É quase inevitável não sentir, mesmo longe de suas construções frias e estéreis, o que Brasília nos reserva assim que avistamos a paisagem inóspita do cerrado pelo caminho. Há um certo calafrio, tão seco como o ar que respiramos por aqui, no primeiro contato com a capital federal do país. Brasília, em suma, é quase um estado de espírito.
Embora tenha contrariado sua própria predestinação de isolamento e se tornado o centro das manifestações políticas e sociais, a cidade não acolhe de imediato: organizada e eficaz à primeira vista, inibe e afasta com o passar do tempo. Mesmo com valor histórico e arquitetônico inegável, Brasília desocupada e sem a voz das ruas nada mais é do que um emaranhado de prédios e avenidas largas, uma maquete funcional e ríspida. Uma miragem desértica.
Mas lembremos que estamos no coração do Brasil, país de extremos, contradições e eternos acasos. E é neste paradoxo que Brasília renasce. Local marcado por atos das mais variadas frentes e de momentos tão importantes trajetória recente do país, a cidade ganha dinâmica própria quando sai da rotina pragmática de decisões políticas e polarizações ideológicas.
A partir desta segunda-feira, com a chegada da Caravana do Semiárido, a cidade deixa novamente de ser espelho para virar vidraça diante do que tem feito o seu mais impopular inquilino: o ilegítimo Michel Temer. Não fosse o que o golpista tem feito com o país talvez não houvesse a necessidade de percorrer milhares de quilômetros até a capital para denunciar o absurdo da volta da miséria extrema – só para citar a mais urgente demanda.
Daqui a 10 dias, Brasília ganhará outra página emblemática em sua história com a realização de grande ato em 15 de agosto, data em que Lula será registrado como candidato à Presidência. Mesmo que a imprensa hegemônica dê as costas para o que se passa longe de seus interesses, a capital federal estará sempre sob o domínio do povo. Pode não ter o calor e o acolhimento de outros grandes centros urbanos do país. Pode seguir sendo a casa de alguns dos maiores algozes da nação. Ainda assim permanece, para o bem ou para o mal, como “a prova de confiança na grandeza deste país”, como sonhou seu idealizador Juscelino Kubitschek.
Sobre a caravana
O Brasil deixou o Mapa da Fome da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) apenas em 2014, mas com as políticas nefastas de Temer, já corre o risco de retornar para esse inglório patamar.
Diante desse cenário, organizações, redes e movimentos sociais do campo popular e democrático do Semiárido vão cruzar o país para chamar a atenção da sociedade e dos agentes públicos do Estado sobre os riscos da volta da fome e ao mesmo anunciar os avanços e conquistas que milhares de famílias tiveram a partir do acesso à água, ao crédito, a assistência técnica nos últimos anos.
O projeto está percorrendo mais de 4.300 quilômetros do sertão de Pernambuco até a capital federal. O comboio começou no dia 27 de julho, em Caetés (PE), com paradas estratégicas em Feira de Santana (BA), Guararema (SP), Curitiba (PR) até o destino final Brasília (DF), no dia 07 de agosto, onde a caravana pretende denunciar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a situação de fome que atinge o país.
Por Henrique Nunes, enviado especial à Caravana do Semiárido contra a Fome, para a Agência PT de notícias