Diário de bordo: De Florestan Fernandes para a Caravana do Semiárido

Caravana do Semiárido contra a Fome desembarca na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP), em seu quinto dia de andanças

No dia 10 de agosto de 1995, o Brasil perdia um de seus mais prolíficos pensadores: o sociólogo Florestan Fernandes. Paulistano de nascimento e autor de obras fundamentais como Corpo e Alma do Brasil, o pensador deixou legado sem precedentes na busca por compreender as estruturas sociais do país e também teve atuação marcante na política tradicional, sendo um dos patronos ideológicos do Partido dos Trabalhadores.

Uma década depois de sua morte, em 2005, sua trajetória ganharia um novo capítulo com a fundação da Escola Nacional Florestan Fernandes, centro de formação e educação idealizado pelo MST e um dos locais da passagem da Caravana do Semiárido contra a Fome e por Lula Livre.

A chegada da comitiva de denúncia e resistência, por sinal, sugere a seguinte questão: como o próprio Florestan receberia os militantes? O que iria pensar sobre os retrocessos impostos pelo governo ilegítimo de Temer? O que falaria a cada um deles sobre a luta contra a miséria?

A resposta, em tom de homenagem, você encontra a seguir:

Companheiros e companheiras de luta, como estão as coisas por aí? Sei que a pergunta, de retórica pobre, quase infantil, é uma tremenda afronta diante de tudo o que tem acontecido no Brasil. Mas digo isso porque sei que a jornada de vocês, que começou em Pernambuco e terá desfecho histórico em Brasília, tem sido de uma força descomunal, um acinte irreversível para derrubar o muro social erguido após o golpe de 2016.

Por mais irônico que possa parecer, não vejo tristeza tampouco desânimo nos olhos de vocês. O que sinto em suas almas é apenas alegria, coletividade e a certeza de estar fazendo a coisa certa. Para o lado certo.

Quando vi vocês chegando, nesta manhã fria e chuvosa de 31 de julho de 2018, logo me veio à mente algo que disse muito tempo antes de tudo isso acontecer. “Um povo educado não aceitaria as condições de miséria e desemprego como as que temos”.

Pois é. Quem diria que tudo o que fizemos para combater a miséria e o desemprego a partir de 2002 ganharia ares de tragédia nos dias de hoje. Nossos ideais marxistas, capitaneados pela força de trabalho coletivo e pela distribuição justa e igualitária das riquezas, não podem ser dizimados por um projeto que não inclui o povo em sua concepção. Temos que retomar as rédeas, assumir o controle e enterrar de vez esse sonho mesquinho da elite em tomar para si o que é de todos nós.

Foi por isso que fiquei emocionado ao ver cada um de vocês na escola que nunca conheci, mas que tem em cada um de seus pilares um pouco do que imaginei para o Brasil. A Escola Nacional é, mais do que tudo, um quartel de generosidade e espírito coletivo, uma ilha que transcende as próprias margens para servir de exemplo de formação e conduta. Não à toa, a ENFF hoje é exemplo para pessoas do mundo do todo. Da horta aos métodos de ensino; da divisão de tarefas à formação em história e política; do respeito à individualidade à necessidade do trabalho coletivo.

Quando Lula esteve na escola em dezembro de 2017 para a inauguração do campo Doutor Sócrates Brasileiro eu, daqui de onde estou, toquei os seus ombros e lhe dei forças para que continuasse o jogo de maneira limpa e de cabeça erguida. Agora faço o mesmo com cada um de vocês: vocês podem não me ver, mas seguirei viagem junto com a caravana para ajudá-los a tocar os corações dos brasileiros que ainda vamos encontrar pelo caminho.

Sigam em frente, companheiros e companheiras, mantenham a luta contra a fome e ajudem a tirar do cárcere aquele que foi um dos grandes responsáveis pela libertação de vocês. As correntes podem estar com a elite, mas a chave para descerrá-las estará sempre com o povo.

Um grande, abraço.

FF, 31 de julho de 2018

Sobre a caravana

O Brasil deixou o Mapa da Fome da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) apenas em 2014, mas com as políticas nefastas de Temer, já corre o risco de retornar para esse inglório patamar.

Diante desse cenário, organizações, redes e movimentos sociais do campo popular e democrático do Semiárido vão cruzar o país para chamar a atenção da sociedade e dos agentes públicos do Estado sobre os riscos da volta da fome e ao mesmo anunciar os avanços e conquistas que milhares de famílias tiveram a partir do acesso à água, ao crédito, a assistência técnica nos últimos anos.

O projeto está percorrendo mais de 4.300 quilômetros do sertão de Pernambuco até a capital federal. O comboio começou no dia 27 de julho, em Caetés (PE), com paradas estratégicas em Feira de Santana (BA), Guararema (SP), Curitiba (PR) até o destino final Brasília (DF), no dia 07 de agosto, onde a caravana pretende denunciar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a situação de fome que atinge o país.

Por Henrique Nunes, enviado especial à Caravana do Semiárido contra a Fome, para a Agência PT de notícias

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