização de empresas públicas pelo período de um ano após o término da crise do coronavírus. Conforme a justificativa do projeto, a privatização de empresas públicas em um momento de crise como o atual poderia acarretar em grande desvalorização dos entes privatizados.

O líder da bancada do PT na Câmara, Enio Verri (PT-PR), autor do projeto ao lado de Perpétua Almeida (PCdoB/AC), Fernanda Melchionna (PSOL/RS) e Joenia Wapichana (REDE/RR), afirma que o objetivo da proposição é “segurar o ímpeto” do governo de vender o patrimônio público ao setor privado. Verri destaca que a privatização de áreas lucrativas da Caixa Econômica é também um equívoco dentro do princípio de redução da desigualdade social.

“Se a Caixa fica mais frágil, a capacidade de negociação do banco fica menor, a sua margem fica menor e, consequentemente, ela intervém menos na economia, menos na vida das pessoas mais pobres”, ressalta o líder petista. Para seu colega de bancada, Alexandre Padilha (SP), as empresas públicas, “sobretudo os bancos”, são imprescindíveis para o enfrentamento da pandemia, assim como ocorreu na crise mundial de 2008, quando a Caixa e as outras instituições financeiras estatais mantiveram o país de pé e ainda alavancaram o crescimento da economia brasileira.

O PL 2.715 aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para começar a tramitar. Além das comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Finanças e Tributação (CFT), o projeto passará pelas comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) e de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS). Depois, segue para o Senado.

Questionamento às mesas

No Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Petrobras, apresentou um questionamento a Davi Alcolumbre sobre a criação e venda de subsidiárias de empresas estatais. A prática é apontada como uma “estratégia” do governo para privatizar partes dessas empresas sem a participação do Congresso.

O questionamento foi encaminhado pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados ao STF para que a Corte intervenha. Para Prates, esses procedimentos não são apenas decisões de gestão que a diretoria da estatal possa tomar sozinha.

O Senado e a Câmara pedem para ser incluídos como partes interessadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.624, que questiona vários pontos da Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei 13.303, de 2016). Em 2019, o STF decidiu cautelarmente, no âmbito do julgamento da ação, que a venda de subsidiárias de empresas estatais não depende de autorização do Congresso. No entanto, a criação de subsidiárias precisa ser chancelada pelo Congresso.

A Petrobras tem autorização legislativa para estabelecer subsidiárias desde 1997, com a lei que revogou o monopólio estatal sobre o petróleo brasileiro (Lei 9.478, de 1997). A partir disso, desde o ano passado a empresa trabalha com o plano de criar novas subsidiárias para as quais seriam transferidas oito refinarias. Na sequência, essas subsidiárias seriam vendidas. Todas essas etapas poderiam ser cumpridas, segundo a Petrobras, sem a necessidade de consulta ao Congresso.

No entanto, o Senado e Câmara argumentam que a lei de 1997 abriu caminho apenas para subsidiárias que visem cumprir o objeto social da Petrobras, orientadas pela exploração de novas oportunidades de negócios. A ramificação “artificial” da matriz, com o propósito único de alienar ativos, não estaria respaldada. As Mesas Diretoras pedem ao STF que explicite que o Congresso precisa ser consultado nesses casos.

O senador se preocupa que, sem uma abordagem legal ou judicial clara, a prática de desestatização por meio de subsidiárias possa se tornar rotineira. Ele exemplifica com a edição da MP 995/2020, que contém a previsão legal para que subsidiárias da Caixa Econômica Federal criem suas próprias subsidiárias. “Se não houver quem grite que o rei está nu, essa estratégia vai se espalhar para outras estatais”, alerta Jean Paul.

O Brasil viveu a experiência das privatizações em diferentes governos. Sobretudo no de FHC, que privatizou bancos, siderurgia, petroquímica, fertilizantes, geração e distribuição de energia, água e esgoto, telecomunicações, transportes ferroviário, rodoviário, metroviário, aéreo e marítimo, mineração, gás canalizado, turismo e outros, alegando, principalmente, a necessidade de reduzir a dívida pública.

No início do processo, que ficou historicamente conhecido como “privataria”, a dívida pública era da ordem de R$ 20 bilhões ou R$ 30 bilhões. Ao final, foi multiplicada por mais de dez.

As reservas cambiais do país totalizavam US$ 37,65 bilhões em janeiro de 2003, quando FHC entregou o cargo a Luís Inácio Lula da Lula. Quando Lula se despediu da Presidência, em dezembro de 2010, elas já somavam US$ 288,575 bilhões. Em 12 de maio de 2016, quando a presidenta legítima Dilma Rousseff foi afastada, o valor já tinha chegado a US$ 376,128 bilhões. No desgoverno de Guedes e Bolsonaro, em nove meses, o Banco Central (BC) torrou US$ 54 bilhões dessas reservas para tentar conter o preço do dólar, fracassando miseravelmente.

Agora, Guedes anuncia que vai transferir R$ 400 bilhões dos lucros cambiais do BC para abater parte da dívida pública, favorecendo diretamente o setor financeiro, já contemplado com R$ 1,3 trilhão durante a pandemia. Quem, afinal, comete “um crime contra o país”?

Da Redação

 

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