Quando a primeira foto oficial de Jair Bolsonaro com todos os seus ministros veio a público, no primeiro dia deste longo e espantoso 2019, poucos foram os que não ficaram atônitos diante das figuras que circundavam o despreparado chefe da República – tantos eram os nomes com trajetórias lamentáveis e problemas na Justiça.
Mas um deles destoava dos demais: era Ricardo Salles, incumbido sem qualquer cerimônia pelo presidente de transformar o Ministério do Meio Ambiente num grande balcão de negócios, como escancarado pelo jornal O Globo nesta quarta (14) ao revelar que o chefe da pasta dava carona a ruralistas em avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
Antes mesmo de assumir o cargo, no entanto, Salles já era alvo de ao menos quatro ações que alertavam sobre o caráter inconstitucional de sua nomeação por ter sido condenado por improbidade administrativa quando ainda era secretário estadual de Meio Ambiente na gestão Geraldo Alckmin (PSDB). Mesmo com direitos políticos suspensos, foi confirmado na função para seguir sua desastrosa e previsível jornada rumo ao desastre.
A denúncia desta quarta, obtida via Lei de Acesso a Informação, usa como base documentos que comprovam o favor ilegal concedido pelo ministro a dez deputados e senadores da bancada ruralista em viagens oficiais nos primeiros seis meses de governo.
O transporte de autoridades pelos aviões da FAB é regulamentado pelo decreto 4.244 de 2002. O texto prevê viagens “somente” do vice-presidente, ministros de Estado, dos chefes dos três Poderes e das Forças Armadas. O decreto não autoriza expressamente o embarque de pessoas sem cargo ou função pública e nem de congressistas. Os nomes dos caronistas aparecem numa lista sobre a quantidade dos passageiros que irão viajar com as autoridades.
Em junho, parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária do Acre usaram a carona de Salles: foram os senadores Márcio Bittar (MDB-AC), Sérgio Petecão (PSD-AC), Mailza Gomes (PP-AC) e o deputado Allan Rick (DEM-AC).
Bittar é um dos autores do projeto de lei que prevê o fim da obrigatoriedade de proprietários rurais manterem áreas de mata nativa em suas propriedades, a chamada reserva legal. Na Amazônia, as propriedades precisam manter 80% de sua mata nativa intacta. O projeto apresentado por Bittar, em parceria com o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), é alvo de críticas de ambientalistas. Cientistas afirmam que a extinção da reserva legal na Amazônia poderia acelerar o desmatamento da região e afetar o regime de chuvas em praticamente todo o país.
Relembre alguns dos escândalos envolvendo o ministro do Meio Ambiente:
1. Prêmio à Vale após tragédia em Brumadinho
A empresa provoca um dano ambiental de enormes proporções, pelo qual é multada em R$ 250 milhões. Alguns meses depois, recebe “a incumbência” de cuidar do meio ambiente que ela mesma devastou. E com qual recurso? Com os mesmos R$ 250 milhões que ela havia desembolsado por conta da destruição provocada.
Esta foi a solução encontrada por Salles para dar uma “saída ecológica” ao crime ambiental provocado pela mineradora Vale na cidade de Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro de 2019, que matou mais de 300 pessoas, das quais mais de 80 continuam desaparecidas.
2. Destruição recorde da Amazônia
Virou notícia no mundo todo o fato de o desmatamento na região amazônica ter registrado o número mais alto em um mês de maio da última década, com 739 km² (o equivalente a cerca de dois campos de futebol por minuto) de floresta destruídos. Salles e seu patrão Jair desdenharam dos números e, no lugar de propostas para conter o problema, tentaram censurar os dados divulgados pelo Inpe.
3. Perseguição a servidores e improbidade administrativa
Fosse mesmo a questão técnica a única preocupação de Bolsonaro para formar seu ministério, Ricardo Salles jamais poderia estar no cargo. Quando ainda era secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, foi denunciado por funcionários obrigados por ele a acobertar irregularidades. Em depoimentos, relataram transferências e até a perda de cargo de colegas que se posicionaram contra o ex-secretário.
Salles foi condenado em dezembro passado pela Justiça de São Paulo por improbidade administrativa. Ele é acusado de fazer alterações fraudulentas no Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê com o objetivo de favorecer uma série de indústrias.
4. Diploma falso em Yale
Ricardo Salles publicou, em 11 de fevereiro de 2012, um artigo na Folha de S. Paulo intitulado “ Privatização, ainda que tardia”. Ao fim do texto aparece uma biografia resumida: “Ricardo Salles, 36, mestre em direito público pela Universidade Yale, é advogado e presidente do Movimento Endireita Brasil”. O título em Yale, no entanto, é mentira.
A reportagem do The Intercept entrou em contato com o Departamento de Comunicações da Faculdade de Direito da Universidade de Yale, onde Salles teria obtido seu diploma. A resposta segue abaixo:
“Oi. Sinto muito pela demora na resposta. A Faculdade de Direito não conseguiu localizar nenhum registro indicando que Ricardo de Aquino Salles frequentou a Faculdade de Direito de Yale”, disse o representante da universidade, por e-mail.
Da Redação da Agência PT de Notícias