O ano começou mal para a indústria automotiva, que registrou em janeiro o pior resultado para o mês em 19 anos. Entre carros de passeio, utilitários leves, caminhões e ônibus, foram produzidas 145,4 mil unidades, uma queda de 27,4% na produção ante dezembro e de 31,1% na comparação com janeiro de 2021. As vendas também caíram, resultando no pior janeiro em 17 anos.
Os dados são da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, diz que houve impacto da Covid-19 na produção e em toda a cadeia, com muita gente afastada.
“O nível de transmissibilidade é maior, o nível de gravidade é menor, mas tem consequências na produção. Podemos indicar, na média, 6 a 7% de absenteísmo por conta da doença”, enumerou Moraes. “E daí?”, perguntaria Jair Bolsonaro.
Além disso, o recesso de fim de ano foi adiado em muitas fábricas para que turnos extras dessem conta de finalizar veículos cuja produção não seria mais permitida neste ano, dado o novo limite de poluição veicular. Boa parte do parque industrial ficou parado na primeira quinzena de janeiro por conta de férias coletivas. Outro fator para a queda da produção, afirmou Moraes, foi a falta de semicondutores, que se arrasta desde 2020.
Completando o quadro, as vendas de janeiro foram as mais baixas para o mês em 17 anos. No total, 126,5 mil veículos foram vendidos no Brasil, 26,1% a menos que em janeiro de 2021. Frente a dezembro, a queda foi de 38,9%. As exportações subiram 6,6% ante janeiro de 2021, mas na comparação com dezembro a queda foi de 33,5%.
Para o presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), José Maurício Andreta Jr, “a alta nas taxas de juros restringiu a aprovação de crédito para financiamentos e, também, tivemos queda na renda do consumidor, pelo aumento da inflação”.
O presidente da Anfavea também demonstrou preocupação com a política monetária do Banco Central (BC) “independente”. Segundo ele, os problemas causados pela ômicron deverão ser amenizados nos próximos dois meses, e o nível de escassez de semicondutores será menor que em 2021. “Portanto, o único sinal de alerta é para a alta dos juros acima do que era esperado. Isso pode desaquecer o mercado, caso não haja contrapartidas que tragam algum alívio para o orçamento dos consumidores.”
Encolhimento dos empregos
O balanço da Anfavea mostra ainda que as montadoras de veículos abriram 285 vagas de trabalho em janeiro, empregando 101,3 mil pessoas. Muito abaixo do registrado em outubro de 2013, no Governo Dilma Rouseff, quando 138 mil trabalhadoras e trabalhadores atuavam no setor. Sob Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, 2021 foi o terceiro ano de fechamento de postos de trabalho na indústria automotiva.
Em dezembro do ano passado, havia 101.050 pessoas empregadas, pior índice para um mês desde agosto de 2007, com 100.674 trabalhadores nas fábricas de carros, comerciais leves, caminhões e ônibus. Considerando a média anual de pessoas trabalhando, 2021 terminou com 103,3 mil funcionários na indústria automotiva – novamente o índice mais baixo desde 2007, com média de 99 mil empregados.
A queda na venda de veículos, que em janeiro foi a mais baixa desde 2005, reduz os empregos na indústria automobilística. Com o fechamento de montadoras e a saída de grandes empresas, a conjuntura empurra os metalúrgicos para trabalhos por conta própria ou precarizados.
Reportagem do site Reconta Aí informa que aumentou o número de profissionais da categoria que se tornaram motoristas de Uber em cidades como São Paulo, São Bernardo do Campo e Taubaté, onde há unidades de montadoras. O doutor em economia Emílio Chernavsky lamentou a situação.
Segundo ele, “a indústria automobilística é formada por cadeias produtivas longas, e sua expansão possui relevante efeito indutor sobre a atividade econômica, a geração de empregos qualificados e o desenvolvimento tecnológico no país”. Em movimento oposto, sua contração puxa para baixo todo o conjunto das economias, tanto locais quanto a nacional.
Chernavsky lembra que durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff medidas como aumento sustentado da renda, expansão do crédito e concessão de incentivos tributários aumentaram as vendas por meio da redução do preço relativo dos automóveis. Essas políticas viabilizaram a aquisição por parcelas da população historicamente excluídas e estimularam o crescimento da produção.
Estudo da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC) mostra que, entre 2003 e 2014, a produção saltou de 1,6 milhão de veículos para 3,1 milhões.
“O licenciamento de veículos no Brasil, que flutuava em torno de 1,5 milhão de unidades por ano na década de 1990, cresceu continuamente nos governos do PT, se aproximando dos 4 milhões em 2014”, descreve o economista. Ao mesmo tempo, eram garantidas a manutenção e expansão de empregos formais conforme as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A partir de 2012, o país contou com o programa Inovar-Auto, que incentivava as empresas a produzirem e gerarem empregos no Brasil. Criada por Dilma, a política industrial aumentou a eficiência da frota nacional em 15,4%, acima da meta de 12%, segundo a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA). A Anfavea estima que entre 2012 e 2018 o setor recebeu investimentos de R$ 76 bilhões.
Pelo Inovar-Auto foi possível também impulsionar a nacionalização da produção, e oito fábricas foram inauguradas: Chery em Jacareí (SP); FCA em Goiana (PE); Nissan em Resende (RJ); BMW em Araquari (SC); Jaguar Land Rover em Itatiaia (RJ); Hyundai-Caoa em Anápolis (GO); Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP) e Audi em São José dos Pinhais (PR).
Com o golpe de 2016, começou o desmantelamento da política. Seu fim foi decretado em dezembro de 2017 pelo usurpador Michel Temer, e desde 2018 o país está órfão de uma política industrial para o setor. O Rota 2030, criado por Temer em fevereiro daquele ano, não garante postos de trabalho, não estimula a geração de novos empregos e ainda fala de automatização das linhas sem contrapartida ou negociação com trabalhadores.
Para Chernavsky, a indústria automobilística poderia ajudar o país a sair da atual crise econômica e de empregos, mas… “A forte redução da produção e das vendas de veículos registradas no Brasil desde a crise econômica de 2015 é especialmente negativa. Após seis anos de reformas liberalizantes, os resultados prometidos até agora não vieram e as perspectivas do setor continuam sombrias”, lamentou.
Da Redação, com Imprensa CUT