Entre o PIX e as notas de R$ 200, a família Bolsonaro prefere as verdinhas. Pelo menos, ao comprar imóveis. Dos 107 negociados desde 1990 por Jair Bolsonaro, sua mãe (morta em janeiro), os três filhos mais velhos, cinco irmãos, duas ex-esposas e até um cunhado (cunhado também é parente), 51 foram pagos, total ou parcialmente, em “cash”.
A tática, habitual entre organizações criminosas (Orcrim) para “lavar” recursos obtidos ilicitamente, foi denunciada em série de reportagens publicadas nesta terça-feira (30) pelo portal UOL. De acordo com o site, esses 51 imóveis custaram R$ 13,5 milhões na época, valor equivalente hoje a R$ 25,6 milhões. Desse total, R$ 5,7 milhões (ou R$ 11,1 milhões em valores corrigidos) foram pagos em dinheiro vivo.
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À luz dos novos fatos, ninguém deve estranhar, portanto, que Bolsonaro tenha decidido impor um sigilo de 100 anos para informações de atividades do governo, decisão lembrada pelo candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, no debate de domingo na Band. No encontro, Lula prometeu acabar com os sigilos por decreto, se for eleito presidente.
Como se sabe, desde o ano passado, o extremista de direita decidiu que a população não pode saber sobre “temas sensíveis” como gastos do cartão corporativo, o cartão de vacinação de Bolsonaro, encontros no Planalto com pastores sem vínculo com o governo, crachás de acesso dos filhos de Bolsonaro ao Palácio, viagens, o caso Genivaldo… A lista não é pequena.
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“O que se explica o sigilo de 100 anos para o ministro da Saúde que agiu de forma totalmente irresponsável no trato da Covid?”, questionou Lula, no debate? “O que explica um presidente brincar com uma doença que matou 682 mil pessoas e ele não foi capaz de derramar uma única lágrima?”.
Ele referiu-se ao processo do Exército que deixou que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello escapasse ileso após participar de um ato político ao lado de Bolsonaro, o que é proibido pelo código militar. Pois bem, o caso de Pazuello também está sob sigilo de 100 anos.
Imóveis investigados pelo MP
Não consta nos documentos de compra e venda a forma de pagamento de 26 imóveis, que somaram R$ 986 mil (ou R$ 1,99 milhão em valores corrigidos pelo IPCA). Transações por meio de cheque ou transferência bancária envolveram 30 imóveis, totalizando R$ 13,4 milhões (ou R$ 17,9 milhões atualizados).
As matérias também revelam que pelo menos 25 imóveis comprados desde 2003 foram ou estão sendo investigados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e do Distrito Federal. Incluídas a casa do patriarca no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca (Rio), e a mansão comprada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em Brasília. As negociações totalizam R$ 13,9 milhões (R$ 22,6 milhões em valores atuais).
Algumas dessas transações não foram feitas em dinheiro vivo, mas se tornaram objeto de apurações como a das “rachadinhas” (apropriação ilegal de salários de funcionários de gabinetes). Funcionários fantasmas do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro devolviam parte dos salários ao clã, por intermédio do assessor Fabrício Queiroz. O esquema rendeu a compra de 17 imóveis por Flávio.
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Após o caso se tornar público, em 2018, Flávio e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), além de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do patriarca, passaram a ser investigados por envolvimento no esquema. Parte de provas produzidas durante a apuração foram anuladas recentemente, mas as investigações prosseguem. No caso de Carlos, o sigilo bancário foi quebrado por indícios semelhantes.
Para o candidato do PT ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, “o termo rachadinha precisa ser atualizado”. “Os Bolsonaros desviaram dezenas de milhões de reais durante trinta anos de vagabundagem. Do slogan do fascismo brasileiro, só sobra ‘família’, a dele. Antes de prendê-los, vamos julgá-los na forma da Constituição”, defendeu em postagem no Twitter.
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A compra de cinco terrenos por Bolsonaro e a advogada Ana Cristina Valle, em Resende, no interior do Rio, também está no radar do MP. Adquiridos por R$ 160 mil, em 2006, eles eram avaliados na época da compra em R$ 743 mil, ou quase cinco vezes mais.
Ana Cristina, mãe de Jair Renan, voltou aos holofotes no ano passado, quando alugou uma casa no bairro mais caro de Brasília (Lago Sul) do corretor Geraldo Antônio Machado, após ele ter comprado o imóvel por R$ 2,9 milhões dias antes da mudança. Geraldo vive em outra casa num condomínio em Vicente Pires, cidade de classe média do Distrito Federal.
O imóvel mais caro comprado com dinheiro em espécie é uma casa em terreno de quase 20 mil metros quadrados na região central de Cajati, no interior paulista. Ela foi adquirida pela irmã presidencial Maria Denise Bolsonaro e o então marido, José Orestes Fonseca, por R$ 2,67 milhões (o equivalente a R$ 3,47 milhões hoje).
Questionado, Bolsonaro não se manifestou
O levantamento considera o patrimônio construído em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Os repórteres Thiago Herdy e Juliana Dal Piva passaram sete meses consultando 1.105 páginas de 270 documentos de cartórios de imóveis e registros de escritura em 16 municípios. Também percorreram pessoalmente 12 cidades para checar endereços e a destinação dada aos imóveis, além de consultar processos judiciais.
Conforme a reportagem, a família adquiriu 12 imóveis até 1999, movimentando R$ 567,5 mil (R$ 1,9 milhão atualizados). Nos anos seguintes, parte deles foi vendida, enquanto ocorreram outras aquisições. Até este ano, a família segue proprietária de 56 dos 107 imóveis. Estes custaram R$ 18,8 milhões (R$ 26,2 milhões em valores atuais).
Presidenta nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), cobra explicações. “Reportagem do UOL mostra como patrimônio em imóveis dos Bolsonaro se multiplicou durante os anos de carreira política dele e dos filhos, com transações em dinheiro vivo. É um patrimônio de R$ 25,6 milhões. Depois dizem que quem roubou foi Lula. Expliquem aí!”, afirmou em seu perfil no Twitter.
Mas é claro que o inquilino do Palácio do Planalto não respondeu aos questionamentos do UOL sobre a preferência por transações em dinheiro. Ele prefere apostar na máxima da mentira repetida muitas vezes que se torna verdade ao insistir que em seu desgoverno “não existe corrupção”.
Da Redação, com informações do UOL